Introdução
Gilberto Velho (1945-2012) foi um antropólogo brasileiro de grande destaque, considerado um dos fundadores da Antropologia urbana no país. Foi professor titular e decano do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Orientou 98 dissertações de mestrado e teses de doutorado em Antropologia Social. Publicou como autor ou organizador 21 livros (com dezenas de reedições), além de 183 artigos científicos e capítulos de livros nacionais e internacionais. Foi um dos pioneiros nos estudos de antropologia urbana no Brasil com o livro A Utopia urbana (1973). Contribuiu para a antropologia das sociedades complexas, antropologia e sociologia da arte, antropologia do desvio, além da antropologia da violência, da juventude e da família. Sua obra foi influenciada por autores como Georg Simmel (1858-1918), Alfred Schutz (1899-1959), Erving Goffman (1922-1982) e Howard S. Becker (1928-2023), tendo como foco processos de construção social da realidade e de definição de situação a partir das tradições interacionista e fenomenológica das ciências sociais. Durante toda a sua trajetória, concebeu uma antropologia para além de fronteiras disciplinares, buscando profundo diálogo com a história, a psicologia, a sociologia, a literatura, a filosofia e as artes.
Além de seu trabalho acadêmico, Gilberto Velho teve intensa atuação institucional no campo científico brasileiro e como intelectual público e divulgador científico (Kuschnir, 2012). Presidiu a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e a Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), foi vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e um dos primeiros cientistas sociais eleitos para a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Atuou ainda no Conselho Federal de Cultura, no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN). Entre várias ações no campo editorial, foi diretor da Coleção de Antropologia Social da editora Zahar, sendo responsável pela publicação no Brasil de autores como E. Evans-Pritchard (1902-1973), William Foote-Whyte (1914-2000), Clifford Geertz (1926-2006), Marshall Sahlins (1930-2021) e Howard S. Becker, além de editar, durante mais de quarenta anos, obras de caráter etnográfico produzidas por antropólogos brasileiros. Fez conferências, ministrou aulas e participou de bancas em universidades de todo o Brasil, bem como em países como EUA, Holanda, Índia, Espanha e Portugal.
Formação e trajetória
Gilberto Cardoso Alves Velho nasceu em 1945 no Rio de Janeiro, Brasil, em uma família de classe média alta, intelectualizada e relacionada com a carreira militar. Vários de seus familiares eram oficiais de alta patente do Exército brasileiro. Além de militar, seu pai, Octavio Alves Velho, possuía uma significativa biblioteca e traduziu profissionalmente para o português mais de cem títulos, muitos de ciências humanas e sociais. Em suas muitas entrevistas, Gilberto Velho sempre mencionou a forte influência de seu pai como um intelectual que ele prezava pela produção de conhecimento.
Embora tivessem linhas político-ideológicas distintas, Gilberto reconhece que o ambiente familiar afetou positivamente a escolha de sua carreira acadêmica e a de seu irmão, o também antropólogo Otávio Cardoso Alves Velho (1941- ) e igualmente professor do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como boa parte da juventude intelectual de sua geração, ambos se alinhavam à esquerda do espectro político, identificando-se como marxistas e participando de vários protestos e movimentos estudantis contrários à ditadura militar que se estabeleceu no Brasil pelo Golpe civil-militar de 1964.
É no Colégio de Aplicação da UFRJ (Cap) — colégio de excelência nos anos 1950 e 1960, localizado no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro — onde se gestam as amizades de toda a vida e florescem as paixões intelectuais de Gilberto Velho, não apenas pelas ciências humanas, mas também pela arte, o teatro e a literatura (Abreu, 1992). Ali, integrou grupos de teatro, círculos de leitura e escrita de textos para periódicos estudantis com denúncias sobre o capitalismo, o racismo e a exploração do trabalho. Em 1964, já no ambiente pós-golpe, Gilberto Velho, aos 19 anos, profere o discurso de formatura de sua turma, defendendo a ciência, a educação e o papel dos intelectuais na vida pública. Destaca a necessidade de conhecer e enfrentar os problemas do país, assim como todas as formas de obscurantismo (Kuschnir, 2012).
Em 1965, Gilberto Velho começa o curso de graduação em Ciências Sociais no que hoje conhecemos como Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ. Aprofunda-se nos estudos de suas três áreas centrais — antropologia, sociologia e ciência política — destacando-se como aluno e como pesquisador. Antes mesmo de se formar, foi auxiliar de pesquisa de Maurício Vinhas de Queirós (1921-1996) e Maria Stela Farias de Amorim (1936-2022), estudando elites no âmbito do projeto “Estrutura e função dos grupos econômicos no Brasil” coordenado por essa dupla. [1]
Ainda durante a graduação, Gilberto inicia o que seria uma colaboração por toda a vida com a editora Zahar, pioneira na tradução e publicação em ciências humanas e sociais no Brasil. Seu trabalho como editor começa com a organização de coletâneas com textos internacionais de difícil acesso em português, bem como de autores nacionais. Editou livros cruciais para a formação de estudantes brasileiros como A interpretação das culturas (2008[1978]), de Clifford Geertz, (2005[1937]), Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande de E. Evans-Pritchard, Cultura e razão prática (2003[1976]), de Marshall Sahlins, Estigma (1975[1963]), de Erving Goffman, Teoria da ação coletiva (1977), de Howard S. Becker, Sociedade de esquina (2005[1943]), de William Foote-Whyte e História social da criança e da família (1978[1960]), de Philippe Ariés (1914-1984), para citar alguns deles. Como organizador, foi responsável pelas edições das coletâneas Sociologia da Arte (1966-1968), Arte e Sociedade (1977) e Desvio e Divergência (1974), que introduzem novas temáticas e autores na antropologia brasileira. Entre os autores nacionais, publicou obras-chave de Eduardo Viveiros de Castro (1951- ), Yvonne Maggie (1944- ), Luiz Fernando Duarte (1949- ), Mariza Peirano (1942- ), Hermano Vianna (1960- ), entre outros.
