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Encyclopédie internationale
des histoires de l’anthropologie

Sinopse biográfica de Berta Ribeiro

Bianca Luiza Freire de Castro França

PPHPBC/FGV

2024
Pour citer cet article

França, Bianca Luiza Freire de Castro, 2024. “Sinopse biográfica de Berta Ribeiro”, in Bérose - Encyclopédie internationale des histoires de l'anthropologie, Paris.

URL Bérose : article3672.html

Berta Gleizer Ribeiro (1924-1997) foi uma antropóloga romena/brasileira, nascida em Beltz, na Bessarábia, região da Moldávia. Filha de um casal de judeus (o sindicalista comunista Motel Gleizer e Rosa Sadovnic Gleizer), tinha uma irmã mais velha Genny, Berta nasceu em um mundo abalado pela guerra e por políticas de perseguições anticomunistas e antissemitas. O pai emigrou em 1929 para o Brasil, fixando-se na comunidade judaica da Praça Onze no Rio de Janeiro. A mãe, não aguentando as privações e perseguições cometeu suicídio. Em 1932, as irmãs Gleizer chegaram ao Rio de Janeiro para viver com o pai. Apesar do clima de recomeço de vida no Brasil, Berta não contou com o carinho familiar e a segurança da comunidade judaica da Praça Onze por muito tempo. Em 1935, sua irmã Genny foi presa em São Paulo, para onde se mudou à trabalho, acusada pelo Governo Vargas de ser uma espiã comunista disfarçada, e expulsa do Brasil no mesmo ano. O pai de Berta teria o mesmo destino da filha Genny, no ano seguinte, morrendo meses depois da França acometido por tuberculose.

Berta fica sozinha aos 11 anos de idade, indo morar com a Família Fridman (primos de seu pai), em São Paulo. Já em São Paulo, matriculou-se na Escola do Comércio Álvares Penteado, onde frequentou o curso técnico em Contabilidade e aprendeu a datilografar, atividade que levaria com carinho pela vida inteira demonstrando muito apego às suas máquinas de escrever e ao ato de datilografar não só sua obra, mas cartas e cartões aos amigos e interlocutores. Iria também datilografar grande parte da obra do marido, o antropólogo e político Darcy Ribeiro, com quem foi casada por 25 anos, separada por 25 anos e voltou a namorar no fim da vida. Ambos acometidos pelo câncer terminaram suas vidas juntos, Darcy morreu em fevereiro de 1997 e Berta em novembro de 1997.

Berta foi iniciada à carreira de etnóloga por Darcy em trabalho de campo entre os Kadiwéu 1948. Acompanha o marido nas expedições, organizando e datilografando o material coletado e analisado. “De seu amor por Darcy adveio a paixão pela Antropologia, despertada nas primeiras expedições do marido entre 1949 e 1951” – disse a amiga do casal a socióloga Maria Stella Amorim (1936 – 1922). Berta foi a principal interlocutora antropológica de Darcy entre 1948 e 1974 (anos em que foram casados), datilografando sua obra e o auxiliando nas pesquisas arquivísticas, bibliográficas e de campo entre os indígenas. Os antropólogos também coordenaram juntos a publicação Suma Etnológica Brasileira, publicada em 1986, que é a versão brasileira e atualizada do Hand Book Of South American Indians.

Foi graduada em Geografia e História, antropóloga e etnógrafa, e museóloga. Contribuiu para a Antropologia brasileira, no século XX, através de seus estudos sobre cultura material e arte visual dos indígenas brasileiros, bem como, para os estudos sobre a Adaptabilidade Humana em Trópicos Úmidos, temática cara para o ramo da Antropologia Ecológica. Berta utilizava seus estudos sobre cultura material e arte visual como fio condutor para levantar questões acerca da contribuição indígena para uma exploração mais sustentável dos recursos naturais através dos etnosaberes : manejo hídrico e agrícola, domínio da Astronomia, Etnobotânica, Etnofarmacologia, domínio da fauna e da flora, dentre outras tecnologias indígenas atreladas às “Artes da Vida”, como cerâmica, fiação, tecelagem, trançado e plumária.

Seu legado reúne os conhecimentos mais avançados existentes em sua época sobre a floresta amazônica e a cultura material, arte visual e adaptabilidade humana de seus povos originários. Berta é responsável pela criação do conceito de TecEconomia que não inclui somente as máquinas e ferramentas utilizadas por certa cultura, mas também a forma pela qual elas são organizadas para uso e mesmo o conhecimento científico que as torna possíveis. Ou seja, o conceito pode ser aplicado ao conhecimento e classificação das matérias-primas e às técnicas empregadas, bem como à divisão do trabalho, tempo dedicado à atividade artesanal, escambo intra e intertribal e com a sociedade nacional. Foi pioneira nos aspectos colaborativos da coprodução etnográfica entre indígenas e antropólogos na pesquisa de campo, ao dar autoria do livro Antes o Mundo Não Existia : mitologia dos antigos Desâna-Kêhíripõrã sobre mitologia Desana para dois indígenas desse povo que eram seus colaboradores – Firmiano e Luiz Lana (pai e filho).

É possível promover diálogos profícuos entre a obra de Berta e os estudos contemporâneos da Antropologia da materialidade, e com os estudos antropológicos contemporâneos relacionados à vida vegetal. Dentre as antropólogas influenciadas pela obra de Berta, podemos citar : Lúcia Hússak van Velthem (Museu Paraense Emílio Goeldi) e Regina Pollo Müller (Unicamp).

Berta ao longo de sua carreira realizou pesquisas e estudos em diferentes campos do conhecimento : Antropologia, Museologia, Ecologia e História. Formou coleções para museus brasileiros, foi idealizadora e curadora de exposições, pesquisadora, escritora, produtora de audiovisual, militante da causa indígena e da divulgação científica. Foi também professora da área de concentração em Antropologia da Arte do Mestrado em História da Arte (hoje Programa de Pós-graduação em Artes Visuais) na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como professora universitária orientou trabalhos como os do artista plástico Francisco Oiticica (pesquisador, escritor e curador independente) e da museóloga Ione Couto (Instituto Histórico Geográfico Brasileiro - IHGB e consultora da Unesco).

Ao todo, publicou : cinco artigos em catálogos ; dezessete artigos em periódicos nacionais ; cinco artigos em periódicos estrangeiros ; dezenove capítulos publicados em livros diversos ; nove livros publicados e três textos inéditos, dentre eles sua tese de doutorado. Dentre todas as suas obras podemos citar como as mais importantes : os livros voltados para professores secundários O Índio da História do Brasil, publicado em 1983, e O Índio na Cultura Brasileira, publicado em 1987 ; o Dicionário do Artesanato Indígena, publicado em 1988 ; o livro guia da exposição Amazônia Urgente : Cinco Séculos de História e Ecologia, de 1990. Em 1995, já doente, foi condecorada comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico, insígnia concedida pelo governo brasileiro a cientistas ilustres. Faleceu em 17 de novembro de 1997 e foi sepultada no Cemitério Comunal Israelita do Rio de Janeiro, no bairro do Caju.