Trânsitos
Ruth Corrêa Leite Cardoso (1930-2008) foi uma antropóloga brasileira, pertencente a uma geração pioneira na consolidação do ensino e da investigação etnográfica sobre favelas, sobre o cotidiano de famílias e de populações de baixa renda e sobre os movimentos sociais urbanos, em uma abordagem sofisticada que articulava cultura a poder. [1] Sua expertise no tratamento de questões da Antropologia Urbana traçaram um perfil singular à sua trajetória pouco habitual para os acadêmicos. Ela ganhou notoriedade pública na maturidade, quando assumiu a posição de primeira dama do Brasil, entre 1995 a 2002, anos da presidência de Fernando Henrique Cardoso, seu marido. E perfil singular porque, além de contestar a postura meramente honorífica de primeiras damas, ela inovou o espectro de atuações das políticas públicas, aproximando a sociedade civil e os movimentos sociais do âmbito governamental.
Seus escritos chamaram atenção para os processos identitários que se forjam nas redes sociais que constituem sujeitos políticos, assinalando seus efeitos para repensar a cidadania em um ambiente intelectual ainda contaminado pelas teorias da marginalidade, pela teoria da dependência e pelos temores resultantes do autoritarismo que assolou o país por dois períodos : no Estado Novo instaurado por Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945, e na ditadura civil-militar de 1964 a 1985.
Ruth Cardoso nasceu em Araraquara, cidade do interior do estado de São Paulo, em 19 de setembro de 1930. Seu pai, José Corrêa Leite, foi contador e sua mãe, Maria Vilaça Corrêa Leite, mais conhecida como Dona Mariquita, mulher de talento para as ciências e com ambições acadêmicas, foi professora na Escola de Farmácia e, na maturidade, defendeu doutorado em Botânica. Deve-se a essa referência feminina, arrojada para os padrões da época, o seu gosto pelas interpelações científicas, a sua curiosidade intelectual e a liberdade para transitar pelas fronteiras disciplinares, em interesses sempre renovados. Sua trajetória pode ser desdobrada em uma variedade de caminhos que partem do interior do estado de São Paulo e das aulas de declamação e piano, ainda no ensino médio, para a capital, e, nela, o convívio animado com jovens dos anos 1950 na Biblioteca Mário de Andrade, no Teatro Municipal, no Clube dos Artistas e Amigos da Arte, equipamentos culturais localizados no centro da cidade, intensamente frequentados pela intelectualidade paulistana. Costumava dizer que o horizonte de seus interesses chegava longe, na distância geográfica, na valorização da cultura, bem como na heterodoxia no manejo de autores, como veremos a seguir.
Escolheu cursar Ciências Sociais, ingressando na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo em 1949. Ali foi fisgada pela Antropologia e por um jovem carioca, Fernando Henrique Cardoso (1931- ), com quem viveu por mais de 50 anos, partilhando com ele filhos, amigos, os exílios e uma experiência de oito anos de presidência da República (1995-2003), tendo atuado muito além da figura de primeira-dama : sua competência e argúcia em acompanhar por mais de trinta anos a participação popular em movimentos urbanos contribuiu para inovar e transformar a assistência social no país [2].