Com apenas 25 anos de idade, Gilberto Velho já havia se tornado professor do atual Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ) e terminado o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional (1970). O fascínio pela antropologia se deu por influência de seus professores em um período em que a pesquisa teórica e empírica de cunho antropológico ganha impulso no Brasil. Paradoxalmente, a antropologia consegue se manter relativamente protegida em um contexto de ditadura militar (1964-1985) em que muitos sociólogos e cientistas políticos são perseguidos e impedidos de trabalhar. Otávio Velho argumenta que a antropologia brasileira permaneceu relativamente preservada durante o período autoritário por ser identificada com temas exóticos e distantes do dia a dia da política (Velho, O. 1980:82). Em depoimentos, Gilberto Velho ressalta sua afinidade com o trabalho qualitativo, o contato face-a-face, as entrevistas e a observação participante. Essas características estão presentes em sua dissertação de mestrado, posteriormente transformada no livro A Utopia urbana (1973), cuja contribuição será abordada com mais detalhes adiante.
Durante o mestrado, além de aluno de professores como Roberto Cardoso de Oliveira (1928-2006), Luís de Castro Faria (1913-2004), Neuma Aguiar (1938-2023) e Francisca Keller (1935-1981), Gilberto Velho foi contemporâneo de antropólogos que também teriam destaque acadêmico, como Roberto DaMatta (1936-), o próprio Otávio Velho e Yvonne Maggie (1944-), entre outros. [2] Nesse período, manteve contato estreito com pesquisadores estadunidenses : Shelton H. Davis (1942-2010), seu orientador, etnógrafo e oriundo da Universidade de Harvard ; Anthony Leeds (1925-1989), seu professor na disciplina “Antropologia Urbana” ; e Richard Adams (1924-2018), docente no curso Antropologia das Sociedades Complexas. Os dois últimos eram da Universidade do Texas, em Austin, e incentivaram o jovem Gilberto a frequentar a universidade como estudante especial, com bolsa da Fundação Ford, durante o ano acadêmico de 1971-1972. Além disso, com o apoio de David Maybury-Lewis (1929-2007), também participante do convênio da Fundação Ford com o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, Gilberto Velho — e a antropóloga Yvonne Maggie, com quem era casado na época — passou os meses de verão de 1972 vinculado à universidade de Harvard, fazendo pesquisa com imigrantes portugueses açorianos em Cambridge (Massachusetts, EUA). [3]
Ambas as experiências marcaram profundamente a formação de Velho como docente, pesquisador e orientador. Na Universidade do Texas, Austin, ele frequenta nada menos do que seis cursos de antropologia. Foi novamente aluno de Richard Adams e Anthony Leeds ; e fez disciplinas com Marcia Alice Herndon (1941-1997), Henry A. Selby (c.1935-) e Richard P. Schaedel (1920-2005) sobre temas como antropologia urbana, sociedades complexas, etnomusicologia, parentesco e arqueologia. Foi no curso “Etnografia dos hospitais psiquiátricos e prisões”, com o professor Ira R. Buchler (1938-2016), que Gilberto mergulhou nas obras de Erving Goffman e conheceu o trabalho de Howard S. Becker. Adeptos da abordagem qualitativa e oriundos da Escola de Chicago, Goffman e Becker produziam obras cujas ideias se tornaram referências centrais na obra do próprio Velho. No caso de Becker, este foi o início de uma troca acadêmica e de amizade que perdurou por mais de 40 anos.
Além das marcas teóricas em sua formação, a passagem pela Universidade do Texas garantiu a Gilberto Velho quase a totalidade dos créditos necessários para seu doutorado. Optou por realizar o curso na Universidade de São Paulo (pois na época o Museu Nacional não oferecia o grau de doutor), onde realizou sua pesquisa com camadas médias e uso de drogas no Rio de Janeiro. [4] O trabalho resultaria na tese intitulada Nobres e anjos, defendida em1975.
A passagem por São Paulo fez com que Velho se aproximasse de antropólogos brasileiros que, por caminhos distintos, faziam pesquisas em grandes cidades. Era o caso de Ruth Cardoso (1930-2008), sua orientadora no doutorado, e Eunice Durham (1932-2022), que vinham desenvolvendo, já na década de 1970, pesquisas etnográficas em contextos urbanos em diálogo com o marxismo (Cardoso e Durham, 1973 ; Frúgoli, 2023). Responsáveis pela gênese do campo da antropologia urbana na USP, Cardoso e Durham abriram espaço para o estudo de temas como os movimentos sociais urbanos (Cardoso, 1983), o feminismo (Cardoso, 1987), a juventude (Cardoso ; Sampaio, 1994), a família (Durham, 1980) e a migração nordestina (Durham, 1973), além de orientarem diversos trabalhos voltados ao estudo das periferias das grandes cidades (Magnani, 2009). Em permanente diálogo com a sociologia e a ciência política, seus trabalhos investiam em uma significativa atenção etnográfica ao cotidiano, dando forma a uma antropologia que visava articular o background dos agentes ao tema da mudança, transformação e conflito (Frúgoli, 2023:4).
Ainda que a obra de Velho tenha, como veremos, se desenvolvido em direção a outros campos temáticos e diálogos teóricos, é importante atentar para influência de Cardoso e Durham sobre o seu trabalho. Em depoimento de 2006, Velho afirma que ambas tiveram papel central no desenvolvimento de suas reflexões sobre a complexidade e heterogeneidade da sociedade moderno-contemporânea, especialmente no que diz respeito às estruturas de poder de dominação e as formas de demarcação de diferenças sociais (Rocha e Eckert, 2016:128). Uma marca dessa colaboração intelectual é o grupo de trabalho Cultura e Política, coordenado por Velho, Cardoso e Durham no âmbito da ANPOCS. [5] Entre 1979 e 1995, oito edições do grupo reuniram pesquisadores dedicados a diferentes áreas da antropologia urbana (muitos dos quais seus estudantes), criando um espaço de intercâmbio e debate num momento de acelerada consolidação do campo no Brasil.
