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Encyclopédie internationale
des histoires de l’anthropologie

Etnografar a política dentro e fora do Brasil: uma história intelectual do Núcleo de Antropologia da Política (NuAP) – 1997-2024

Marcos Otávio Bezerra

UFF, CNPq

John Comerford

PPGAS/MN/UFRJ

2025
Pour citer cet article

Bezerra, Marcos Otávio & John Comerford, 2025. “Etnografar a política dentro e fora do Brasil: uma história intelectual do Núcleo de Antropologia da Política (NuAP) – 1997-2024”, in Bérose - Encyclopédie internationale des histoires de l'anthropologie, Paris.

URL Bérose : article3849.html

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Publié dans le cadre de HITAL - Histoire transatlantique des Anthropologies d’Amérique Latine / International Research Network - INSHS (CNRS), dirigé par Christine Laurière ; Équipe du Departamento de Antropologia/Museu Nacional/UFRJ, LACED, sous la direction d’Antonio Carlos de Souza Lima.
Publié dans le cadre du thème de recherche «Histoire des anthropologies au Brésil», dirigé par Stefania Capone (CNRS) et Fernanda Arêas Peixoto (Universidade de São Paulo)

Résumé : Créé en 1997 et basé sur le programme de troisième cycle en anthropologie sociale du Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro, le Núcleo de Antropologia da Política (Centre d’anthropologie de la politique, NuAP) s’est formé autour de l’idée d’une approche ethnographique et comparative de la politique. Autour d’un vaste projet de recherche collective qui a duré jusqu’en 2005, le NuAP a servi d’espace de formation des chercheurs et de mise en relation des groupes de recherche. Des projets plus spécifiques ont suivi, toujours en dialogue avec ce large investissement intellectuel initial. Au centre de cette trajectoire se trouve la proposition d’une anthropologie « de » la politique, c’est-à-dire une anthropologie qui part d’une ethnographie de tout ce qui est délimité et vécu comme politique dans différents contextes, moments et disputes - plutôt que de partir de prédéfinitions de la politique. Cet article se concentre sur certaines des questions et dimensions qui ont pris une place prépondérante dans les discussions du NuAP, cherchant à décentrer et à problématiser les conceptions et concepts établis lorsqu’ils traitent de la politique et de thèmes connexes. En particulier, il aborde les traitements ethnographiques de sujets aussi variés que les élections et leur temporalité, les professionnels de la politique et l’État, les mouvements sociaux, la violence, la famille et la parenté, et les relations personnelles. Enfin, quelques observations sont faites sur la continuité du NuAP à travers un réseau de chercheurs qui, traitant de thèmes très divers dans des contextes institutionnels variés, ont maintenu un dialogue fructueux basé sur un bagage intellectuel partagé au sein de cette vaste entreprise ethnographique.

Fundado formalmente em dezembro de 1997, com sede no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/MN/UFRJ), o Núcleo de Antropologia da Política (NuAP) foi formado em torno da ideia de uma abordagem etnográfica e comparativa da política. Ao atuar como um espaço de formação de pesquisadores e articulação de centros de investigação, o NuAP, inicialmente, organizou suas atividades em torno de um amplo projeto de pesquisa coletivo intitulado “Uma Antropologia da Política : Rituais, Representações e Violência” (Palmeira et al, 1998).

Naquele momento, o Brasil, como outros países da América Latina, experimentava os primeiros anos de redemocratização após duas décadas de governos militares (1964-1985). Objeto de amplas mobilizações populares, como a “Campanha das Diretas Já” em 1984, a realização de eleições diretas para os cargos políticos no Executivo e Legislativo das administrações municipal, estadual e federal só foi plenamente retomada com a promulgação de uma nova Constituição em 1988, para a elaboração da qual foram eleitos deputados constituintes em 1986, e com as eleições presidenciais em 1989. Conduzindo pesquisas desde os anos 60 sobre a plantation [1] na região Nordeste do Brasil, Moacir Palmeira, professor do PPGS/MN/UFRJ, identificou o crescimento das expectativas criadas com a “abertura política” e as possibilidades de participação de diferentes grupos sociais nos processos eleitorais, nomeadamente ao acompanhar as discussões efetuadas no âmbito do movimento sindical de trabalhadores na agricultura sobre o lançamento de candidaturas de sindicalistas a deputados constituintes em 1986. A percepção de uma dissociação entre mobilização sindical e manifestações político-eleitorais (havia um certo paradoxo no fato de que militantes sindicais votaram em candidatos de elites conservadoras) resultou na elaboração, em 1988, do projeto de pesquisa “Concepções de Política e Ação Sindical”, coordenado em conjunto com Beatriz Heredia, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ), cujos resultados estiveram na origem da criação do NuAP.

A coordenação de um novo projeto coletivo e o interesse intelectual pela política foram dois aspectos que, nesse período, voltaram a marcar a atuação profissional de Moacir Palmeira no Museu Nacional. No final dos anos 60, ao ingressar no recém criado programa de mestrado em antropologia (Garcia Jr. 2009 2023), coube a ele coordenar as pesquisas de campo realizadas por pós-graduandos na região Nordeste do Brasil no âmbito do projeto “Estudo Comparado do Desenvolvimento Regional”, dirigido por Roberto Cardoso de Oliveira e David Maybury-Lewis. Poucos anos depois, num quadro de dificuldade financeira que ameaçava a continuidade do PPGAS/MN, os resultados das pesquisas realizadas no Nordeste foram retomados na elaboração do projeto “Emprego e Mudança socioeconômica no Nordeste” (1975-1977), financiado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Coordenado por Moacir Palmeira, o projeto favoreceu a institucionalização do programa, a produção de dissertações e teses e a consolidação da área de pesquisa sobre plantation e campesinato (Garcia Júnior 2009, Leite Lopes 2013, Palmeira 2009/2012). Quanto à preocupação com a política como tema de investigação, ela está registrada no primeiro trabalho publicado por Moacir Palmeira, “Nordeste : Violência e Política no Século XX” (1966), e em depoimentos nos quais destaca a surpresa que o grupo de pesquisadores teve ao iniciar as pesquisas no Nordeste em 1969, quando se depararam, no contexto de uma violenta repressão política promovida pelo governo militar, com a mobilização de sindicatos de trabalhadores em torno da luta pela aplicação de direitos trabalhistas (Palmeira 2019). As pesquisas desenvolvidas ao longo do tempo nas localidades abrangidas pelos projetos e as diferentes formas de colaboração construídas (como assessorias, cursos de formação e produção de relatórios de pesquisa) contribuíram para o aprofundamento das relações dos pesquisadores com os dirigentes e militantes sindicais. Quando retornaram aos municípios anteriormente estudados no período de redemocratização, os efeitos das eleições no cotidiano das populações chamaram a atenção de Moacir Palmeira e Beatriz Heredia, que passaram a se dedicar - através de cursos, pesquisas de campo e organização de eventos – a explorações empíricas e teóricas sobre os significados que as eleições e a política adquiriam para grupos e sociedades. A tradição do PPGAS/MN de sediar grandes projetos de investigação e a experiência de Moacir Palmeira de coordená-los foram, desse modo, novamente mobilizados na concepção do projeto inaugural do NuAP.

As condições institucionais para a elaboração do projeto “Uma antropologia da Política : Rituais, Representações e Violência” foram dadas por um novo edital para o financiamento de pesquisa no país,lançado em conjunto pelo Ministério de Ciência e Tecnologia – tendo como órgãos executores a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) – e pelo Ministério de Educação –via a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).– O Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), criado em abril de 1996, propunha fomentar o desenvolvimento de projetos por grupos de pesquisa consolidados e inovava ao garantir a continuidade de financiamento pelo período de cinco anos, mais extenso que o usual. O edital favoreceu o estreitamento de vínculos de pesquisadores de diferentes universidades brasileiras interessados na realização de investigações etnográficas sobre o fenômeno da política.