Essa vida em trânsitos foi marcada por uma consciência aguda sobre a importância das mulheres na esfera pública, em especial, na formação de quadros seja para decifrar a desigualdade social, seja para combatê-la. Nesse aspecto, Ruth Cardoso é representativo de uma linhagem de mulheres valentes. Lembremos que na tradição política brasileira e no marco da história da república no país, instaurada em 1889, é consistente a participação de lideranças feministas na resistência às ditaduras, sendo a do regime militar, iniciada com o golpe de 1964, a mais longa, marcada pela perseguição, tortura e exílio de militantes que voltaram para o Brasil, tempos depois, apenas com o processo de abertura política. Ruth Cardoso foi uma das mulheres que esteve no Chile em 1965 e, em 1967, na França [3]. O exílio forçado pelas ameaças a seu marido adensou o protagonismo feminino já inculcado desde a infância por sua mãe. Naqueles anos em que a ditadura militar ainda tinha vigor, o feminismo apareceu como uma alternativa para novas posições, testemunhado por ela e também por outras mulheres brasileiras exiladas, a partir dos movimentos estudantis de maio de 1968, que conheceram forte ressonância no Brasil. Em 1975, no Ano Internacional da Mulher, promovido pela Unesco, foram criadas no país duas entidades com conformação especificamente feminista : o Centro de Desenvolvimento da Mulher e o Movimento Feminista pela Anistia, cujo órgão semioficial era o jornal Brasil Mulher. Em 1976, foi criado o jornal Nós Mulheres [4] e, em 1978, o Mulherio, do qual Ruth Cardoso foi membro do conselho editorial de 1981 a 1985. Em 1979, nasceu a Frente das Mulheres Feministas, grupo ao qual ela pertenceu ao lado da atriz portuguesa radicada no Brasil, Ruth Escobar (1935-2017) e da socióloga Eva Blay (1937-) : iniciativa de mulheres do campo cultural e acadêmico que aproximou o feminismo das universidades e que, anos depois, constituiu a base política do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) que elegeu Fernando Henrique Cardoso como Presidente da República. Foram anos de intensa mobilização que culminaram nos conselhos paritários de direitos da mulher, em âmbitos municipais, estaduais e federal, bem como na consolidação de direitos, presente da Constituição Brasileira, de 1988, conhecida como Constituição Cidadã [5].
Sua atividade como pesquisadora e docente data de 1958, quando se torna assistente voluntária do antropólogo e professor da Universidade de São Paulo Egon Shaden (1913-1991), ao lado de sua parceira de todo o período universitário, a antropóloga Eunice Ribeiro Durham (1932-2022), também aluna de Schaden. Em 1959, ingressou no mestrado com um tema relativo às imigrações, definido pelo catedrático, defendendo uma dissertação sobre associações juvenis na aculturação de japoneses. O doutorado foi concluído apenas no início dos anos 1970, seguindo o mesmo tema, mas articulado à estrutura familiar e mobilidade social [6]. Muito significativo do início da década de 1960 foi o seu envolvimento com um grupo de cientistas sociais, filósofos, historiadores e teóricos da literatura, entre eles Fernando Novais (1933-), José Arthur Giannotti (1930-2021), Fernando Henrique Cardoso (1931-) e Roberto Schwarz (1938-), na leitura e discussão dos textos de O Capital, de Karl Marx. Tal iniciativa validou a importância do marxismo na vida acadêmica brasileira. Porém, vale remarcar, segundo depoimento de Eunice Durham, que : “Ruth realizou, com sucesso, o casamento da sociologia com a ciência política, sem tentar um arremedo de marxismo, utilizando conceitos da ciência política como sociedade civil, ideologia, cidadania, participação política e democracia, para cuja concepção a influência de Gramsci foi dominante” (apud Caldeira, 2011:47).
Voltarei aos temas tratados em suas pesquisas, a seguir. Antes, é relevante assinalar outra habilidade que caracterizou sua trajetória. Ainda nos termos de Eunice Durham, Ruth Cardoso, assim como ela, desenvolveram uma espécie de militância didática, tendo formado parte relevante dos quadros da USP, da Unicamp e do Museu Nacional da UFRJ.
Fui orientanda de mestrado e de doutorado de Ruth Cardoso, além de membro da equipe que ela coordenou no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), por mais de 12 anos (entre 1986 e 1994) e devo dizer que a recuperação de sua trajetória e escritos é tributária desse convívio. Como professora afirmou, repetidas vezes, que não se encantava com celebrações que fixam e, assim, reificam, a imagem de qualquer personalidade individual. Manifestava assim certo desprezo pela celebridade narcísica, principalmente, porque o que mais valorizava não era tanto os autores, tomados como seres singulares. Com ela, aprendemos que menos do que a consagração do sujeito pensante, as ideias que ele expressa e cria é que interessam, bem como e, especialmente, a discussão que elas suscitam ou evocam [7]. Ela acreditava ser o trabalho intelectual resultado de um esforço coletivo, produto de uma época e de um lugar. E nos ensinou que tanto a noção de gênio, como a celebração ou eternidade do gênio são quimeras.