Portanto, desde o início de seus trabalhos de pesquisa, assim como nas décadas seguintes, Gilberto Velho manteve uma linha de investigação consistente sobre os desafios da antropologia em grandes cidades. Seus artigos, livros e orientações foram majoritariamente voltados para objetos e questões metodológicas em meios urbanos, refletindo sobre a inserção do pesquisador em seu próprio ambiente e enfrentando a multiplicidade de temáticas e interesses que se cruzam nas metrópoles contemporâneas. Seu artigo “Observando o familiar” (1978) faz uma síntese exemplar desses problemas de pesquisa e tornou-se um clássico da disciplina no Brasil, bibliografia obrigatória dos cursos de metodologia. Na coletânea Individualismo e cultura (1981), da qual faz parte este texto, temos a base dos conceitos que marcam a obra de Gilberto Velho. Partindo de seu cotidiano como matéria de reflexão, Velho traçou os estilos de vida urbanos, suas visões de mundo e de projetos. Investigou a ideologia das camadas médias, as contradições da sociedade de consumo, os campos de possibilidade de trânsito espacial e social, a heterogeneidade e a complexidade da vida urbana, os mundos da arte, da violência, da religiosidade, das acusações, do uso de drogas e do desvio. Destacamos a seguir algumas das implicações desse vasto panorama antropológico que ele abraçou em suas múltiplas atuações como pesquisador, professor, autor, orientador e intelectual público.
Caminhos de uma Antropologia urbana
O primeiro contato de Gilberto Velho com a Antropologia urbana se deu em 1969, quando o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ) ofereceu aos alunos seu primeiro curso dedicado ao tema. A disciplina foi ministrada pelo norte-americano Anthony Leeds, então professor do Departamento de Antropologia da Universidade do Texas, que viera ao PPGAS através de um convênio com a Fundação Ford [6]. Para o trabalho de final de curso, Velho e Yvonne Maggie, apresentaram uma breve pesquisa sobre um prédio de pequenos apartamentos em Copacabana, habitado por pessoas de baixa classe média. Se tratava do Barata Ribeiro 200, edifício notório por sua constante presença nas páginas policiais, que abrigava cerca de dois mil moradores das mais variadas gerações, profissões e origens sociais. [7]
O texto é curto e não esconde seu caráter experimental. Ainda assim, antecipa muitas das questões que viriam a marcar não apenas a futura dissertação de mestrado de Velho, como toda a sua obra. É o caso, por exemplo, da atenção dada à ambivalência dos moradores entre o desejo de acesso a bens de consumo e a precariedade de suas habitações, delineando aquilo que, mais tarde, o autor desenvolveria a partir de um interesse mais amplo pela ideologia das camadas médias urbanas (O’Donnell, 2013). Aparecem também temas como estratificação social, heterogeneidade da vida urbana e diferentes formas de discriminação, deixando antever algumas das questões que norteariam as obras de Velho em diferentes momentos da carreira. Não menos importante é a dimensão metodológica envolvida no trabalho. Velho e Maggie, recém-casados, haviam há pouco se mudado para um apartamento em edifício similar ao pesquisado, também em Copacabana. Tratava-se, assim, de uma tentativa de compreender o mundo social do qual passavam a fazer parte, num exercício de observar e analisar a realidade próxima do pesquisador, algo até então muito pouco explorado na antropologia e que se faria presente, de forma consciente e militante, em toda a obra do autor.
A experiência animou o jovem antropólogo a ponto de decidir fazer dela – ou, ao menos, de sua ideia geral – sua dissertação de mestrado. Diante da ausência de professores dedicados aos estudos urbanos no corpo docente do PPGAS, Velho teve como orientador o antropólogo norte americano Shelton Davis, que, apesar de dedicado ao estudo de populações indígenas, era morador de Copacabana e compartilhava da curiosidade de Gilberto sobre o bairro. Defendido em 1970, o trabalho foi publicado em 1973, sob o título de A Utopia urbana : um estudo de antropologia social. Nascia então um clássico das ciências sociais brasileiras e o ainda incipiente campo da antropologia urbana brasileira ganhava um dos mais importantes capítulos da sua história. [8]
O livro revela um aprofundamento do exercício iniciado no trabalho realizado para a disciplina ministrada por Leeds, feito agora em outro edifício do bairro com características similares. Porém, em Copacabana ganhava destaque, emergindo como uma variável central da análise do autor. Velho se deparava com um bairro marcado por uma infinidade de problemas de circulação e higiene, num cenário que pouco remetia aos padrões clássicos de status e prestígio que haviam transformado o bairro no mais famoso cartão postal do país nas décadas anteriores. Num cenário marcado pela hegemonia do concreto, 98,8% das moradias de Copacabana eram apartamentos e sua densidade populacional das mais altas do mundo.
Ainda assim, o bairro seguia sendo um forte chamariz para moradores de outras regiões e cidades que, não raro, deixavam residências confortáveis em seus locais de origem para viver em apartamentos com pouco mais de 20m2 em Copacabana. Diante disso, Velho se questionava : o que leva pessoas de diferentes gerações, ocupações e origens sociais a fazerem da moradia em Copacabana um objetivo de suas vidas, a despeito das más condições de habitação do bairro ? O questionamento se traduziu, ao longo da pesquisa, na pergunta que o autor apresentou a cada um dos seus entrevistados : por que você veio morar em Copacabana ?
Ao dar prosseguimento à pesquisa, Velho se deparou com três variáveis fundamentais, a partir das quais estruturou a análise que dá corpo ao livro : estratificação social, residência e ideologia. Mergulhado no universo daquilo que, em trabalhos futuros, denominaria como camadas médias urbanas, Velho operava a partir da categoria white-collar (de Wright Mills) [9], atentando para um segmento até então pouco estudado na antropologia brasileira e internacional. Com efeito, o estudo das camadas médias se tornaria central em todos os seus trabalhos futuros, passando a se tornar uma das mais importantes marcas de sua obra.
Velho declarou, em diversas oportunidades, que a motivação para o estudo desse segmento veio da vontade de conhecer as características de visão de mundo que levaram grande parte das camadas médias a apoiarem o golpe de 1964 que implantou a ditadura militar no país durante mais de vinte anos. Inspirado em etnografias clássicas — como os trabalhos de B. Malinowski (1884-1942), E. Evans-Pritchard e Edmund Leach (1910-1989) —, se viu disposto a desafiar o conhecimento superficial que pairava sobre as camadas médias urbanas, convencendo-se da necessidade de pesquisar mais a fundo a dimensão cognitiva e o ethos dos diferentes grupos sociais que a compunham.