No Museu Nacional, além de Moacir Palmeira, o tema era abordado mais diretamente nas pesquisas e orientações de Antonio Carlos de Souza Lima sobre o Estado, de Marcio Goldman sobre eleições e de Federico Neiburg sobre política, família e violência em uma província argentina. Na Universidade de Brasília (UNB), Mariza Peirano se dedicava a investigações sobre Estado e documentos, bem como à orientação de dissertações e teses que versavam, por exemplo, a respeito da relação entre festas e política, a noção de honra no Congresso Nacional, a relação de moradores de periferias urbanas do Distrito Federal com políticas estatais e ações políticas do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Na Universidade Federal do Ceará (UFC), César Barreira e Irlys Alencar, em diálogo com outros colegas, tematizavam a política através de estudos sobre os fundamentos sociais do poder local, movimentos sociais, religião e política, conflitos políticos e violência, entre outros. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Odaci Luiz Coradini, doutor pelo PPGAS/MN, conduzia investigações sobre os condicionantes sociais (origem familiar, religião, profissão, educação, etc.) de candidatos a cargos eletivos. O histórico de colaborações existentes entre estes pesquisadores desdobrou-se na realização de três seminários para a avaliação dos resultados das investigações em curso - disponíveis em publicações como Palmeira (1992), Heredia e Palmeira (1995), Barreira (1992), Bezerra (2018 [1995]), Palmeira e Goldman (1996) e Barreira e Palmeira (1998) -, na preparação para o acompanhamento das eleições municipais de 1996 e, uma vez publicado o Edital Pronex, na elaboração do projeto “Uma Antropologia da Política”. Aprovado, o projeto foi coordenado por Moacir Palmeira (PPGAS/MN), José Sérgio Leite Lopes (PPGAS/MN), Mariza Peirano (UNB) e César Barreira (UFC), e incluiu um grande número de pesquisadores e estudantes destas instituições e de outras comoo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal Fluminense (UFF).

Fig. 1.
Reunião da Coordenação do NuAP, sala Castro Faria, Museu Nacional, 2013. Da esquerda para a direita : Moacir Palmeira (PPGAS/MN), Irlys Barreira (UFC), César Barreira (UFC), Mariza Peirano (UNB), John Comerford (PPGAS/MN), Graziele Dainese (Pós-doc PPGAS/MN)e José Sérgio L. Lopes (PPGAS/MN).

Com o encerramento do projeto em 2005, o Núcleo ganhou novos contornos e dinâmica através de conexões mais fluidas entre pesquisadores, reunidos em projetos mais restritos, encontros internos para discussão de resultados de pesquisas, eventos abertos a um público mais amplo e grupos de trabalho em eventos científicos e seminários. A nova configuração do NuAP, agregando novos grupos de pesquisa e pesquisadores localizados em diferentes universidades no Brasil e na América Latina, e as inovadoras investigações construídas em diálogo com as contribuições etnográficas e teóricas acumuladas pelo Núcleo, que não se limitavam estritamente à “política”, expressam a importância que estas contribuições ocupam no campo da antropologia feita no Brasil. Uma parte significativa das mesmas, algumas originadas de pesquisas para dissertações e teses, encontra-se publicada na forma de livros - especialmente, os 32 livros que integram a Coleção “Antropologia da Política” – além de artigos e cadernos, parte dos quais podem ser acessados no site do Núcleo (www.NuAP.etc.br).

Uma antropologia da política

O Núcleo teve como uma de suas principais preocupações “lançar um olhar antropológico (que não é privilégio de antropólogos) sobre instituições, relações e atividades pensadas socialmente como políticas” (Palmeira et al., 1998 ; Palmeira e Barreira 2006). Acompanhar as pessoas em atividades nas quais se envolvem ou de que se afastam quando dizem estar fazendo política não é sem consequência para a própria concepção e recorte analíticos da política. Dessa perspectiva, tratava-se de realizar um descentramento em relação à ideia de uma “antropologia política”, tal como formulada em meados do século XX, como uma sub-especialidade dentro da antropologia definida por um domínio previamente recortado pelo analista, analogamente a outras sub-especialidades como a “antropologia econômica”, “do parentesco”, etc. Desenvolver uma antropologia da política deveria permitir, acionando a etnografia e a comparação que estão no cerne da tradição antropológica, refinar a percepção das complexas maneiras pelas quais uma determinada sociedade estabelece recortes de domínios, classificações e descontinuidades significativas ; bem como descrever e analisar o que em cada contexto é delimitado como pertinente à política.

Se a antropologia política se desenvolveu em seus primórdios fora dos marcos do Estado, o NuAP propôs mobilizar o conhecimento acumulado pela disciplina para pensar a política num contexto, o brasileiro, no qual o Estado tem a pretensão de impor a representação dominante da política. A proposta estava associada, de modo geral, a dois fenômenos. O primeiro diz respeito, como mencionado acima, à redemocratização da sociedade brasileira nos anos 80. Com ela, multiplicaram-se os partidos políticos, aumentou a participação dos movimentos sociais nas questões públicas, as eleições passaram a ocorrer regularmente e a imprensa a trabalhar com liberdade. Essa nova institucionalidade política inscreveu-se no cotidiano da população e renovou o interesse de cientistas sociais, dentre eles os antropólogos, pela política. O segundo refere-se à incorporação de análises sobre o Estado, a administração pública e a política no Brasil no campo das investigações antropológicas, o que não era exatamente uma novidade na antropologia feita no Brasil : reflexões sobre as políticas migratórias, a atuação do Estado em relação às populações indígenas e os movimentos sociais, dentre outras, foram elaboradas em inúmeros estudos dos anos 60-80 (Teixeira e Souza Lima 2010). Isto se explica, em parte, pela história da formação da disciplina no país, no qual a alteridade era localizada nos marcos da própria fronteira nacional (Peirano 2006 & Pina Cabral 2004). A novidade, porém, residiu no fato da perspectiva antropológica ser estendid, para áreas, como as eleições, os movimentos sociais ou instituições políticas, tradicionalmente associadas à Ciência Política e à Sociologia. No caso das investigações efetuadas no âmbito do NuAP - que elegeu o estudo dos rituais da política, de representações da política e da violência na política como dimensões-chave de uma antropologia da política - isto se fez através sobretudo de um questionamento da concepção e delimitação das fronteiras das atividades políticas presentes tanto nestas disciplinas quanto na própria antropologia política clássica.

Questões e dimensões da política

Para apresentar alguns dos resultados desse esforço coletivo de ir além das definições modelares e de “interrogar a política que é feita, que as pessoas dizem fazer, ou identificam como sendo feita por outros” (Palmeira & Barreira 2006 : 9), retomamos algumas das questões e contribuições das pesquisas publicadas sobretudo na Coleção Antropologia da Política a partir de alguns eixos ou focos de estudo. Um bom modo de mapearmos o amplo escopo temático dos trabalhos do NuAP, de modo a vislumbramos a sua extensa influência na produção antropológica no Brasil, é justamente partirmos da materialidade dos textos dessa coleção.

Eleições

Os processos de democratização dos países latino-americanos nos anos 90 foram acompanhados da reorganização de seus sistemas políticos, partidários e eleitorais. A preocupação com o fortalecimento das instituições democráticas impulsionou a produção de uma ampla literatura na área da ciência política sobre sistemas de governo, legislação eleitoral, partidos políticos, comportamento eleitoral, representação política e a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo, entre outros temas. Nesse momento, ao eleger as eleições como um de seus focos de interesse, as pesquisas realizadas no NuAP afastaram-se das abordagens institucionalistas mobilizadas pelos cientistas políticos e privilegiaram perspectivas analíticas que permitiram apreender os fatos tidos como políticos na configuração de relações – comunitárias, familiares, religiosas, festivas etc. - de que o cotidiano dos grupos sociais era feito. A interrogação sobre o significado do voto permitiu, por exemplo, identificar a associação efetuada por diferentes grupos sociais entre política e eleições. Tendo essa associação adquirido o estatuto de algo natural no contexto das democracias modernas, os trabalhos mostraram como ela é socialmente construída e adquire significados variados para os grupos sociais.