Ensinou ainda que o trabalho de pesquisa na rotina disciplinada e cotidiana, e no debate constante das impressões do campo é que propicia os insights, pois todo o processo criativo advém da observação quando estamos imersos em uma experiência de investigação, aliás, como já havia se tornado o protocolo da etnografia, desde pelo menos Malinowski [8]. Nos dizia também que as ideias não devem ser encapsuladas ou fixadas como definitivas – por isso gostava tanto de Clifford Geertz, antropólogo afeito à hermenêutica. Ideias são como um texto aberto, são veículos de novas ideias, incitam curiosidade e indagações. Afirmava, desse modo, que os conceitos não podem ser amarras e que pensar implica desafiar, criar e imaginar. Essa heterodoxia teórica articulava-se a um rigor considerável (e nisso ela era implacável) com a coleta e produção de dados empíricos. O trabalho científico é feito de imaginação, dizia, mas o que fazemos não é literatura. E acreditava ainda, e isso também nos deixou de legado, em ensinamentos que se relacionam, me parece, com aquilo que está na base da tradição hegeliana : “ser” e “dever ser” fazem parte de um só processo do pensar, do deciframento da realidade e do agir. Não é frutífero estabelecer uma fronteira ou uma separação entre o fenômeno, aquilo que habita o mundo da vida – acessível apenas a partir dos instrumentais precisos e objetivos de uma ciência, em aparência, pura – e, de um outro lado, os assuntos da moral, as posições normativas e da política. O “dever ser” está inscrito, e é forjado, em meio às relações sociais, de tal modo que de uma parte, não há possibilidade de um conhecimento objetivo não comprometido normativa e historicamente ; de outra parte, se o comprometimento é inescapável, ele implica situarmos e adotarmos uma posição. Daí a importância que ela dava à escolha dos objetos de investigação, a partir de uma clara preocupação em buscar entender, decifrar e divulgar os processos de mudança, as dinâmicas de transformação, e nelas, os novos sujeitos políticos, mesmo aqueles grupos ou práticas que não gozavam de reconhecimento, seja das instituições políticas, seja dos estudiosos.
Tal compromisso em relação às dinâmicas contemporâneas sempre esteve articulado a uma preocupação em manter a mente inteiramente aberta à construção de hipóteses criativas e à escolha de campos de estudo pouco habituais. Isso explica seu interesse por estudos em domínios pouco valorizados pelo mundo estritamente acadêmico, especialmente nos anos em que atuou : novelas de televisão, jovens, sexualidade, aborto [9]. Ruth Cardoso combinava em suas aulas, reflexões e escritos, a criatividade, uma dose considerável de antidogmatismo e, simultaneamente, o apreço não só pelo dado, como pela certeza de que o mundo, ao ser decifrado, poderia ser modificado.
Os cacos debaixo do tapete
A expressiva maioria de comentários enunciados e publicados sobre Ruth Cardoso deixou de destacar a ironia e uma certa postura desconfiada que tornavam o seu olhar muito agudo [10]. Estes são traços importantes para entendermos seu modo de selecionar temas que se tornaram centrais em suas reflexões. As pesquisas sobre favelas e sobre associações de bairro, que formaram a base empírica de suas contribuições analíticas em torno dos movimentos sociais, nasceram justamente do seu desconforto diante de teorias que deram impulso à delimitação da cidade e do urbano para os estudos antropológicos.
O artigo publicado em 1973, em coautoria com Eunice Durham [11], parte da constatação de que a pesquisa antropológica em áreas urbanas no Brasil não era novidade : desde Nina Rodrigues e dos estudos étnico raciais, na passagem do século XIX para o XX, as investigações tiveram nas cidades seu campo de investigação. Contudo, foram estudos circunscritos a grupos populacionais bem delimitados, aliás, o que era mais atrativo ou afeito às técnicas etnográficas. A geração de Ruth Cardoso, da qual fizeram parte, além de Eunice Ribeiro Durham, o sociólogo Juarez Brandão Lopes (1925-2011), promoveu uma nova inflexão, em abordagem crítica ao que se convencionou chamar de Escola de Chicago, a qual se ligam temas, teorias e métodos elaborados por Robert Park, Louis Wirth e, pelos antropólogos, Robert Redfield e Oscar Lewis. Tais referências são inescapáveis para uma compreensão mais detida da formação da antropologia urbana no Brasil e, especialmente, as críticas que suscitaram : seja às limitações aos chamados “estudos de comunidade”, seja aos problemas envolvidos na teorização ecológica do urbano, o que gerou – nos anos de 1970 – a afirmação de que as pesquisas no Brasil indicavam uma antropologia nas cidades e não propriamente uma antropologia das cidades [12].