Afastando-se de uma abordagem de cunho marxista (da qual afirmava ter sofrido grande influência durante seus anos de formação), Velho defendia que era preciso compreender esse segmento para além de sua determinação socioeconômica, que a situava genericamente entre a classe operária e as oligarquias rurais. Para ele, era preciso entendê-las em sua complexidade, em sua heterogeneidade e em seus variados estilos de vida. Por esses motivos, era contundente na recusa da ideia de que seu universo de pesquisa poderia ser tratado como um grupo – como era de praxe na esmagadora maioria dos trabalhos antropológicos da época. O investimento na heterogeneidade como ponto de partida era, assim, um desafio epistemológico dentro do campo da antropologia e deixava clara a consciência do autor de que o desbravamento de uma nova área demandava a defesa de novos parâmetros de análise.
Nesse sentido, é possível perceber em A Utopia urbana o delineamento de um projeto que extrapolava o escopo daquela pesquisa. Fica clara, em diversos momentos do livro, a intenção de marcar a viabilidade teórico-metodológica do estudo antropológico em contexto urbano, reforçando sua legitimidade a partir de critérios compartilhados com os demais campos da disciplina. Não por acaso, nas páginas finais do livro Velho questiona : “Até que ponto a Antropologia Social pode ser útil para a investigação do meio urbano ?” (1973:91). A resposta está, segundo o autor, na adesão a uma flexibilidade metodológica que, considerando as especificidades das sociedades complexas, não tenha como princípio uma abordagem totalizante.
Ainda que muitas das questões norteadoras das obras futuras de Velho estejam presentes no livro, assim como um projeto de legitimação dos estudos antropológicos em grandes cidades, é interessante notar que A Utopia urbana não se vale do diálogo com outros trabalhos do campo dos estudos urbanos. Conforme viria a declarar em diversas ocasiões, Velho não tinha, àquela altura, contato com a obra de autores que se tornariam basilares em seus trabalhos futuros, tais como Robert E. Park (1864-1944), Georg Simmel e Alfred Schutz, dentre tantos outros. Ao olhar a bibliografia, nos deparamos com apenas dez obras, dentre elas livros de autores como Elizabeth Bott (1924-2016), Émile Durkheim (1858-1917), Raymond Firth (1901-2002), Erving Goffman, C. Wright Mills (1916-1962), e Clyde Mitchell (1918-1995). O conjunto nos dá pistas do apreço de Velho aos clássicos das ciências sociais e à pluralidade de tradições de pensamento — características que marcariam toda sua trajetória futura, como autor e como docente.
Importante ressaltar, porém, que a despeito de sua fama como um pioneiro da Antropologia urbana no Brasil, Velho nunca reivindicou para si a filiação a esse campo disciplinar. Em 1971, por exemplo, declarou evitar o uso do termo “antropologia urbana” por não estar interessado na definição de uma subdisciplina, mas sim no universo mais amplo de questões metodológicas relativas à pesquisa em grandes cidades – ou, nas suas palavras, nas “possibilidades de o antropólogo estudar o seu meio, sendo ao mesmo tempo ‘nativo’ e ‘investigador’” (Kuschnir, 2012 ; O’Donnell, 2013).
O mesmo princípio se repetiria em outros textos e declarações, nos quais sempre fez questão de não buscar uma definição acabada ou restritiva para o que entendia por Antropologia urbana, sempre frisando a amplitude e heterogeneidade desse campo temático. Isso se reflete, por exemplo, em sua insistência em não taxar a Antropologia urbana como subárea, mas sim como um “ponto de encontro de pesquisas e análises” com foco em processos de ação e interação social. Para isso, defendia com veemência a importância de “cruzar as fronteiras disciplinares e as tradições específicas, num esforço de aproximar diferentes contribuições que possam ampliar nossa concepção de trabalho intelectual” (Velho, 2011 : 177).
Comportamento desviante, indivíduo e sociedade
Assim como as cidades, a problemática do desvio, das acusações e da marginalidade ocupa um lugar central na obra de Gilberto Velho. Como vimos, após sua formação no Museu Nacional, na temporada na Universidade do Texas, Austin, o antropólogo tem contato com autores seminais da área. No entanto, é com o material de seu campo do doutorado — inovador em termos de método, problema de pesquisa e recorte empírico na época — que Velho produz algumas de suas reflexões originais, com impacto nacional e internacional para a área dos “problemas sociais”, como era denominado o tema então.
Velho defendeu sua tese de doutorado em 1975 com o trabalho intitulado Nobres e anjos. Um estudo de tóxicos e hierarquia. Nela, Velho apresenta a dinâmica da sociabilidade e do consumo de drogas consideradas ilícitas em dois universos de pesquisa sociologicamente distintos da Zona Sul, área nobre da cidade do Rio de Janeiro. Os “nobres”, jovens adultos de 25 a 35 anos, eram artistas e intelectuais engajados em atividades culturais, enquanto os “anjos”, adolescentes e jovens de 15 a 20 anos, frequentavam uma lanchonete em Ipanema e viviam em torno da prática de surf e da música. Como ressaltam Bispo e Zampiroli (2020 : 2), Nobres e anjos traz conceitos fundantes de Velho por meio de contrastes e aproximações entre dois estilos de juventudes “que encontraram suas formas de estar na cidade associadas às satisfações subjetivas geradas pelo uso de drogas nas franjas de um regime autoritário no início dos anos 1970.” Os grupos compartilhavam uma visão crítica ao establishment político e social, com visões de mundo que defendiam a liberdade individual, especialmente em relação aos padrões de gênero, sexualidade e consumo. Trata-se de um trabalho fundamental para o desenvolvimento da antropologia brasileira que permitiu a compreensão das sensibilidades, sociabilidades e projetos das camadas médias em áreas urbanas no final do século XX.