Fig. 2.
Eleições, município de Vieiras, estado de Minas Gerais, 2012.

Formulações nesta direção foram realizadas por Moacir Palmeira e Beatriz Heredia a partir de investigações iniciadas em meados dos anos 80 junto a grupos camponeses das regiões Sul e Nordeste do Brasil sobre a relação entre política e eleições (Palmeira 1992 ; Heredia & Palmeira 1995 ; Palmeira & Heredia 2010). Ao acompanharem processos eleitorais, os autores observaram que estes partilham uma concepção específica de política. A exploração analítica da expressão nativa “tempo da política”, utilizada em termos amplos para designar o período eleitoral, revelou que ela remete a uma percepção e um recorte particulares da política. Esta é pensada pelas pessoas dos municípios em que foram feitas as pesquisasnão como uma atividade ou esfera da vida social, mas como um recorte no tempo. Um tempo em queprevalece um reordenamento da vida, em que as divisões sociais - como aquelas manifestas nas facções políticas - tornam-se explícitas, em que conflitos se desenrolam de modo autorizado e indivíduos, famílias e outras unidades sociais reafirmam ou redefinem seu posicionamento no interior de suas coletividades. Os conflitos ganham várias formas – evitação de contatos, demarcação de espaços de circulação, atos de agressão física – e não se restringem aos limites das facções rivais, podendo se introduzir nas famílias e envolver os candidatos da mesma facção. Este último aspecto foi examinado por Heredia (2006), ao demonstrar que as disputas mais acirradas ocorrem entre os “iguais” : candidatos do mesmo partido, que concorrem aos mesmos cargos, possuem bases sociais semelhantes e trabalham em territórios próximos.

Neste contexto de disputas marcadas por divisões faccionais, constatou-se que o voto adquire um significado particular (Palmeira 1992, Palmeira e Heredia 2010). Ele não expressa uma escolha individual, mas a adesão de um indivíduo, família ou outra unidade social a uma facção ou um dos lados em que a sociedade se divide. A adesão sustenta-se, por sua vez, em lealdades (familiares, de voto, etc.) estabelecidas através de compromissos pessoais que podem anteceder e perdurar para além do período eleitoral. A disputa eleitoral transforma-se, portanto, em uma luta por adesões, ou seja, por votos.

Durante o “tempo da política”, um conjunto de novas atividades percebidas como propriamente políticas – instalação de comitês, distribuição de panfletos, fixação de cartazes, visitas de políticos aos bairros, reuniões, passeatas etc. - passam a fazer parte do novo (mas temporalmente circunscrito) cotidiano das populações. A análise dessas atividades a partir do diálogo com as teorias sobre rituais foi uma das possibilidades exploradas em vários trabalhos. Os comícios têm aí um lugar central e foram entendidos como uma forma de objetivação das lutas faccionais (Heredia & Palmeira 1995). Por meio deles, as facções mostram-se publicamente e demonstramsua força em relação às facções rivais, o que explica em grande medida o investimento social em sua realização. A importância dos comícios neste contexto contrasta com a centralidade que ocupam as “festas políticas”. Ao acompanhar uma eleição presidencial, Christine Chaves (2003) deparou-se, em seu estudo do município do estado de Minas Gerais, com o fato de que a política se faz com festa. Sua análise chamou a atenção, desse modo, para a continuidade existente entre valores presentes na política e as práticas e valores que pautam formas de sociabilidade no Brasil. Os ritos e símbolos de campanhas eleitorais (municipais e nacionais) receberam também a atenção de Irlys Barreira (1998). Como em trabalhos já mencionados, a política, aqui concebida como ação simbólica, não foi analisada como um campo autônomo, mas em suas articulações com as práticas e crenças mais amplas. As campanhas eleitorais observadas no estado nordestino do Ceará foram tratadas como ritos de representação política nas quais se pôde observar o modo como são construídas as candidaturas, os símbolos e valores relativos à política. Elas revelam os atributos de um candidato tidos como positivos ou o modo como uma sociedade concebe as hierarquias sociais e as transferências de responsabilidades. Outra dimensão das campanhas, a mobilização dos sentimentos, foi associada às estratégias dos candidatos de apropriação e difusão de valores e à construção de seus perfis (Barreira 2006).

Os recursos sociais mobilizados por candidatos na construção, legitimação e apresentação de suas candidaturas foi a questão central examinada pelas pesquisas de Odaci Coradini (2001, 2006). Interessado em compreender como diferentes inserções sociais são convertidas em trunfos eleitorais, o autor analisou os princípios de legitimação da ocupação de cargos políticos ou da pretensão de os ocupar. Estas foram questões exploradas também por outras investigações. A construção e a simbologia de candidaturas de mulherese de candidatos originados do ativismo político em associações de bairro foram foco de atenção de I. Barreira (1998). A relação entre religiosidade e política, por sua vez, foi examinada por Julia Miranda (1999), que demonstrou como as concepções de política e religião em jogo em campanhas eleitorais de candidatos da Renovação Carismática Católica em 1994 e 1996 no estado do Ceará são articuladas à doutrina carismática e às formas de sociabilidade do grupo. A relação entre o modo como os candidatos justificam suas candidaturas e a forma como isto se expressa no tipo de votação obtida por eles foi analisada por Karina Kuschnir (2000) a partir de material sobre a campanha eleitoral de vereadores na cidade do Rio de Janeiro. Definido em termos culturais, o voto foi examinado como uma rede de significados que dá sentido à existência de grupos sociais. Segundo a autora, o voto inscreve-se num circuito de trocas entre candidatos e eleitores, desse modo, as “estratégias comunitária/assistencialista e ideológica/política”, expressas nos tipos de votação, “refletem tipos de trocas distintas propostas pelo candidato ao eleitorado” (Kuschnir 2000 : 31).

Um elemento importante quando se considera o modo como candidatos constroem suas candidaturas é o aparecimento e o reconhecimento pelos agentes políticos da importância do marketing político. Os “marketeiros” se apresentam como especialistas e detentores de novos saberes sobre a política. Referida ao caso brasileiro, Gabriela Scotto (2004) se interrogou sobre os agentes, as práticas e concepções que definem este campo de atividade e constatou que este é um espaço social com definições pouco precisas e contornos incertos. Do ponto de vista dos profissionais que atuam na área, as eleições são concebidas como relações de mercado e parte de seu poder social reside na crença, por eles difundida, de que através de pesquisas de opinião “é possível conhecer (e satisfazer) os anseios do cidadão – eleitor - consumidor” (Scotto 2004 : 187).

Uma dimensão constitutiva das disputas eleitorais é a denúncia de irregularidades na obtenção de votos. Acusações de “compra de votos”, distribuição de serviços e favores e outras práticas passíveis de serem enquadradas legalmente na definição de corrupção eleitoral são frequentes. As denúncias de corrupção eleitoral evidenciam em certas situações o confronto entre concepções conflitantes do Estado e de segmentos da população a respeito das boas relações e práticas políticas. Ao examinar casos de fraude e corrupção eleitoral, César Barreira (2006) observou que nas denúncias está em jogo a imposição de uma noção específica da boa política. Assim, se do ponto de vista oficial as práticas passíveis de denúncia legal contaminam a boa política, do ponto de vista das populações elas podem constituir uma dimensão legítima da relação entre políticos e eleitores, ou seja, um aspecto central do trabalho de representação política. Ocupando um lugar central no debate público no Brasil, o tema da corrupção recebeu a atenção também deMarcos Otavio Bezerra (2018 [1995], 1999) e Jorge Villela e Ana Cláudia Marques (2002).