No sentido de acompanhar a influência da Escola de Chicago no Brasil e, em especial, a sua leitura crítica, vale uma breve digressão. O objeto cidade nasceu da necessidade de enfrentar os dilemas e paradoxos do processo crescente de urbanização nos primórdios do século vinte, em que se verificavam o aumento populacional com a imigração acentuada e os problemas sociais decorrentes [13]. Manuel Castells, no conhecido A Questão Urbana (1986), sugere que a Escola de Chicago nasceu do desafio relacionado ao adensamento das cidades em uma abordagem que consistiu em criar uma espécie de universal abstrato – o urbano – e tentar legitimá-lo cientificamente. Seus principais teóricos trataram a questão urbana em função de um pressuposto universalizante que inferia o urbano de uma forma, mais do que espacial, ecológica. Esta noção supunha uma articulação entre o ambiente e o modo como as relações sociais operam e são representadas. A abordagem ecológica supõe também que as formas sociais, culturais e espaciais são produzidas, a partir de um fenômeno orgânico de crescimento, como se fosse um movimento que vai conduzindo a passagem da matéria para o espírito : o urbano seria o habitat que gera um modo de vida e um mundo de representações que lhe corresponde.
Para Robert Park, a cidade é vista como algo mais do que um amontoado humano, de ruas e edifícios ; é também mais do que um conjunto de instituições e disposições administrativas. A cidade é um estado de espírito, corpo de costumes e tradições. Ela é vista como um mosaico e, como tal, se constitui sobre um quadro [14]. Para Burgess e Park, esse quadro é a cidade de Chicago, vista como representativa de um conjunto de cidades que passam pela urbanização acelerada. No mosaico, há a ideia de que cada peça que forma o quadro enriquece e esclarece o conhecimento sobre ele. Nesse sentido, o mosaico é uma figura enigmática no seu conjunto, o que demanda informação acumulada sobre as peças que o compõem, de modo a tornar visível a sua totalidade.
As sociedades urbanas foram vistas como diametralmente distintas das sociedades rurais [15]. Nestas, as relações sociais estariam harmonizadas com as formas culturais, em escalas espaciais e populacionais reduzidas, produzindo as relações primárias, nas quais os contatos pessoais são fundamentados na afinidade afetiva e altamente hierarquizadas. As sociedades urbanas (referidas às sociedades modernas) seriam caracterizadas pelas relações secundárias, onde há a divisão do trabalho e de classes, nas quais predominam a parcialidade na vivência das interações interpessoais, uma imensa segmentação de papéis sociais, a proliferação de relações de interdependência, a acentuada secularização da cultura, a competição, o anonimato e o individualismo. A sociedade urbana foi tomada como o reino da heterogeneidade [16]. Assim, o mosaico é enigma e problema nessa concepção que integra, de modo pretensamente harmônico ou heterogêneo, relações sociais e formas culturais. Em contextos de heterogeneidade, esta abordagem ecológica implica, não apenas apreender a figura nas partes que compõem uma totalidade, mas tomar essa totalidade como estando em equilíbrio instável. Daí a imensa preocupação que a Escola de Chicago tinha por estudar fenômenos de controle social junto aos grupos de migrantes, pobres ou desviantes [17].