Inspirado em Pierre Bourdieu (1930-2002), Erving Goffman e Howard S. Becker, Gilberto Velho examina as relações simbólicas e hierárquicas que permeiam as interações sociais no ambiente juvenil e no uso de substâncias ilícitas. O autor aponta as interseções entre o consumo de drogas e as dinâmicas de classe, mostrando como as primeiras se tornam elementos de distinção e afirmação de identidade, assim como instrumentos de controle social e exclusão. Por meio do estudo etnográfico, Nobres e anjos problematiza as categorias de “desvio” e “viciado”, demonstrando que são construções sociais que refletem padrões morais, hierarquias e processos de acusação e diferenciação. Tanto “desvio” quanto “viciado” nos ajudam a compreender a “produção de subjetividades em uma situação lida como desviante” (Bispo e Zampiroli, 2020 : 14). Ao lado de uma análise interacionista, Velho acrescenta o marcador social de classe, revelando um processo de “constante produção de símbolos”, demonstrando a postura teórico-metodológica que orienta seu trabalho, onde o conceito de “desviante” é simultaneamente acusatório e produtivo de “redes, grupos e identidades” (idem). Nesse sentido, o estudo de Velho oferece uma análise crítica das relações entre classe, comportamento desviante e consumo de drogas, criando um panorama da complexidade das interações sociais e das representações simbólicas na construção das identidades urbanas.
Em Nobres e anjos e na obra de Velho dos anos 1970, é crucial também a aproximação com a psicanálise e o tema da família (Velho e Figueira, 1981). Seu campo em meio às camadas médias urbanas o aproxima de pessoas com experiências de tratamento psicoterápico individual ou em grupo. Ele próprio estava imerso no boom da “cultura psi” da década de 1970 no Brasil, tanto do ponto de vista pessoal, quanto pela afinidade com teóricos e pesquisadores da área. É por esse fio condutor que muitos sujeitos de sua pesquisa percebiam a si próprios e em suas tensas relações familiares. Para usuários de drogas em um ambiente autoritário, isso poderia significar desde rusgas, desavenças e rompimentos, até situações de ruptura de self mais radicais, como no caso de acusações de vício, doença, chegando a internações psiquiátricas. Individualmente, ou acolhidos pelos pares, Velho percebe a relação com as substâncias psicoativas e com as terapias psi como parte de uma busca maior de “autoconhecimento” e “autenticidade” (Velho, 1975). Bispo e Zampiroli (2020) destacam como Velho entendeu o convívio entre consumo, competição e rivalidade intragrupos, onde inteligência, beleza e sucesso coexistiam com ideias de igualdade e liberdade de gênero e sexualidade.
Como em trabalhos anteriores, a influência de Georg Simmel e Alfred Schutz também é marcante em Nobres e anjos e nas obras de Velho desse período. A perspectiva fenomenológica se mostra nas nuances com que o autor analisa as interações sociais, bem como os modos de ser e de estar na cidade, vistos por meio de múltiplas camadas de significados e por noções sempre dinâmicas de identidade e pertencimento. À leitura de Goffman, soma-se a contribuição de Howard S. Becker, Anselm L. Strauss (1916-1996), Herbert Blumer (1990-1987), Everett C. Hughes (1897-1983) e outros autores do interacionismo simbólico. Aqui, o “desvio” deixa de ser uma característica de indivíduos particulares, passando a ser um fenômeno interacional, ou seja, um produto de relações entre distintos atores sociais que contribuem para a classificação de algo ou alguém como “desviante”. Vale ressaltar que o próprio Becker, nessa época já autor de Outsiders (2019 [1963]) e da teoria da rotulação, reconhece em trabalhos posteriores a originalidade da contribuição de Velho em Nobres e anjos (bem como em artigos dele derivados) por perceber “desvio” e “desviante” como categorias de acusação (Becker, 2013 e Becker, 2019). É patente também o intenso diálogo de Velho com a psicologia. Inspirado em obras de Marcel Mauss (1872-1950) e da Escola Sociológica Francesa assim como em autoras como Ruth Benedict (1887-1948) e Margaret Mead (1901-1978), da Escola de Personalidade e Cultura estadunidense (Velho, 2006 : 153).
Gilberto Velho aprofunda então o que ele próprio considerava uma vocação da antropologia : “a problemática indivíduo-sociedade, as relações entre os indivíduos e as culturas das sociedades de que fazem parte” (idem, p. 154). Influenciado por Louis Dumont (1911-1998) — autor cuja obra Homo Hierarchicus (1997[1966]) e outras eram fundamentais nos cursos de antropologia ministrados por Velho —, vemos uma ênfase em pensar sobre os distintos modos de pertencimento, influência, marcas e transformação dos indivíduos em sociedade, numa relação dialética.
O tema da classe social, central nas ciências sociais na década de 1970 no Brasil e no mundo, também está presente na análise dos grupos sociais de Nobres e anjos, mas não pela via marxista. É pela ótica de Max Weber (1864-1920) e Pierre Bourdieu que Velho aborda as noções de “grupos de status” e “hierarquia entre classes”, respectivamente (Bispo e Zampiroli, 2020). Para o estudo da juventude carioca, Velho reafirma as categorias de “classes médias”, “camadas médias” e “aristocracias dos estratos médios” apresentando os “estilos de vida desses segmentos sociais” (idem, p. 11). Assim, junto à estratificação de classe, Velho argumenta, com Bourdieu, por uma economia das trocas simbólicas, “demonstrando o quanto seus interlocutores desejam não ser apenas ‘bem-sucedidos’ financeiramente, mas ‘educados’, de ‘bom nível’ e dotados de um consumo ‘sofisticado’” (ibidem). Sendo assim, Velho está afinado com Bourdieu no que concerne aos diferentes tipos de capital (econômico, cultural, social etc.) e aos seus campos de disputa de poder operados pelas classes dominantes por meio de tensões objetivas, subjetivas e simbólicas simultaneamente. Para Bispo e Zampiroli (2020 : 13), em Nobres e anjos, Velho promove uma análise não apenas de classe, mas também de raça, uma vez que o racismo se manifesta na produção das fronteiras subjetivas entre os diferentes grupos jovens. “O que inquieta o autor, na verdade, são as zonas de tensão e os interditos que se fazem ou são feitos visíveis por esses atores, como as facilidades discursivas da elite branca em expressar desconfortos com pessoas menos abastadas e, de maneira mais velada, negras.” (ibidem).