As disputas eleitorais envolvem ganhadores e perdedores e as explicações apresentadas para as derrotas são um elemento da atividade política. Estas explicações foram objeto de análise de Márcio Goldman e Ana Cláudia Silva (1999) que se concentraram no caso da candidatura de um vereador de um município do estado do Rio de Janeiro. Os autores analisaram as retóricas que, antes das eleições, dão a vitória como certa e, após, explicam a derrota. A atenção a este aspecto do processo eleitoral envolve cálculos e estratégias mobilizadas pelos eleitores, uma vez que suas escolhas se inscrevem numa multiplicidade de interesses e valores. A análise de “representações nativas” da política seguiu sendo explorada por Goldman em pesquisas realizadas sobre a relação de um movimento afro-cultural no município de Ilhéus, no estado nordestino da Bahia, com a política. Ao defender que os estudos antropológicos da política priorizem as “práticas”, “funcionamentos” e “subjetividades”, o autor propôs circunscrever a partir daí “teorias políticas” a serem levadas a sério e com as quais se deve dialogar – e argumentou, por conseguinte, em favor de uma “teoria etnográfica da política ou da democracia” (Goldman 2006a : 28, 2006b : 207).

Esse conjunto de análises permitiu perceber que o processo eleitoral mobiliza múltiplas dimensões do cotidiano - relações pessoais, familiares, religiosas, morais, etc. - que não são devidamente compreendidas por abordagens institucionalistas e substantivistas da políticae que tendem, entre outros aspectos, a reduzir as eleições simplesmente à questão da escolha individual de representantes para os postos eletivos ou aos debates em torno das ideologias políticas.

Estado e profissionais da política

Fora do “tempo da política”, a política é associada mais diretamente à atuação de especialistas e instituições assim percebidas : partidos, políticos profissionais e órgãos governamentais, entre outras. A análise da atuação destes especialistas e instituições constituiu outro eixo explorado pelas pesquisas.

A relação político-eleitor, apesar de menos visível, ganha novos contornos com o fim do período eleitoral. Modos como se estabelecem a continuidade desses laços foramespecialmente observados a partir dos gabinetes de trabalho dos eleitos : como as trocas de correspondências, meio de manutenção da relação (Heredia 2010), o trabalho de “assistência” aos eleitores ou de mediação política e cultural realizado pelos políticos (Kuschnir 2000).

As relações entre políticos em posições nacionais e locais foi outro aspecto explorado através da análise da atuação de parlamentares no Congresso Nacional para a destinação de recursos do orçamento público federal para suas “bases eleitorais”. Além da União, a República Federativa do Brasil é formada pelo Distrito Federal, 26 estados e 5570 municípios. Como senadores e deputados são eleitos pelos estados que concorrem, é para eles que, preferencialmente, orientam seus mandatos. A análise da centralidade que ocupa a “luta” por recursos federais na atuação parlamentar e na estruturação das relações entre os agentes políticos, observada a partir de pesquisas realizadas em instituições nacionais e em municípios, permitiu identificar como esta prática está associada a uma concepção sobre o trabalho de representação política e conforma uma espécie de doutrina sobre a ação política legítima (Bezerra 1999, 2006).

Fig. 3.
Congresso Nacional, Brasília (DF), em dia de manifestação pública, 2017.

O tema das condutas legítimas de representantes no Congresso Nacional foi também explorado em um estudo sobre os processos de cassação de mandatos, abertos a partir do dispositivo legal do decoro parlamentar. A análise dos argumentos e decisões relativas à cassação e absolvição de parlamentares que passaram por processos de julgamento permitiu refletir sobre a normatização do comportamento do representante, o que se dá através da definição de ações que são consideradas impróprias à categoria, e a dignidade ou honra do comportamento do parlamentar, o que revelou, sobretudo, o lugar que a noção de honra tem ocupado na conduta política (Teixeira 1998).

A contribuição do Congresso Nacional na discussão de “questões nacionais” é, por sua vez, objeto de atenção a partir do acompanhamento de audiências públicas da Comissão Mista de Combate à Pobreza. O exame dos debates realizados nos anos 90 por essa Comissão revelou um processo de naturalização e despolitização da pobreza. Isso se torna possível através de um discurso econômico sustentado, sobretudo, na chamada “focalização numérica”, em detrimento de avaliações políticas que colocariam em jogo a definição, por parte de políticos, de quais devem ser os sujeitos passíveis das ações públicas (Sprandel 2004).

O Estado, bem como a administração e as políticas públicas foram explorados em pesquisas que dão atenção aos processos de definição e redefinição dos próprios limites do Estado ; ao modo como este se inscreve no cotidiano das populações e é percebido ; às ações de Estado e seu significado para o ordenamento das relações sociais ; e à forma como as classificações e práticas estatais produzem novos sujeitos e realidades, entre outros aspectos (Souza Lima 2002). Estas oferecem contribuições para a compreensão do processo, sempre em curso, da formação do Estado no Brasil, e dos saberes e práticas administrativas através das quais se institui cotidianamente a dominação, conforme formulado por Max Weber, e se exercem formas específicas de poder, tal como formulado por Foucault – eixos analíticos sumarizados nos termos “gestar” e “gerir”(Souza Lima 2002). Tais pesquisas se articulam a um amplo programa de investigação coletivo sobre o exercício de poder de Estado que teve como ponto de partida os trabalhos de Souza Lima sobre a política indigenista do Estado brasileiro e o que ele chamou de poder tutelar (Souza Lima 1995).

É conhecida a importância da escrita e da produção de documentos oficiais na formação dos Estados nacionais e no exercício do controle sobre a população. O mesmo não se pode dizer, porém, do significado de documentos legais reconhecidos pelo Estado como meio de identificação das pessoas para fins administrativos (como a carteira de identidade ou de trabalho). Estudos sobre eventos que envolvem o controle e uso destes documentos revelaram como noções como Estado, nação, democracia e cidadania se inscrevem no cotidiano das pessoas (Peirano 2006). Mas o significado do Estado para populações de bairros periféricos da capital federal também foi objeto de atenção em estudo sobre programas governamentais de concessão de lotes de terra para moradia. A expressão “tempo de Brasília”, presente nas mentes e práticas dos moradores, é um signo dessa presença e remete a um dos critérios operantes em diferentes fórmulas elaboradas e reelaboradas pela burocracia governamental com o objetivo de selecionar os candidatos aptos a acessarem os serviços do Estado (Borges 2003). A questão da implementação de uma política pública foi também objeto de atenção de César Barreira (2004). No período de 1987 a 2002, o tema da segurança pública no estado do Ceará é convertido – como no caso da pobreza (Sprandel 2004), do meio ambiente (Leite Lopes et al. 2004) ou da violação dos direitos humanos no campo (Chaves 2004) – em uma questão pública. A atenção dada pelos pesquisadores às medidas de integração das ações de segurança e às relações com a comunidade permitem refletir sobre as resistências das camadas superiores da hierarquia de segurança às novas diretrizes, sobre as articulações e tensões entre as polícias nas delegacias distritais, ou ainda a respeito das concepções de segurança e polícia em disputa (Barreira 2004 ; Sá 2002).

A presença do Estado no cotidiano de segmentos da população através de instituições e práticas de exercício do direito foi tema abordado mais diretamente por alguns trabalhos. As dimensões legal e moral dos direitos e da cidadania foram examinadas a partir de comparações entre os casos do Brasil, EUA e Quebec (Oliveira 2002). Os casos estudados permitem colocar em confronto as manifestações de “consideração” e “desconsideração” em relação ao interlocutor e sua incidência sobre o exercício do direito no Brasil ; as exigências de igualdade do direito americano ; ou, no caso do Quebec, demandas coletivas de reconhecimento de singularidade. Os temas são uma via para a discussão sobre concepções caras às democracias modernas como igualdade, cidadania e constituição das “esferas públicas”. Outras pesquisas mostraram que a coexistência de uma concepção estatal e de um ideal local de justiça em um município do sertão do estado nordestino de Pernambuco é um elemento constitutivo das práticas de violência ali observadas (Villela 2004). Além das contribuições específicas que o trabalho ofereceu para a reflexão sobre as relações de violência, mencionadas a seguir, o autor ressaltou que a justiça estatal integra a rotina dessa população e é a partir de seu confronto com as práticas de justiça local que são produzidos atos de clandestinidade e criminalização.