Ruth Cardoso e Eunice Durham (1973) chamaram atenção para os aspectos problemáticos envolvidos na associação da aglomeração humana a um novo tipo de cultura : “quando se percebe esse processo exclusivamente em termos de alterações que ocorrem nos padrões de comportamento das pessoas que vivem na cidade, isto é, como uma transformação de modo de vida, se é levado a caracterizar a particularidade da situação urbana em termos de uma comparação que opõe a cultura urbana a outros padrões culturais, tomados como anteriores e definidos como tradicionais, rurais ou folk. Os antropólogos e sociólogos encaminham-se, então, no sentido de formular o processo de transformação social em termos de um processo de modernização cultural. Essa oposição entre o moderno e tradicional marca toda a abordagem culturalista.” (2011[1973] : 123). Essa fenda crítica colocava no alvo o culturalismo norte-americano, sugerindo a importância de apreender os fenômenos urbanos em suas articulações estruturais. Mas os estudiosos tampouco deixaram de apontar as limitações das teorias da marginalidade, fortemente influenciadas pelo marxismo. Segundo essas teorias, nos países de capitalismo tardio o setor secundário não é capaz de integrar segmentos crescentes da população, que acabam por constituir uma massa marginal [18]. Essa população disponível acabaria por gestar a revolução, dada a incapacidade estrutural do sistema.
Oscar Lewis foi um autor que se tornou atraente para essas teorias e que, simultaneamente, teve muita influência sobre os primeiros estudos urbanos no Brasil, especialmente, os que visavam apreender os efeitos mais gerais do sistema capitalista sobre os “países dependentes”. Nos anos 1950 e 1960, a partir de investigações no México e na Costa Rica, ele elaborou a noção de “cultura da pobreza”, em reação aos predecessores da Escola de Chicago, assinalando que a urbanização assume significados distintos de acordo com condições históricas, econômicas e culturais. Em determinados contextos, o processo endêmico de colonização e precariedade gera uma situação que favorece distinguir a pobreza, segundo um conceito genérico, de uma subcultura da pobreza. O significado de pobreza, no seu sentido geral, implica tomá-la como virtuosidade, solidariedade ou, em seu sentido inverso, como a condição que favorece a violência, a sordidez e a criminalidade. Para Lewis, essa oposição é apenas valorativa e não reconhece a estrutura e o modo de vida que passa de geração a geração. Em seus termos, trata-se de uma subcultura, na medida em que supõe uma cultura que a engloba, mas que produz racionalidade e lógica próprias [19].
Ruth Cardoso trata com ironia a forma sincrônica com a qual o problema é tratado pelo autor, em uma comunicação intitulada “Subcultura : uma terminologia adequada ?” (1975). Ela afirma que se o conceito de subcultura é interessante, o é por sua indefinição ou, em seus termos : “a capacidade de descrever a ambiguidade dos grupos sociais a que se aplica, os quais, por suas particularidades culturais, se distanciam do modo de vida dominante, mas não sobrevivem, ou melhor, nem sequer definem seus limites senão com relação à sociedade mais ampla” (2011[1975]:127). E continua : “No caso do Brasil, a grande massa que se encaminha do campo para a cidade se adapta em processo precário, cuja precariedade não é resultante de tentarem preservar o ‘modo de vida tradicional’, mas à dificuldade de acesso a recursos. Por outro lado, a associação entre o ‘modo de vida tradicional e marginal’ à população que contrasta com os estratos médios, tomados a partir de padrões ‘modernos’ e urbanos, limita a compreensão das características do modo de vida das populações de baixa renda” (2011[1975]:131).
A crítica, de fato, esteve concentrada na noção de cultura que dava sustentação às teorias de Lewis, pois ela não oferecia um tratamento adequado – pela própria imposição de um sistema fechado – às questões e problemáticas da dinâmica cultural e ao modo como as identidades sociais são culturalmente revestidas por elementos que combinam aspectos, aparentemente, conflitantes. A sociedade contemporânea é tramada em meio à uma substantiva complexidade, não sendo suficiente apenas descrevê-la, mas analisar o modo pelo qual ela é produzida socialmente, considerando, inclusive, que tal dinâmica sugere um processo de constante reelaboração de significados e práticas. As manifestações de heterogeneidade cultural não podem ser tratadas como meras diferenças, mas a partir de um reposicionamento constante dos grupos sociais [20].
Articulada a essa revisão teórica, Ruth Cardoso acrescenta outro problema às considerações de Oscar Lewis : ele assinala a passividade política, resultante do fatalismo, como traço marcante da cultura da pobreza. Seu comentário em “Favela : conformismo e invenção” realça, ao contrário, situações vividas em que “em lugar de buscar a coerência que formaria um sistema de explicação do mundo (...) encontramos um caminho de análise mais rico se procurarmos as fissuras, as reinterpretações que ocorrem” (2011[1977] : 168) [21].