Vale lembrar que, anos depois (1984), Gilberto Velho teve uma atuação decisiva como relator do tombamento do terreiro de candomblé Casa Branca, em Salvador, Bahia — primeiro caso de reconhecimento à tradição afro-brasileira oficial pelo Estado brasileiro. Nessa época, como presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA 1982-1984), atuou em lutas pelos direitos das minorias, nas questões indígenas, na descriminalização das drogas e contra a violência aos homossexuais (Kuschnir, 2012), temas também muito presentes em suas orientações.
Um aspecto importante da trajetória de Gilberto Velho é o fato de Nobres e anjos - Um estudo de tóxicos e hierarquia só ter sido publicado em 1998, vinte e três anos depois de sua defesa como tese de doutorado. O texto permaneceu sob a guarda das bibliotecas da USP e do PPGAS/Museu Nacional, só podendo ser consultado com a autorização do autor. Em diversas entrevistas, o autor explicou que optou por proteger as informações de pesquisa e das pessoas envolvidas por se tratar de dados sensíveis em um período de ditadura militar no Brasil. Várias das práticas descritas na etnografia eram antissistema e contraculturais, podendo gerar perseguições e acusações de subversão por parte dos órgãos repressores cuja violência estava no auge.
Com a decisão ético-política de não publicar a tese de doutorado, Gilberto Velho trilhou um caminho pelo qual foi consagrado : o de um autor com formação de trabalho empírico que produz reflexões teóricas de abrangência bem mais ampla. Assim, logo após a defesa, publicou alguns de seus artigos e livros de maior repercussão, como “Acusações : projeto familiar e comportamento desviante” (1974-1976, uma versão em português e uma em inglês, editada por Becker), “Memória, identidade e projeto” (1978), “Observando o familiar” (1978) e “O antropólogo pesquisando em sua cidade : sobre conhecimento e heresia” (1980). Todos estes textos foram reunidos em uma coletânea póstuma editada em sua homenagem (Velho, 2013) e demonstram sua vocação para formular conceitos mais abrangentes e contribuir para a reflexão sobre as diferentes expressões dos individualismos contemporâneos de camadas médias urbanas.
Uma antropologia das sociedades complexas
A partir da década de 1980, num contexto em que os estudos em meio urbano e as pesquisas feitas at home se consolidavam como possibilidades legítimas do fazer antropológico, Gilberto Velho passou a situar o eixo empírico e teórico de seu trabalho dentro do escopo do que denominava Antropologia das sociedades complexas. Longe de delinear uma definição precisa ou restritiva para seu campo de atuação, tal denominação servia ao propósito de dar forma a um conjunto bastante variado de tradições intelectuais e universos de pesquisa interligados por questões como a problemática da construção dos diferentes domínios e níveis de realidade, o trânsito e as relações entre eles, a noção de indivíduo e as ideologias a ela associadas.
Tendo como base seus estudos sobre camadas médias e desvio, Velho passava a se dedicar a reflexões de caráter mais geral, revisitando os temas norteadores de suas pesquisas de mestrado e doutorado a partir de novas interlocuções teóricas e reflexões de cunho metodológico. A esse respeito, vale notar que no memorial apresentado para o concurso de Professor Titular de Antropologia Social do Museu Nacional, em 1992, Velho apresentou a sua trajetória a partir de um percurso marcado, por um lado, pela diversidade de influências teóricas e, por outro, pela coerência temática que guiou seus interesses de pesquisa. Segundo ele, a pesquisa de mestrado fora fortemente influenciada pelo pensamento sociológico de raízes marxistas, que se fez presente no interesse por compreender a relação entre a experiência social e a ideologia dos moradores de Copacabana ; no doutorado, por sua vez, a temática do desvio fez com que se somasse, de maneira decisiva, a influência do interacionismo sobre os seus trabalhos ; por fim, a partir da década de 1980 (notadamente a partir da publicação da coletânea Individualismo e cultura em 1981), Velho passou a operar o que classifica como uma “passagem para uma tentativa de síntese entre uma preocupação mais global com a Teoria da Cultura e das Sociedades Complexas e as formulações anteriores” (Velho 2012 : 186).
Com efeito, Individualismo e cultura marcava o início de um novo momento em sua trajetória, caracterizada pelo exercício constante de articulação de diferentes tradições de pensamento em torno da reflexão de temas caros ao universo das sociedades complexas. Tomando como horizonte empírico a sociedade brasileira — e, mais especificamente, a cidade do Rio de Janeiro —, Velho dava forma a um “coquetel particular” (2011 : 168) que passaria a ser, dali em diante, uma das principais marcas de seu trabalho.
Seu “coquetel” era, numa primeira escala, formado por uma combinação de intelectuais de diferentes disciplinas que reunia, além de antropólogos, autores das áreas de literatura, história, filosofia e sociologia. O diálogo com a literatura, por exemplo, tinha para ele o “papel crucial para despertar sensibilidades e levantar pistas sobre subjetividade, trajetórias e redes sociais” (2011:166). Dentre os autores brasileiros, Velho destacava, em especial, a importância de Machado de Assis para sua formação intelectual, sobretudo através das obras Memórias póstumas de Brás Cubas e Memorial de Ayres ; já entre os escritores estrangeiros, costumava mencionar Thomas Mann, Charles Dickens, Honoré de Balzac e Gustav Flaubert. Mas era o francês Marcel Proust quem recebia maior destaque nas muitas vezes em que Velho se dedicava a ressaltar o valor do diálogo entre a literatura e as ciências sociais (El Far, 2015). Gostava de frisar, em particular, a importância da obra Em busca do tempo perdido, com a ajuda da qual revelou ter tido “o melhor encontro entre algumas de minhas preocupações centrais como antropólogo e, em termos mais amplos, com a minha percepção intelectual e estética do mundo e da vida”. Em sua opinião, o principal mérito da obra é construir uma “lição permanente sobre a complexidade das pessoas, tanto internamente, na sua subjetividade, como na sua participação na sociedade, através do trânsito social e de diferentes redes e esferas” (Velho 2011:172). Tratava-se, para ele, de uma verdadeira etnografia da vida parisiense da época, na qual o autor mostra não apenas a variedade das relações que compõem o cotidiano da metrópole, mas também os significados atribuídos a elas e suas repercussões sobre a vida de cada um.