A coexistência e o confronto entre modelos e práticas distintas de política e de gestão pelo poder público, estimuladas pelas possibilidades previstas na Constituição de 1988, foram temas também abordados por diversos estudos.Em oposição aos modos cristalizados de fazer política e aos agentes políticos estabelecidos, observa-se a presença de novas forças sociais associadas à promoção de novas práticas de governo, como aquelas reunidas sob a rubrica de participação popular. Dentre estas, destacam-se as experiências de orçamento participativo, que adquiriram notoriedade internacional, as diferentes modalidades de conselhos nacionais, estaduais e municipais (constituídos de representantes da administração pública e organizações civis) e as chamadas audiências públicas. Como mostraram pesquisas realizadas sobre essas situações, experiências de participação popular podem estar na origem da ruptura de esquemas tradicionais de exercício do poder, novas concepções e modos de atuação política, de novos agentes com aspirações políticas ; e complexificar, sem desarticular completamente, as relações de dominação estabelecidas (Leite Lopes et al. 2004, Bezerra 2007, Heredia et al. 2012).

Os trabalhos aqui referidos consideram o Estado, seja como questão central de investigação e teorização no âmbito da produção de uma antropologia do Estado (Souza Lima 2002), seja como dimensão de outros fenômenos examinados. Entre outros aspectos, eles reúnem contribuições a respeito da especificidade de poder que exerce sobre grupos sociais, do significado que adquire no cotidiano das pessoas e dos processos através dos quais é possível observar a contínua redefinição daquilo que se considera como pertencendo ou não ao Estado.

Movimentos Sociais

Os movimentos sociais, as organizações representativas de diferentes segmentos populares e as formas de mobilização coletiva, fundamentais no processo de redemocratização no Brasil, foram examinados por antropólogos do NuAP através de referências a sindicatos, associações de moradores de bairros populares, comunidades de base, diversos movimentos, etc., o que permitiu revelar diversos formatos institucionais e repertórios de formas de ação coletiva presentes no cenário político brasileiro contemporâneo.

O diálogo com a abordagem antropológica clássica dos rituais é evidente no estudo de Christine Chaves (2000). A análise de uma grande mobilização nacional como a Marcha dos Sem Terra rumo a Brasília permitiu destacar os repertórios rituais acionados e as mediações da cosmologia religiosa cristã na sua conformação. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), surgido nos anos oitenta, tornou-se no contexto da redemocratização o maior movimento de luta pela reforma agrária ; e a marcha nacional etnografada por Chaves foi realizada em 1997, quando se completava um ano do assassinato de um grupo de semterra pela polícia militar do Pará. Ao final, cerca de 100 mil pessoas se reuniram em Brasília para receber 1300 militantes do MST que fizeram uma caminhada de 1000 km, partindo de três pontos distintos do país. Para além do seu significado como evento de natureza político-reivindicativa, a Marcha foi finamente examinada como fenômeno total, no qual o que está em jogo é a “fabricação do social”, na relação necessária entre atos e representações, situados sempre no contexto de objetivos pragmáticos de diversas ordens, entre os quais a afirmação política do Movimento Sem Terra e de suas bandeiras de luta.

Fig. 4.
Marcha Nacional do Movimento de Trabalhadores Sem Terra, 1997.

Já nos trabalhos de John Comerford (1999, 2002, 2003), a análise das formas mais cotidianas de organização e mobilização, nomeadamente em associações e sindicatos, procurou circunscrever movimentos e organizações camponeses a partir da etnografia das modalidades de sociação que os atravessam e compõem. Dessa forma, são desnaturalizados procedimentos como reuniões, cursos de formação, atendimento aos sócios, discursos das lideranças, dando importância ao “informal”, à brincadeira, à hospitalidade, às provocações, à comensalidade, aos gêneros de fala postos em uso, às modalidades de “familiarização” e “desfamiliarização”. O trabalho de Leite Lopes et al. (2004, 2006), por sua vez, mostrou exemplarmente a indissociabilidade entre os processos de mobilização e a construção de representações sociais, ao analisar a produção de uma nova questão social ou pública - o “meio-ambiente” – que, a seu modo, transforma a linguagem, os argumentos e a dinâmica dos conflitos sociais nas áreas industriais estudadas. A análise desenvolvida permite pensar em processos de ambientalização como uma foma de produção de novas representações dos conflitos sociais por meio de determinadas práticas de um amplo leque de agentes, das lideranças de associações de bairro aos profissionais de diferentes especialidades, políticos e militantes ambientalistas.

Ao assumir uma abordagem etnográfica na análise de movimentos e formas de mobilização, as pesquisas mencionadas colocaram em reserva as definições oficiais, normativas ou modelares, sejam elas jurídicas, militantes ou acadêmicas, para retomá-las em seguida, mas de modo a circunscrever seu lugar, funcionamento e validade – e apenas depois de investigar em campo o fazer-se cotidiano de tais movimentos, bem como os modos pelos quais são concebidas as suas relações com a política. Tratava-se de descrever : os agentes concretos e suas modalidades de envolvimento e interação ; as múltiplas expectativas, definições e percepções a respeito dos movimentos e organizações que são postas em jogo em processos efetivos de mobilização ; as delimitações nem sempre coincidentes e sempre em transformação entre aquilo que é tido como pertinente à esfera de ação de dado movimento ou entidade e aquilo que lhe é tido como estranho ou distinto.

Fig. 5.
Reunião do Projeto Memórias dos Povos do Campo no Paraná, município de Pinhão (PR), 2012.

Violência

O tema da violência perpassou vários dos trabalhos do NuAP. Em alguns deles, a violência assume um lugar central e constitui foco de análise estratégico, inclusive para a compreensão renovada de dimensões geralmente pensadas em oposição ou em distinção à violência, como a família, a comunidade, a feminilidade, ou a atuação das agências encarregadas da ordem pública. Assim, nos livros de Cláudia Marques (2002) e de Jorge Villela (2004), ambos feitos a partir de pesquisas no sertão de Pernambuco, violência, família, parentesco, política e gestão do Estado aparecem entretecidas, ainda que não indistintas aos olhos dos seus interlocutores. Cláudia Marques destaca como as relações entre coletivos concebidos como da ordem do parentesco, mas cujos limites não têm uma relação unívoca com a genealogia, são tensamente construídos em uma dinâmica que pode ser descrita e analisada a partir de uma recuperação dos sentidos nativos dos termos “intrigas” e “questões”. Esses termos apontam para diferentes estados de expressão pública de tensões, em que a violência aberta é um dos marcadores em jogo. Com base em pesquisa no estado de Minas Gerais, também Comerford (2003) procedeu a uma análise das narrativas de episódios de conflito violento entre próximos (parentes, vizinhos, amigos, conhecidos) e da própria “sociabilidade agonística” do cotidiano. Essa análise é entendida como central para a compreensão da dinâmica das relações de família, parentesco e vizinhança (pensada em termos da interconexão entre família, localidade e reputação). É igualmente fulcral para apreendero processo de construção de Comunidades Eclesiais de Base e Sindicatos de Trabalhadores Rurais.