A crítica não a impede de elogiar o cuidado e detalhamento etnográfico que foram estimulados, entre outros, por Oscar Lewis, destacando “os princípios que norteiam o fazer antropológico quando processos políticos estão em questão : uma metodologia que privilegia a etnografia baseada em entrevistas, conversas informais e observação de comportamentos. É sempre preciso combinar a atenção para o que as pessoas dizem e fazem, de modo a entender o significado dos acontecimentos ; esses dados de caráter etnográfico devem ser completados por dados de outras fontes em que a demografia, a sociologia, a economia, entre outras disciplinas, têm um papel central ; realçar o ponto de vista nativo, de modo a compreender a lógica embutida nos significados atribuídos pelos sujeitos de pesquisa às práticas em questão, sem buscar, apressadamente, identifica-lo como ignorância, falsa consciência ou forma de resistência à dominação (Debert, Gregori e Coelho, 2008:7).
A abordagem que salienta processos de mudança e a constituição de novos sujeitos políticos acompanhou suas investigações futuras a respeito das relações paradoxais que se conformam entre o ativismo dos movimentos sociais e o Estado.
Os movimentos sociais e o Estado
Manuel Castells, amigo desde o exílio na França em 1967, morou na casa de Ruth Cardoso em São Paulo, em 1969. Foi com ela que Castells conheceu as associações políticas populares em São Paulo por ocasião de uma experiência de colaboração de pesquisa : “identificamos a importância das comunidades locais na mudança social, a partir da luta cotidiana pela satisfação das necessidades básicas das pessoas e o papel decisivo das mulheres como organizadoras da comunidade. Procuramos encontrar uma perspectiva de pesquisa que superasse o dogmatismo marxista de fazer das organizações comunitárias um apêndice da classe operária, ao mesmo tempo que nos distanciamos do enfoque funcionalista da cultura da pobreza, montagem ideológica a serviço dos interesses das igrejas” (Loyola Brandão, 2010:248).
O distanciamento do marxismo, bem como do funcionalismo, forneceu a marca que distinguiu as pesquisas de Ruth Cardoso nas décadas de 1970 e 1980 que se seguiram e que resultaram em suas contribuições de maior destaque no âmbito acadêmico. Suas reflexões sobre os movimentos sociais urbanos partiram, pois, de uma posição teórica crítica, mas também do desconforto em relação às interpretações produzidas pelas ciências sociais brasileiras diante do ativismo popular que se esboçava em meio a uma conjuntura política, ainda dominada pela ditadura militar. Associações de bairro e, dentre elas, as comunidades eclesiais de base constituíram o novo sujeito político, desafiando a noção de alienação ou de imobilismo político [22]. Porém, essa “rajada de ar fresco na produção sociológica brasileira”, segundo ela, deixou algumas pontas soltas : dentre elas, a ausência de um exame mais detido sobre o que seria a novidade de um comunitarismo político, e também uma análise mais profunda sobre o papel dos organismos públicos e, em sua grande maioria, dos organismos estatais na interação com os movimentos populares.
Em uma fala proferida para um encontro na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em 1985, Ruth Cardoso indagou sobre o uso constante da palavra “comunidade”, por parte da igreja católica brasileira progressista [23]. Ela fazia referência, em uma interpelação irônica, às aulas introdutórias em sociologia nas quais as teorias que propugnavam a distinção entre comunidade e sociedade, já eram submetidas a críticas que estavam, contudo, sendo ignoradas. As ciências sociais “como se nada houvesse” passaram a empregá-la como “um pouco o sinônimo de uma situação não conflitiva, de uma situação de igualdade. Então, se estamos entre iguais, estamos em uma comunidade, e ponto final (...) a questão da comunidade é importante porque ela foi reelaborada, quer dizer, ela se tornou o fundamento de uma ideologia que permite a mobilização das pessoas” (2011[1985]:238/239). Igualdade que não é referida às relações de produção, mas ao compartilhar de uma experiência comum : ser pobre. O que essa abordagem desconsideraria é a existência de uma diversidade de situações de pobreza : “A experiência dessa população é extremamente rica e diversificada. Mas, em algum momento, ela tem que começar a ser reduzida a algo mais parecido, mais aceitável, que tenha um trânsito comum. E essas comunidades fazem isso. E aí são extremamente moralistas (...)” (2011[1985]:242). O ponto importante a remarcar é que mais do que um conceito ou ainda apenas pelo seu uso êmico, a palavra comunidade é uma categoria descritiva de uma determinada situação.