Assim como no caso da literatura, Velho via na história um elemento fundamental na sua formação mais ampla como intelectual. Dizia ter tido, num primeiro momento, contato com autores da Escola dos Annales (como Georges Duby [1919-1996] e Jacques Le Goff [1924-1914]) e depois ter se aproximado das obras de Erwin Panofsky (1892-1968), Mikhail Bakhtin (1895-1975) e Carlo Ginzburg (1939- ), a quem atribuía o fortalecimento, em seu trabalho, dos “laços com uma história cultural de alto interesse antropológico” (2011 : 166). Com relação à Filosofia, deixava explícita a influência que sofrera de Albert Camus (1913-1960) e Jean-Paul Sartre (1905-1980) desde os tempos de juventude (Velho, 2008 ; El Far, 2015). Com efeito, Velho atribuía à influência do existencialismo sua atenção para a dimensão da subjetividade e a preocupação com a noção de projeto – que viria a desenvolver a partir do diálogo com a obra de Alfred Schutz. Em um dos últimos textos que publicou, resumiu as bases da influência filosófica em seu trabalho como uma combinação entre marxismo, existencialismo e fenomenologia, ressaltando como podem ser “complexas, confusas até certo ponto e eventualmente contraditórias as origens e as bases para o desenvolvimento de um modo próprio de olhar e analisar o mundo” (Velho, 2011 : 166-167).
Seu “coquetel” particular não era menos variado no que se refere às ciências sociais. Uma primeira vertente, que se fez presente em praticamente todos os trabalhos de Velho desde o seu doutorado, foi o aprofundamento da obra de Georg Simmel e dos trabalhos de toda a tradição interacionista a ele associada – composta, sobretudo, por autores da assim chamada Escola de Chicago, cuja obra Velho pôde conhecer a partir de sua ida para os Estados Unidos em 1971. Dentre esses autores estão pesquisadores de diferentes gerações da referida escola, tais como Robert Park, Louis Wirth (1897-1952), Herbert Blumer, Everett Hughes, Anselm Strauss, Erving Goffman, William I. Thomas (1863-1947) e Howard Becker (com quem estabeleceu a partir de 1976, como vimos, uma profícua amizade e intercâmbio de ideias que perdurou até o final de sua vida). O estabelecimento de pontes e relações entre esses autores e a obra de Simmel foi, segundo Velho, um “movimento intelectual crucial” (2011 : 163) em sua carreira e o acompanhou até os últimos escritos. Outra referência importante em sua trajetória foram, como já referido, as obras de Louis Dumont e de Marcel Mauss, que Velho dizia constituir, ao lado da perspectiva interacionista, o outro polo fundamental de sua discussão mais ampla sobre a dialética entre indivíduo e sociedade.
Estão também presentes em seus trabalhos, ainda que com menor peso, as marcas de autores da Antropologia Social Britânica, como Evans-Pritchard, Max Gluckman (1911-1975), Victor Turner (1920-1983) e Edmund Leach. Tais referências aparecem sobretudo em suas análises sobre complexidade social e sobre o jogo de identidades associados a mudanças de contextos e situações (muito presente, por exemplo, em seu livro Projeto e Metamorfose [1994]). Dentre os autores que lhe eram contemporâneos, deixava clara a relevância dos trabalhos de Clifford Geertz, Marshall Sahlins e Fredrik Barth (1928-2016) para suas reflexões. Interessava-lhe, sobretudo, o modo como cada um deles se debruçava sobre a relação entre indivíduo e sociedade e sobre o lugar da história na análise antropológica – motes a partir dos quais Velho os incorporava não apenas aos seus textos como também a boa parte dos cursos que oferecia aos estudantes do Museu Nacional.
É preciso destacar, ainda, a relevância dos trabalhos de Alfred Schutz, que passaram a integrar seu repertório de referências a partir da década de 1970. A influência da fenomenologia de Schutz se faz sentir, principalmente, na centralidade que a noção de “projeto” assumiu nos escritos de Velho. Definido como “conduta organizada para atingir finalidades específicas” (Schutz, 1979), a ideia de projeto passou a ser um instrumento fundamental para a análise de trajetórias individuais ou coletivas e da articulação e contradição em discursos identitários (Velho, 1994 : 101). [10] Outro conceito fundamental, também derivado de Schutz e relacionado à noção de projeto, é o de “campo de possibilidades” — a ideia de que os indivíduos se movimentam, tomam decisões e formam alianças dentro de um repertório sociocultural que limita suas escolhas e os colocam diante de conflitos de interesses e valores (Velho, 1994 ; Velho, 2008).
Deste vasto e diverso panorama intelectual vemos emergir um mosaico que conjuga, articula e estabelece pontes entre o marxismo e o existencialismo, entre a fenomenologia e o interacionismo, entre a historiografia francesa e a antropologia cultural norte-americana, entre tantas outras configurações que se fazem presentes em sua obra. Mais que a consequência de uma formação tão erudita quanto eclética, tal diversidade era, para ele, um ponto de partida inegociável para o desafio de observar, descrever e analisar a complexidade característica das sociedades moderno-contemporâneas (e, em especial de sociedades tão desiguais como a brasileira). Trata-se de uma antropologia cuja heterodoxia teórico-metodológica emerge da complexidade das múltiplas realidades que cercam o pesquisador — e que o habilitam a analisá-las não como uma totalidade imaginada, mas sim como um conjunto heterogêneo feito de suas muitas fragmentações e contradições.
Interdisciplinaridade e legado
Como vimos, a trajetória intelectual de Gilberto Velho se inicia ainda jovem na biblioteca familiar, formando uma bagagem cultural e uma “vastidão de interesses” (Velho, 2006 : 156). Boa parte dessa formação vem da leitura de teatro, literatura, história, filosofia, artes e demais áreas das humanidades. O foco na temática indivíduo-sociedade surge desse caldinho de influências, começando pelo teatro grego, passando de romances do século XIX às obras contemporâneas dos anos 1960. Qual o lugar do indivíduo, de sua responsabilidade, seus papéis, dramas, impasses e tragédias ? — questiona Velho (ibidem).