Os trabalhos de Rosemary de Almeida (2001, 2006) analisaram os assassinatos cometidos por mulheres no Ceará como casos extremos que colocam questões vitais em relação às concepções de gênero. A violência das mulheres tende a ser vista como passional e referida ao mundo doméstico, mas a pesquisa de Almeida mostrou um quadro mais complexo de motivações e relações, inclusive referidas às inimizades e disputas públicas, podendo assumir uma dimensão de busca de autonomia. Já outras pesquisas etnografaram universos sociais em que a violência tem um lugar definidor e é reconhecida por diferentes caminhos como um “problema social”. O livro de Geovani Freitas (2003) abordou a violência perpetrada sobre os trabalhadores por grandes proprietários de terra e agentes a eles ligados na região canavieira de Alagoas, bem como as formas, muitas vezes sutis, astuciosas e dissimuladas, de resistência a essa violência, na estruturação das relações sociais nessa região. César Barreira (1998) colocou o leitor em contato com aqueles que são tidos como responsáveis por atos violentos e frequentam as páginas da imprensa e do imaginário social ; porém, o fez analisando o mundo mais amplo em que surgem tais agentes, incluindo tanto os “mandantes” como os “pistoleiros”, em um complexo “sistema de pistolagem” que perpassa e sustenta a dominação dos grandes proprietários e das elites políticas.

Ao abordar a violência, os trabalhos do Núcleo procuraram afastar-se das posturas normativas e dos julgamentos morais, políticos ou jurídicos, de modo a conseguir descrever cuidadosamente atos variados de agressão, o lugar próprio que ocupam em sequências mais amplas de atos (de gestão doméstica ou pública, de linguagem, de troca, de aproximação e distanciamento, de territorialização, e assim por diante), as consequências que engendram, as maneiras pelas quais são classificados, interpretados e julgados por diferentes agentes em diferentes instâncias e circunstâncias e por meio de diferentes linguagens (narrativas orais, documentos policiais ou judiciais, histórias locais, testemunhos, narrativas de vida, cordéis, literatura, etc.). Pois se trata, no movimento de análise realizado por esses autores, de complexificar a percepção a respeito de como um amplo leque de atos – que podem ou não vir a ser (des)qualificados como violência – pode vir (ou não) a fazer parte do modo pelo qual se demarcam e se praticama política e as políticas públicas. Marques, Comerford e Chaves (2007) ressaltaram a separação entre, por um lado, o conflito como articulação conceitual que permite circunscrever modalidades de relação e, por outro, a violência como noção que geralmente funciona como fórmula desqualificadora que marca, em termos “nativos”, uma diferença com relação às modalidades de troca agressiva ou agonística tidas como legítimas. É essa separação que, segundo eles, permite sofisticar a análise dos mecanismos internamente tensionados de constituição de comunidades morais ou coletivos mais ou menos cristalizados, bem como o lugar da política em relação a tais processos.

Família e parentesco

A família e o parentesco não eram focos temáticos especialmente elaborados no projeto inicial do NuAP. Em que pese as formulações de senso comum ou analíticas, inclusive trabalhos tidos como clássicos, a respeito da sobreposição, no Brasil, entre família e política, ou família e poder, não havia sido essa a trilha inicialmente privilegiada para a abordagem etnográfica da política. O tema, porém, acabou se fazendo presente em grande parte dos trabalhos, e em algumas pesquisas tornou-se central. Elas exploraram uma série de temáticas, tais como : os vários significados das brigas de família e sua articulação com a política, mais especificamente, a estreita teia de relações familiares, políticas e de lealdade pessoal, inclusive em suas expressões mais violentas, no sertão de Pernambuco e no Ceará (Marques 2002 ; Barreira 2004 ; Vilella 2004) ; os sentidos públicos e sociais assumidos pelas relações de intimidade em uma família provincial na Argentina (Neiburg 2006) ; a centralidade de modelos familiares na organização de relações orientadas por nexos prioritariamente políticos, como os sem-terra em marcha (Chaves 2000) ou os sindicatos de trabalhadores rurais (Comerford 2003) ; a gestão da política, no “tempo da política”, por uma comunidade fortemente definida em termos parentais, de forma a exprimir a exterioridade daquela frente a seu cotidiano (Heredia 1996) ; ou ainda a pertinência do vínculo parental entre eleitores e destes com os candidatos, na hora de votar e distribuir votos na família (Palmeira & Heredia 2010).

Desse modo, acabou-se por problematizar, do ponto de vista etnográfico, as formulações acadêmicas, jurídicas e militantes que circunscrevem e advogam um lugar apropriado para a família e o parentesco em relação à política. São bem conhecidas as análises sobre política local que apontam no sentido de uma concepção da política como projeção da família patriarcal e das lutas interfamiliares. Na literatura sociológica brasileira clássica, as famílias têm limites dados a priori, referidos em geral a um nome. Lutas entre famílias supostamente reforçam a solidariedade intrafamiliar. Nessa literatura, encontramos uma espécie de nó cego, que diz respeito à forma como hostilidade e aliança se articulam entre famílias. Algumas das pesquisas publicadas pela coleção abriramperspectivas para o tratamento dessa questão. Trabalhos etnográficos como os de Marques (2002), Comerford (2003), Villela (2004) indicaram que as definições do que é interno ou externo são objeto de redefinição permanente ; e que essa redefinição de fronteiras é uma questão central nas situações estudadas, não podendo ser tomadas como dadas nem, por isso mesmo, como definidoras a priori de formas de solidariedade ou hostilidade.

Foi muitas vezes nos espaços supostamente mais “domésticos” e ao se enredarem em relações supostamente mais “familiares”, “privadas” ou “íntimas”, que os pesquisadores chegaram a perceber e analisar algumas das dimensões mais cruciais dos alinhamentos políticos, por exemplo : dos cálculos eleitorais, das fissões e segmentações públicas, dos processos de mobilização e organização de instituições de representação de classe ou de mobilização político-religiosa (e seus limites), das maneiras de gerir territórios e movimentações, do debate público “informal” (mas com as suas próprias formalidades), das relações com as agências e funcionários do Estado. Isso só foi possível, por um lado, pelo distanciamento dos recortes mais formalistas e essencialistas dos fenômenos tidos como políticos e, por outro, através das disposições dos pesquisadores para apreender a política nas práticas, espaços e atividades assim reconhecidas pelos próprios agentes e grupos sociais.

Nos universos sociais investigados, família e política são em muitas circunstâncias concebidos como separados e essa separação é (ou é tida como devendo ser) mantida com grandes cuidados. Se na política há o risco muito presente de rupturas na família, isso pode levar, por exemplo, a cuidados para evitar o tema nos encontros familiares, ou então evitar durante o “tempo da política” os encontros entre familiares que politicamente se opõem (Palmeira & Heredia 2010). Ao mesmo tempo, opositores na política podem manter canais de aproximação e comunicação por meio do acionamento de relações diretas ou indiretas de parentesco. Essa complexa inter-relação entre família e política fez com que, ao investigar eleições, ou a organização de entidades representativas, ou ainda as relações com agências do Estado, os pesquisadores tenham se defrontado de diferentes maneiras com concepções relativas a sangue e raça, gênero e idade, casa e domesticidade, bem como com diferentes práticas de elaboração de genealogias, de gestão das memórias familiares, de transmissão e aprendizado de práticas tidas como políticas ou sindicais, de corresponsabilidade e mutualidade. Assim, os estudos sobre facções e redes políticas, ou ainda partidos, sindicatos, e movimentos, e a formação e atuação dessas entidades em processos sociais concretos, sugeriram a possibilidade de repensar a dinâmica de formação das famílias, e consequentemente as próprias maneiras de definir a família como objeto de estudo e de perceber os sentidos atribuídos a essa entidade.

Fig. 6.
Festa de Folia de São Sebastião, Comunidade Quilombola Família Magalhães, estado de Goiás, 2013.