Em “Movimentos sociais urbanos : balanço crítico” (1983), seu artigo seminal sobre a questão, Ruth Cardoso assinalava que, além desse elemento de identidade igualitária que reforçava as ações coletivas, havia uma conjuntura na qual a supressão de expressão institucional acabaria por estimular a ação direta das bases populares junto aos organismos públicos. Assim, ao propalado espontaneísmo celebrado por variados estudos das ciências sociais do período [24], esperança daqueles que viam nessas ações o desmantelamento do regime autoritário, houve uma interação em que foi “preciso considerar a necessidade que tem o Estado, por mais autoritário que seja, de responder a esses movimentos” (2011[1983]:248). Em artigo anterior, Debert, Coelho e eu própria (2008), afirmamos que “corajosamente, ela sugeriu que a consolidação desses grupos mobilizados nem sempre significava a união, mas, pelo contrário, muitos deles competiam em suas demandas frente ao Estado” (2008:8). Suas pesquisas indicavam um processo no qual as reivindicações, as alianças, a competição por recursos e o atendimento total ou parcial das demandas por parte dos órgãos públicos constituiu a dinâmica de uma interação que esteve nos alicerces desses novos sujeitos políticos.
Essa constatação não partiu, apenas, de uma verificação empírica, ainda que Ruth valorizasse a pesquisa de campo. Suas indagações e interpelações estavam atentas ao debate internacional sobre os efeitos inovadores das novas políticas de esquerda e, nesse sentido, dialogou, especialmente, com Manuel Castells e Alain Touraine. Afirmaria que, diferente desses teóricos europeus que chamaram a atenção para as mudanças das funções do Estado sob o capitalismo monopolista, os teóricos latino-americanos colocaram o foco na crítica ao autoritarismo. Ao deixarem de lado a modernização dos aparelhos de Estado, Castell e Touraine acabaram por não reconhecer que nesses movimentos “a unidade desses demandantes (que não podem ser qualificados como uma classe) é dada pelo Estado, que é ao mesmo tempo inimigo e legitimador” (Cardoso, 2011[1983]:253).
A formação dos novos movimentos sociais e dos grupos se deu, ainda segundo Touraine e Castells, em torno de pessoas que compartem uma mesma carência, ou uma mesma condição de opressão, como mulheres, homossexuais, bem como os trabalhadores de modo geral. No caso do Brasil, Ruth Cardoso reconhecia o mesmo processo, contudo, ponderava sobre aspectos relevantes. Era preciso não esquecer que boa parte dos agrupamentos era formada por um número significativo de participantes, muitos deles com desempenho de liderança (ainda que informal), que não eram carentes ou oprimidos no sentido estrito desses termos. Os movimentos homossexuais e de mulheres eram formados, naquele momento, por pessoas que – mesmo sendo mulheres e homossexuais – faziam parte de setores de classe média, escolarizados, críticos e com experiência política pregressa [25]. Do mesmo modo, todos os movimentos sociais populares contavam com a participação ativa de militantes políticos de esquerda, ligados aos partidos ou à Igreja Católica. Se na caracterização geral desses movimentos é possível identificar elementos como espontaneísmo, “experimentação” e demanda por igualdade, não apenas econômica, eles não nasceram de uma falta ou de uma alienação em termos genéricos, mas de uma crítica à desigualdade de poder, ainda que várias manifestações da discriminação não afetassem, necessariamente, todos os participantes.
