Introdução
Escritor, poeta, musicólogo, pesquisador e professor, Mário Raul de Moraes Andrade, conhecido como Mário de Andrade, foi um dos líderes do “Modernismo”, movimento de renovação artística e intelectual que marcou a primeira metade do século XX no Brasil, . Viveu sempre em São Paulo, com exceção do período entre 1938 e 1941, quando, por razões políticas e profissionais, morou no Rio de Janeiro ; e nunca saiu do Brasil, a não ser quando, em viagem pela Amazônia, esteve brevemente no Peru e na Bolívia.
Suas atividades como intelectual estiveram visceralmente ligadas a um engajamento público com diversas facetas. Trocou extensa correspondência com colegas de outros estados e também com escritores mais jovens, através da qual procurava discutir, estimular e renovar horizontes culturais. Exerceu ampla atividade na imprensa cotidiana, escrevendo sobre música, literatura e vida cultural. Prestou diversas consultorias a órgãos públicos federais sobre assuntos culturais, atuando também diretamente em organismos como o Instituto Nacional do Livro e o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. E finalmente, dirigiu a primeira instituição criada no Brasil para a cultura como setor da vida pública, o Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. Sua extensa obra escrita, que produziu em íntima conexão com as atividades mencionadas, foi por ele próprio definida em 1928 como ’ obra interessada, de ação’ (Andrade, 2022, p.114). Esse ’interesse’ e essa ’ação’ ligavam-se a um projeto de construção cultural de um país onde, na primeira metade do século XX, debatia-se intensamente sobre identidade, possibilidades e destino social e político nacionais.
O engajamento de Mário de Andrade com o que chamou de ’abrasileiramento do Brasil’ imbricava-se com a ampliação do conhecimento sobre o país, à qual dedicou-se com afinco através de leituras, estudos, viagens e pesquisas. Nestes trabalhos, a etnografia ocupou lugar de destaque, como prática, como tema de reflexão, e como estímulo a seus contemporâneos. Nas pesquisas que realizou pessoalmente, sua paixão pela música, bem como sua formação e atividade profissional nesta área, deixaram marca profunda.
Formação e primeiras atividades poéticas
São Paulo o viu primeiro.Foi em [18]93.Nasceu, acompanhado daquela estragosa sensibilidade que deprime os seres e prejudica as existências, medroso e humilde.E para a publicação destes poemas, sentiu-se mais medroso e mais humilde, que ao nascer.- Mário de Andrade, Há uma gota de sangue em cada poema, 1917.
Nascido numa família de classe média da capital paulista, Mário de Andrade teve formação católica e desde cedo interessou-se pelas Letras e Humanidades. Estudou literatura e filosofia em cursos livres de nível superior oferecidos no Mosteiro de São Bento, mas não completou nenhum curso universitário. Seus únicos diplomas após o ensino médio foram obtidos no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde estudou piano, canto, estética e história da música ocidental.
No que se refere à sua vida pessoal, não se casou nem teve filhos. Seu pai morreu em 1917, e ele continuou morando com a mãe, uma tia, irmãos e outros familiares, mesmo quando mais tarde já trabalhava para se sustentar. Quando tinha 27 anos, a família se mudou para uma ampla casa de dois andares na rua Lopes Chaves, 546, no bairro da Barra Funda, região central da cidade. Lá havia espaço para seu escritório, biblioteca e sala de música, onde dava aulas particulares de piano. Depois de sua morte, essa casa foi adquirida pela prefeitura de São Paulo e hoje abriga um centro cultural com o nome do escritor.
Durante a adolescência, considerou seriamente tornar-se pianista profissional, mas um evento trágico mudou seus rumos. Seu irmão mais jovem, Renato, que também estudava piano, veio a falecer após uma queda e traumatismo craniano. Mário de Andrade passou por um período de depressão ; ao recuperar-se, deixou de lado a carreira de pianista. Seguiu estudando música, e ao longo da vida foi professor de piano, estética e história da música, mas nunca atuou como concertista. Sua veia artística foi direcionada para a literatura ; o interesse pela música permaneceu em suas atividades profissionais como professor, em seus escritos e em suas pesquisas.
Em 1917, publicou seu primeiro livro, Há uma gota de sangue em cada poema, reunião de poemas pacifistas motivados pelo horror que sentiu diante das notícias sobre a guerra de 1914-1918 na Europa. Este livro não teve impacto no público ou na crítica, e foi mais tarde considerado pelo autor como parte de sua “obra imatura” (Andrade, 1972). A grande estreia literária viria em 1922, com o livro Pauliceia desvairada, coletânea de poemas em versos livres, inspirados pela cidade de São Paulo, já então o mais importante centro econômico do país. Em fevereiro daquele ano, Mário de Andrade havia sido um dos idealizadores e protagonistas da Semana de Arte Moderna, um festival de literatura, música e artes plásticas, que representou o lançamento do “movimento modernista”.
Sou um tupi tangendo um alaúde !- Mário de Andrade, Pauliceia desvairada, 1922.
Modernismo e etnografia nos anos 1920
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Se o incitavam a falar exclamava : “Ai ! Que preguiça !...” (...)
Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha, espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando palavras feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar.
Mário de Andrade, Macunaíma, 1928, p.5.
A Semana alçou Mário de Andrade à liderança da renovação artística no Brasil. Nos anos seguintes, ele publicou outros livros de poemas, contos, romances e um ensaio sobre poesia moderna. Seu engajamento na renovação artística, porém, se associou cada vez mais a uma militância cultural de maior amplitude, que o levou a leituras e pesquisas etnográficas, em busca de conhecimentos sobre o país e suas tradições populares. Essas leituras e pesquisas influíram diretamente em diversas de suas obras literárias, e especialmente em seu livro mais famoso, publicado em 1928 : Macunaíma, romance de difícil classificação, obra emblemática do modernismo brasileiro. O personagem-título da obra foi inspirado por um herói mítico de indígenas da região de fronteira entre o Brasil e a Venezuela, os Arekuna e Taulipang, cujos “mitos e lendas” foram publicados em 1924 pelo antropólogo alemão Theodor Koch-Grünberg no segundo volume de seu livro Vom Roraima zum Orinoco (Lopez, 2013).
Em 1927, Mário de Andrade havia feito uma viagem de três meses à Amazônia, indo pelo grande rio até o Peru, e depois pelo rio Madeira até a Bolívia. Viajou de novo no final de 1928, ficando desta vez na região nordeste do país (estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte) até março de 1929. Escreveu diários e anotações nas duas viagens, mas há uma nítida diferença entre os dois conjuntos. Na primeira viagem, as notas pretendiam preparar a escrita de um novo livro de literatura modernista (Macunaíma já estava pronto, embora a publicação fosse posterior à viagem). A segunda viagem, porém, é caracterizada por Mário de Andrade como “etnográfica” ; dedica-se principalmente a observar e descrever a música popular tradicional da região nordeste, com destaque para o que chamou de “danças dramáticas”, formas de teatro ao ar-livre, cantado e dançado. As anotações destas duas viagens serão a base de importantes projetos de publicação, só concretizados postumamente : o relato de viagens O turista aprendiz (Andrade, 2015 ; primeira edição em 1976) e o livro em três volumes, obra pioneira da etnomusicologia brasileira, Danças dramáticas do Brasil (Andrade,1982 ; primeira edição em 1959).
Outro importante livro de Mário de Andrade publicado em 1928 é o Ensaio sobre música brasileira [1] (Andrade, 2020). Antes desse livro, escritores como José de Alencar (1829-1877), Celso de Magalhães (1849 ?-1879), e principalmente Sílvio Romero (1851-1914), haviam escrito sobre canções populares no país e anotado seus textos. Também já havia antologias de canções folclóricas com as respectivas melodias, sobretudo para uso na educação infantil, como as de Júlia Brito Mendes [2] e de Alexina Magalhães Pinto (1870-1921). Mas era a primeira vez que o cancioneiro popular brasileiro era tema de uma síntese musicológica, com capítulos sobre “Ritmo”, “Melodia”, “Polifonia”, “Instrumentação” e “Forma”. A segunda parte do livro traz uma ampla “Exposição de melodias populares” brasileiras, seguidas de comentários e variantes.
O livro traz algumas melodias escutadas pelo autor na viagem à Amazônia ou em outras ocasiões, mas é em grande parte fruto de pesquisa bibliográfica, e da colaboração de amigos e correspondentes de Mário de Andrade, que de todo o país lhe enviaram letras e músicas. Entre os colaboradores do livro, podemos mencionar o compositor carioca Luciano Gallet (1893-1931), o poeta pernambucano Ascenso Ferreira (1895-1965) e o crítico de arte norte-riograndense Antônio Bento de Araújo Lima (1902-1988).
Como será a escurezaDesse mato-virgem do Acre ?Como serão os aromasA macieza ou a asperezaDesse chão que é também meu ?Que miséria ! Eu não escutoA nota do uirapuru !...Tenho de ver por tabela,Sentir pelo que me contam,Você, seringueiro do Acre,Brasileiro que nem eu.- Mário de Andrade, “Acalanto do seringueiro”, Clã do jaboti, 1927.
Mário de Andrade e o contexto político dos anos 1930
Brasil amado não porque seja minha pátria,Pátria é o acaso das migrações e do pão-nosso onde Deus der...Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço venturoso,O gosto dos meus descansos,O balanço das minhas cantigas amores e danças.Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,Porque é o meu sentimento pachorrento,Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.- Mário de Andrade, “O poeta come amendoim”, Clã do jaboti, 1927.
A trajetória de Mário de Andrade entre 1930 e 1945, quando vem a falecer, está profundamente ligada às turbulências da vida brasileira no período, de cujos eventos culturais ele foi um dos protagonistas. Seu irmão mais velho, Carlos de Moraes Andrade, era advogado e estava entre os fundadores, em 1926, do Partido Democrático (PD), que se opunha ao sistema político-eleitoral vigente, marcado por exclusões e corrupção. Em 1927, membros do PD criam um novo jornal em São Paulo, o Diário Nacional, órgão oficial do partido, no qual Mário de Andrade colaborou assiduamente (Andrade, 1976a).