Relações pessoais

O uso de categorias originariamente referidas ao domínio da família é um mecanismo básico de estabelecimento de relações personalizadas nos mais variados contextos. Porém, diferentemente do que ocorre com o tema da família, que tem atraído o interesse de gerações de cientistas sociais, as relações pessoais constituem mais um rótulo no qual cabem relações distintas (familiares, de compadrio, amizade, vizinhança, patronagem, lealdade, etc.) do que um tema com um estatuto sociológico próprio. A ideia de que essas relações darão lugar a novos padrões de relações do tipo racional e impessoal – associados à burocracia, ao mercado e à democracia – é também objeto de certo consenso. Pressupostos como estes têm impedido de se pensar nestas relações como elementos constitutivos das sociedades contemporâneas, mesmo no âmbito da antropologia quando se formula o tema das “sociedades complexas”, tal como assinalado por Goldman (1999). Nas pesquisas do NuAP, o exame das relações pessoais na política procurou ultrapassar as interpretações mais correntes nas ciências sociais brasileiras, que as associavam a sobrevivências de formas de organização no mundo rural ou modos de exercício de poder local. A atenção aos princípios ordenadores e morais das relações englobadas pela noção de relações pessoais permitiu que fossem apreendidos os aspectos específicos das diferentes relações assim designadas, sem cair nas análises mais normativas presentes nas discussões preocupadas em apontar os males da política brasileira e Latino Americana e atualizadas em análises acadêmicas, na literatura, na imprensa e nas discussões jurídicassobre clientelismo, patronagem, coronelismo – fenômeno que conheceu seu auge na Primeira República (1889-1930) e designa o poder econômico, social e político que se estrutura em torno de grande proprietários de terras conhecidos como coronéis –, favorecimento, nepotismo e corrupção. O diálogo em torno dessas questões com colegas da Argentina, alguns deles inclusive tendo realizado sua formação no PPGAS/Museu Nacional, permitiu traçar vários paralelos e avançar em frentes de pesquisa correspondentes (Boivin, Rosato & Balbi 1998 ; Rosato & Balbi 2003 ; Balbi 2007 ; Quirós 2006, 2011). Esses intercâmbios intelectuais se revelaram pertinentes, considerando o modo como as relações pessoais apareciam nas descrições etnográficas realizadas sobre as práticas políticas na Argentina e o uso normativo de conceitos como o de clientelismo para explicá-las..

Na política, temos um domínio definido formalmente com base na impessoalidade das relações e na universalidade dos direitos políticos, bem como em processos de representação coerentes, com parâmetros universalistas, impessoais e individualistas. Porém, a análise das concepções e práticas efetivamente acionadas no fazer político mostrou que a política é (vista como) feita de relações pessoais, e “fazer política” é em grande medida construir e gerir relações personalizadas (Palmeira e Heredia 2010, Bezerra 1999, Chaves 2003, Marques 2004, Teixeira 1998). E também aqui, colocando em questão dualidades consagradas para pensar a vida política no Brasil – como as oposições entre “política nacional” e “política local” ou “macro” e “micro” política –, a observação do funcionamento da política nos planos e instituições nacionais e locais mostrou que ela é recortada por princípios e concepções semelhantes. Por outro lado, apesar da política ser vista inequivocamente, nos termos dos universos sociais investigados, como lugar da divisão e do conflito, as análises sobre os processos políticos mostram que nesse domínio há um permanente esforço de construção de harmonia, solidariedade e coesão, em uma espécie de contraponto ao viés agonístico da definição de política.

As pesquisas no âmbito do NuAP contribuíram para a complexificação das análises relativas à associação entre política e relações pessoais ao explorar categorias como “lealdade”, “traição”, “devoção”, “compromissos”, “favores”, “gratidão”, “ajuda”, “troca”, “graça”, “pedido” e “apoios”. Por um lado, enfocar tais categorias significa buscar apreender conceitualmente universos de valores entretecidos, ou, em outros termos, visões de mundo, éticas, noções de “pessoa” (Goldman 1999 ; Chaves 2003) ou noções de mediação (Menezes 2004 ; Kuschnir 2000), de modo a escapar de abordagens que reduzem tais valores a obstáculos, resíduos, inconsistências ou dimensões intersticiais (Goldman 1999). As considerações sobre família feitas mais acima, ao enfatizar as fronteiras pouco rígidas, a circulação dos membros, o fazer-se e desfazer-se situacional, se aplicam em grande medida a fenômenos relativos às relações entre os políticos. Noções como redes, facção ou segmentaridade, utilizadas como alternativas a noções clássicas de partidos políticos, que se mostravam pouco eficientes para a explicação dos fenômenos observados, foram exploradas por diferentes pesquisadores vinculados ao NuAP. Trata-se de apreender conceitualmente esses alinhamentos e aproximações politicamente significativos que não chegam a configurar agrupamentos permanentes e claramente delimitados, e que dependem em alguma medida do estabelecimento de relações pessoais. Esse fazer-se e desfazer-se situacional dos agrupamentos políticos pode ser observado, por exemplo, nas relações estabelecidas entre representantes políticos que ocupam cargos nos planos políticos municipal, estadual e federal, analisados por Bezerra (1999). Ou ainda na dinâmica da política municipal que atravessa a própria vida doméstica dos políticos, tal como descrita por Laguens (2014) ao examinar um município no qual a casa de um importante líder político funciona e é reconhecida como o centro da vida política, ao invés dos prédios designados para os Poderes Executivo e Legislativo municipais. Dinâmicas em certa medida comparáveis a essa também foram assinaladas por Menezes (2004) no seu trabalho sobre a relação entre os devotos e os santos, parte de sua minuciosa etnografia de um convento no Rio de Janeiro, complexificando e problematizando a aproximação feita por antropólogos do campesinato latino-americano, como George Foster, entre relações clientelistas e relações com santos, e por Borges (2003) na sua análise dos mecanismos pelos quais a população se relaciona com os políticos e os funcionários do Estado em um núcleo urbano periférico em Brasília.

Assim, diversos trabalhos realizados permitiram tanto dar maior consistência às interrogações sobre o lugar das “relações pessoais” na política, inclusive no sentido de criar vínculos de solidariedade em um universo pensado como conflitivo (Palmeira & Heredia 2010 ; Bezerra 1999), quanto avançar na análise dos modos pelos quais as relações familiares podem ser “politizadas” (no tempo da política, sobretudo – ver Palmeira e Heredia 2010,Kuschnir, 2000), fazendo com que a divisão e o conflito característicos da política tenham repercussões de grande importância na configuração das entidades concebidas como da ordem da família e do parentesco (Marques 2002 ; Villela 2004 ; Comerford 2003).

Fig. 7.
Evento Encontros do NuAP, com Afrânio Garcia e Marie-France G. Parpet. Participação do público no debate. Museu Nacional, 2017.