Contudo, ainda que nem todos os membros desses movimentos pudessem ser atingidos concretamente pela desigualdade e discriminação, predominava uma lógica comunitária que, se facilitava a construção de consensos, também favorecia a proliferação de conflitos. Essa lógica comunitária implicava mecanismos dos mais diversos e repletos de sentido e práticas simbólicas, tentando assegurar a igualdade de participação, não apenas formal, mas uma espécie de comunhão simbólica de seus membros, de modo a garantir confiabilidade e legitimidade para a ação conjunta. Essa igualdade não se aplicava somente ao domínio dos valores e crenças, mas ao estilo de vida, de linguagem, de vestuário e demais preferências estéticas, bem como de afinidades na organização do cotidiano. Estudos antropológicos já apontavam, naquela época, para uma espécie de pedagogia – em um sentido amplo – que marcava a conversão dos participantes do movimento (Pontes, 1986 ; Gregori, 1993). A conversão, no entanto, nunca era plena. As diferenças permaneciam e geravam conflitos, especialmente, pelo confronto entre uma utopia da igualdade e as tensões oriundas da diversidade de situações vividas.
Para Ruth Cardoso, os movimentos sociais partiam do suposto que as relações sociais desiguais deviam ser decompostas através de ações imediatas e não adiadas na esperança da superação das contradições estruturais. De fato, a área de atuação das reivindicações desses movimentos sugeriam que a dominação se estende para além das relações de classe. Para Clauss Offe (1983) - autor referencial para a autora -, o seu caráter inovador estava na crença de que a história e a sociedade são contingentes, sendo transformadas pelas forças sociais e não determinadas por princípios metassociais. Eles afirmavam que os custos e efeitos negativos dos modos estabelecidos de racionalidade econômica não afetam a uma classe em particular, mas a cada membro da sociedade numa ampla variedade de formas. Assinalavam para a mudança qualitativa dos métodos e efeitos de controle social e racional, através de uma espécie de infraestrutura simbólica de produção de significados no uso de tecnologias legais, educacionais, médicas e dos meios de comunicação de massas. Finalmente, alertavam sobre a incapacidade estrutural das instituições de controle social, econômico e político em solucionar as ameaças globais e os riscos e privações resultantes.
A grande contribuição da abordagem adotada por Ruth Cardoso deriva do modo como salienta a forma como a crítica e as alternativas propostas por tais movimentos situam a análise nos campos interconectados entre a política e a cultura, sem cair nas armadilhas do culturalismo. Trata-se de atuações que tentam abranger as “condições de existência” : a vida e as experiências travadas em domínios públicos e aquilo que se passa no domínio privado das pessoas. Os movimentos introduziram no debate político contemporâneo a relevância de se atuar nos dois domínios, simultaneamente.
Assim, se é possível afirmar que esse conjunto de pesquisas e artigos da autora é situado historicamente e que o mundo político gerou nos últimos trinta anos dinâmicas extraordinariamente complexas, as ideias e a abordagem da obra de Ruth Cardoso fornecem ainda uma perspectiva muito vigorosa para a compreensão de fenômenos recentes. Todo o debate em torno do identitarismo na política revela, de um lado, a emergência de reações e backlashes do adensamento da extrema direita ; de outro lado, apontam para uma solução ainda não equacionada entre apostar no universalismo ou no particularismo das existências e dos direitos humanos. As práticas de cancelamento e escracho dos feminismos radicais ou dos grupamentos étnicos e raciais apontam para uma certa tradição que teima em desconsiderar a existência dos contraditórios. Ruth Cardoso, se estivesse viva, e com a elegância que lhe era peculiar, piscaria o olhar e, com um leve sorriso, nos indicaria observar todos os cacos deixados sob o tapete.
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Resumo : A antropóloga brasileira Ruth Cardoso fez parte de uma geração que consolidou a Antropologia Urbana no Brasil. Sua obra reúne contribuições etnográficas sobre favelas e comunidades de baixa renda, bem como apostas analíticas sobre os movimentos sociais urbanos. Em diálogo consistente com autores como Manuel Castells e Alain Touraine, seus escritos chamaram atenção para os processos identitários que se forjam nas redes sociais que constituem sujeitos políticos, assinalando seus efeitos para repensar a cidadania em um ambiente intelectual ainda contaminado pelas teorias da marginalidade, pela teoria da dependência e pelos temores resultantes do autoritarismo que assolou o país por dois períodos : no Estado Novo instaurado por Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945, e na ditadura civil-militar de 1964 a 1985. Além do perfil acadêmico, o artigo assinala suas trajetórias entre o feminismo e a política que resultaram em desempenho singular como Primeira Dama do Brasil entre 1995 e 2002.