Em sua obra, Velho não recusa as fronteiras disciplinares, mas reafirma que não se devem erguer muralhas entre as áreas do conhecimento (Velho, 2006 : 155). Ao contrário, seu trabalho demonstra o apreço pela mediação e pelo trânsito entre as espacialidades e os mundos (Velho, 1977 ; Velho e Kuschnir, 2001). Como vários dos depoimentos em sua homenagem demonstram, sua obra desde cedo despertou o interesse de pesquisadores em diferentes áreas da ciência. Urbanistas, arquitetos e geógrafos debruçaram-se sobre A utopia urbana (1973). Psiquiatras, psicanalistas, juristas, sociólogos, educadores, cineastas e artistas inspiraram-se em Desvio e divergência (1974), Arte e sociedade (1977), Individualismo e cultura (1981), Nobres e anjos (1998 [1975]) e muitos outros.
Para finalizar, dois aspectos de sua carreira merecem destaque : a sua especial conexão com a antropologia portuguesa e sua relação de troca, orientação e incentivo intelectual a estudantes, orientandos e pesquisadores com quem trabalhava. Embora tenha ido a Portugal em diversas ocasiões, o intercâmbio mais intenso com os colegas europeus se deu a partir dos anos 1990. De 1996 a 2009, Gilberto Velho estima que esteve mais de quinze vezes em Lisboa. Um momento-chave desse intercâmbio se dá em 1996, quando ele leciona e orienta no Curso de mestrado em Patrimônio e Identidade, coordenado por Joaquim Pais de Brito (1945-), professor emérito de Antropologia do ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa) e na época também diretor do Museu Nacional de Etnologia de Portugal. Por meio de Pais de Brito, aproxima-se de muitos pesquisadores portugueses relevantes para a área das pesquisas urbanas em antropologia e sociologia, como António Firmino da Costa (1950-), Maria das Dores Guerreiro (c.1955-), Cristiana Bastos (1959-), Graça Índias Cordeiro (1960-), entre outros. Muitos destes, por sua vez, relataram terem se inspirado na sua obra para pensar a possibilidade de uma antropologia urbana lusa (Costa e Guerreiro, 2015 ; Cordeiro, 2015). A colaboração gera a organização da obra Antropologia urbana. Cultura e sociedade no Brasil e em Portugal (Velho, 1999), bem como dezenas de orientações, eventos, participação em bancas, comitês científicos e viagens de intercâmbio acadêmico. [11]
A atuação de Gilberto Velho como professor, orientador e intelectual público é uma dimensão fundamental de sua trajetória (Bomeny, 2015 ; Laraia, 2012). A tarefa de se comunicar com a academia e com público mais amplo, buscando democratizar, divulgar questões, apontar problemas e fazer denúncias era inseparável de seu papel como pesquisador, antropólogo e cientista social (Velho, 2009). Em diversos depoimentos, Velho fala de seus alunos não como discípulos, mas como interlocutores de pesquisa, com quem dialogava, aprendia e ensinava (Velho, 2012). Para ele, contribuir para a formação de novas gerações relacionava-se à concepção de “linhagens intelectuais” e à ideia de que era possível ajudar os estudantes a criarem seu próprio caminho dentro de uma tradição acadêmica, gerando inovações e desdobramentos. O trabalho dos quase cem orientandos de mestrado e doutorado de Gilberto Velho, além dos incontáveis alunos, pesquisadores e leitores influenciados por suas aulas e obras, confirma essa vocação. O mesmo se pode dizer das muitas publicações e documentários feitos em homenagem às suas ideias postumamente (Castro e O’Donnell, 2012 ; Duarte et al., 2012 ; Kuschnir, 2012 ; Velho, 2012 ; Velho, 2013 ; Castro e Cordeiro, 2015 ; Moura e Coradini, 2016, entre outras).
Gilberto Velho costumava dizer : “Sociedades são complexas porque os indivíduos são complexos”, chamando atenção para o risco de generalizações fáceis (Castro e O’Donnell, 2012 : 6). Erudito, com bagagem oriunda de inúmeras disciplinas, era apaixonado pela profissão que abraçou, vendo na antropologia um meio de produzir pontes e compreender o mundo. Teve a singular capacidade de produzir um conhecimento abrangente, profundo, porém não dogmático, transitando com talento entre a formação científica e a afirmação dos valores democráticos (Costa e Guerreiro, 2015 : 18). Como ressaltou Howard S. Becker (2013 : 583), Velho foi um pioneiro da antropologia urbana, no Brasil e no mundo, mas seu trabalho era mais amplo do que as fronteiras acadêmicas, trazendo em seus textos uma “extraordinária clareza do pensamento (…) e da linguagem, enganosamente simples, com que ele expressava a sua compreensão da vida social.” [12]
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Resumo : O artigo traça a trajetória intelectual de Gilberto Velho (1945-2012), destacando sua importância como antropólogo e cientista brasileiro. Inicialmente, explora suas influências familiares e sua formação acadêmica, evidenciando seu pioneirismo na realização de trabalhos etnográficos em ambientes urbanos no Rio de Janeiro e nos EUA, fundamentais para a consolidação da antropologia urbana no Brasil. Aborda também seu papel como editor de obras clássicas e contemporâneas da antropologia, bem como seu engajamento como orientador de quase 100 trabalhos de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. No aspecto teórico, são discutidas suas principais influências, destacando-se autores da fenomenologia, sociologia e antropologia, especialmente os da Escola de Chicago. Dentre os temas presentes em sua obra, o artigo ressalta o estilo de vida urbano, as camadas médias, o consumo de drogas e comportamento desviante, a tensão entre indivíduo e sociedade e o conceito de sociedades complexas. Por fim, destaca sua influência duradoura no grande campo das ciências sociais, refletida em dezenas de artigos, entrevistas e livros publicados, além de seu legado como defensor de uma postura humanista, não dogmática, e de seriedade intelectual, expressa através de uma clareza exemplar de pensamento e texto.