A “rede NuAP” e a expansão da antropologia da política

Assim, a experiência do Núcleo de Antropologia da Política, enquanto esteve centrada no projeto que deu origem ao grupo e coordenada pela geração dos pesquisadores que originalmente compuseram tal projeto, legou uma abordagem radicalmente etnográfica de um tema central para a sociedade brasileira contemporânea. Tal radicalidade, que o conectivo “da” pretende marcar, permitiu complexificar e descentrar substantivamente a compreensão acadêmica sobre diversas dimensões concebidas como atinentes à política, a partir do investimento na análise e compreensão das definições e perspectivas dos próprios agentes envolvidos. A diversidade e complexidade aí levantada levaram a uma composição de interesses de pesquisa bem ampla ; a partir da “entrada” etnográfica pela via da política, essa composição não cessou de crescer e de retrabalhar temas tradicionalmente debatidos nas ciências sociais brasileiras – como família, parentesco, relações pessoais, violência, religiosidade, a luta de classes, o campesinato – bem como temas do repertório antropológico e sociológico clássico – como tempo, ritual, linguagem, formas de dominação, poder, conflito, trocas, capital, entre outros. Com isso, também ficaram abertos alguns caminhos para debater dilemas contemporâneos da política brasileira, quanto às formas e bases da democracia reconquistada depois de longa ditadura, suas possibilidades e limites, nomeadamente : as concepções de cidadania postas em jogo, ou não ; as modalidades cotidianas de presença do Estado ; as conexões entre os vários níveis da articulação estatal da grande à pequena política ; as bases para o atravessamento da política e, mais genericamente, dos conflitos sociais, por práticas de violência e de seu controle ; os canais de ascensão política e os modos de reprodução de posições e arranjos de dominação, entre muitas outras questões. Vistos já de alguma distância no tempo, o clima das pesquisas de então de algum modo reflete o clima dos tempos, tanto no pano de fundo de certo entusiasmo por descrever uma democracia renascente e as mobilizações sociais que a acompanharam, como (principalmente) nos questionamentos e problematizações, implícitos ou explícitos, em relação aos seus limites. Os tempos mudaram bastante, e os acontecimentos políticos com a ascensão da extrema direita, para além de justificarem a problematização dos limites da democracia, mostraram a urgência de, nessa situação de risco, manter a aposta numa radical atenção etnográfica à democracia brasileira, para compreender melhor seus limites e entender como seria possível reforçar suas eventuais potencialidades transformadoras e suas garantias aos espaços de lutas “na base” – elas mesmas sempre objetos de interesse por parte do NuAP. Tudo isso vem justificando, para as gerações mais novas, o trabalho de dar continuidade ao Núcleo.

Com o encerramento do projeto “Uma antropologia da política : rituais, representações e violência” em 2005, o NuAP passou a assumir nova dinâmica e forma. Na ausência de um projeto e financiamento comuns, pesquisadores vinculados ao Núcleo se articularam, em parcerias com outras instituições e redes de pesquisa, em torno de novos projetos de pesquisa que dão continuidade aos temas explorados no projeto original ou propõemnovas frentes de investigação, dinâmica que já vinha ocorrendo mesmo ainda na vigência do projeto original. No primeiro caso se insere o projeto “Expressões culturais da política ; conflitos, crenças e relações interpessoais”, coordenado por César Barreira (UFC) e desenvolvido com a participação de outros integrantes do Núcleo, tendo seus resultados sido editados por Marques (2007) e Heredia (2008). O tema da participação popular e do controle social, já explorado no âmbito da discussão sobre poluição ambiental, foi retomado em um novo projeto intitulado “Gestão Municipal e Formas de Participação Popular”, coordenado por Beatriz Heredia e Moacir Palmeira. A pesquisa foi realizada entre os anos de 2000 e 2004 nos estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e Ceará (Heredia et al., 2012). Entre 2000 e 2001, o NuAP se articulou a pesquisadores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro para realizar uma ampla pesquisa sobre os impactos de assentamentos de reforma agrária no período pós-redemocratização (Leite et al. 2004), tanto em sua dimensão econômica como social e política. Abrangendo diversas regiões marcadas pela concentração de assentamentos, elas mesmas resultantes do trabalho de mobilização de movimentos sociais, a pesquisa retomou um tema cuja centralidade política desde pelo menos os anos 1950 se manteve após o fim do regime militar. Além de integrarem a coordenação, vários pesquisadores do Núcleo participaram do projeto “Sociedade e Economia do Agronegócio : um estudo exploratório”. Entre os anos de 2007 a 2013, essa ampla pesquisa promoveu estudos sobre as dimensões econômica, social e política de algumas regiões dominadas pelo chamado “agronegócio” (Heredia, Palmeira & Leite 2010). Os resultados dessa pesquisa trouxeram, dentre outros aspectos, indicações sobre a dinâmica política e social da expansão do chamado agronegócio no Brasil, que são sugestivas inclusive como pontos de partida para entender elementos importantes da ascensão da extrema direita na política brasileira posterior a 2016.

O desenvolvimento dos projetos de pesquisa no âmbito do NuAP esteve sempre associado à formação de pesquisadores no campo da antropologia. Muitos dos novos profissionais, vinculados originalmente às instituições que compõem o Núcleo, conseguiram se inserir profissionalmente em universidades localizadas em diferentes regiões do Brasil e no exterior.Com uma bagagem comum de leituras, abordagens, questões e experiências coletivas de pesquisa, estes professores e estudantes – e os novos grupos de pesquisa que têm criado, juntamente com os demais pesquisadores do Núcleo – vêm explorando novas situações empíricas e problemas de investigação, desdobrando e complexificando temas já mencionados aqui, como parentesco, relações pessoais e movimentos sociais, e dando nova centralidade adimensões como gênero, corpo, raça, territorialidade, ecologias, subjetivações ético-políticas, articuladas de novas formas. Do mesmo modo, vêm retornando a temas que estão na base da própria constituição de algumas das problemáticas do Núcleo, como a plantation e suas transformações como matriz de formas de dominação, socialidade, conflito e resistência. Assim, com a ampliação de pesquisadores e grupos interessados na mobilização da perspectiva etnográfica para a análise da política, o NuAP, organizado através de uma coordenação colegiada, passou a atuar como uma ampla rede de pesquisadores e grupos de pesquisa vinculados a diversas universidades para além das que estiveram na origem do Núcleo, o que se expressa em eventos (Comerford, Bezerra & Palmeira 2017) e publicações coletivas (Comerford, Carneiro & Dainese 2015 ; Marques & Leal 2018 ; Leite Lopes & Heredia 2019, 2020, Villela & Vieira 2020 ; Comerford et al. 2022).

Cabe, enfim, registrar que parte do acervo original de pesquisa do Núcleo foi perdido no incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em setembro de 2018, ainda que uma parcela significativa estivesse digitalizada e tenha sido recuperada. Juntamente com a perda de arquivos mais antigos, inexistentes em formato digital, referentes a pesquisas anteriormente realizadas por pesquisadores que compõem o NuAP e por outros colegas do Museu Nacional, trata-se de uma grande lacuna que lamentavelmente se abriu na memória e nos preciosos materiais obtidos em décadas de pesquisas realizadas nessa instituição.

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Resumo : Fundado em 1997, com sede no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Núcleo de Antropologia da Política (NuAP) foi formado em torno da ideia de uma abordagem etnográfica e comparativa da política. O NuAP vem atuando como um espaço de formação de pesquisadores e de articulação de grupos de investigação, inicialmente em torno de um amplo projeto de pesquisa coletivo que durou até 2005, seguido até hoje por projetos mais específicos, sempre em diálogo com esse largo investimento intelectual inicial. Nessa trajetória, tem sido central a proposta de uma antropologia “da” política, ou seja, que parta da etnografia de tudo aquilo que, em diferentes contextos, momentos e disputas, na prática se delimita e se vive como política, ao invés de partir de predefinições da mesma. O presente trabalho enfoca algumas das questões e dimensões que assumiram um papel de destaque nas discussões do Núcleo, na busca de descentrar e problematizar concepções e conceitos já estabelecidos ao se tratar da política e temas conexos. Em especial, abordamos os tratamentos etnográficos dados às eleições e sua temporalidade, aos profissionais da política e ao Estado, aos movimentos sociais, à violência, à família e ao parentesco, e às relações pessoais. Por fim, fazemos algumas observações sobre a continuidade do Núcleo por via da formação de uma rede de pesquisadores que, tratando de temas bastante diversificados, em contextos institucionais variados, vêm mantendo um diálogo profícuo a partir de uma formação comum em interlocução com essa ampla proposta etnográfica.




[1O termo plantation, com grafia na língua inglesa, tem sido adotado por antropólogos no Brasil a partir de diálogos com a produção historiográfica, sociológica e antropológica em língua inglesa, que faz uso conceitual desse termo. Especialmente influentes, nesse sentido, foram os diálogos com antropólogos americanos trabalhando no Caribe e na América Latina, tais como Sidney Mintz, Eric Wolf e Charles Wagley.