Nas eleições presidenciais de março de 1930, o PD apoiou a chapa de oposição, dita “Aliança Liberal”, que trazia Getúlio Vargas e João Pessoa, lideranças regionais do sul e do norte do país respectivamente, contra a chapa da situação, encabeçada pelo paulista Júlio Prestes. Mário de Andrade comparece a comícios da Aliança Liberal e escreve um artigo onde comenta e analisa as palavras-de-ordem ritmadas, escandidas em coro pela multidão (Andrade, 1976b [1933]).
Júlio Prestes ganha as eleições, mas as denúncias de fraude se avolumam. Em julho de 1930, João Pessoa é assassinado no Rio de Janeiro por adversários políticos, causando imensa comoção no país. Foi o estopim para que a revolução se articulasse. Ela eclode a 3 de outubro, e em três semanas põe fim à Primeira República, instalando um Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas.
A família de Mário de Andrade apoiou entusiasticamente a revolução ; o PD, onde militava seu irmão, não exerceu, porém, qualquer liderança no desenrolar dos acontecimentos. Os governadores que estavam no poder foram afastados, e o Governo Provisório nomeou “interventores” em seus lugares. Para o papel de interventor em São Paulo foi escolhido, sob protestos do PD, João Alberto Lins de Barros , um militar considerado “radical”, que não pertencia aos quadros políticos locais, e nem ao menos era paulista (mas pernambucano). A tendência centralizadora do novo regime acabou levando a uma sublevação armada, iniciada em São Paulo em julho de 1932, que ficou conhecida como “Revolução Constitucionalista”.
Mário de Andrade e sua família apoiaram o movimento e participaram através de doações de roupas, bens a serem vendidos para financiamento da guerra, e dinheiro. Ele e muitos de seus companheiros modernistas também contribuíram escrevendo textos de propaganda e defesa da causa dos revoltosos. Mas as tropas reunidas em São Paulo eram muito menores que as tropas leais ao governo federal ; a diferença de recursos bélicos e logísticos era também gritante. Após quase três meses de luta, os revoltosos se renderam no início de outubro. Carlos de Moraes Andrade estava entre os prisioneiros.
Mas a derrota militar não esmoreceu os paulistas. A luta pela constitucionalização havia unido o estado, e diversos atores políticos que não tinham acompanhado o movimento armado comungavam do anseio por uma normalização constitucional. O resultado é que, nas palavras do historiador Boris Fausto, “embora vitorioso, o governo percebeu mais claramente a impossibilidade de ignorar a elite paulista. Os derrotados, por sua vez, compreenderam que teriam de estabelecer algum tipo de compromisso com o poder central” (Fausto, 1994, p.350). Em janeiro de 1933, poucos meses após o encerramento dos combates, Getúlio Vargas finalmente convoca uma Assembleia Constituinte. Em agosto, faz outra importante concessão aos paulistas, ao nomear como interventor no estado uma liderança local, ligada ao PD, o engenheiro e empresário Armando de Sales Oliveira.
Os anos seguintes foram notáveis para o estado de São Paulo no plano educacional e cultural. É possível que os investimentos realizados pelas lideranças paulistas nestas áreas estejam ligados à ideia de que desse modo seria possível recuperar a influência nos rumos do país, enfraquecida no plano diretamente político. A mais importante realização educacional de Armando de Sales Oliveira foi a criação, em 1934, da Universidade de São Paulo, cujo campus principal hoje leva seu nome. O que aqui nos interessa mais de perto, porém, é que o prefeito nomeado por Sales Oliveira para a capital, o também engenheiro e empresário Fábio Prado, criou na administração municipal um “Departamento de Cultura”, e por sugestão de seu Chefe de Gabinete, Paulo Duarte, convidou Mário de Andrade para dirigi-lo.
O Departamento de Cultura e seu apoio a pesquisas etnográficas
Um compositor que mora no Rio não acha jeito de ir saber o que é a música popular da região missioneira ou de Mato Grosso, da mesma forma que um compositor paulista não tem como ir ao Amazonas ou ao sertão da Bahia. A lerdeza e o custo dos transportes lhe proíbem a viagem (...) Mas então onde que está a musicologia brasileira, as entidades culturais apropriadas, que recolham o folclore em discos, estudem e publiquem esses discos ? Não há verba, não há verba, é a resposta dos poderes públicos e dos capitalistas.
Mário de Andrade, O banquete, 1944, p.52.
O Departamento de Cultura do Município de São Paulo foi a primeira instituição governamental com esta função no Brasil. Criado em maio de 1935, foi dirigido por Mário de Andrade por pouco menos de três anos, mas as iniciativas e projetos desenvolvidos neste curto período deixaram profunda marca na cidade, e também nas políticas culturais brasileiras. O Departamento se organizava com uma Divisão de Bibliotecas, chefiada pelo bibliófilo Rubens Borba de Moraes (1899-1986) e uma Divisão de Documentação Histórica e Social, dirigida pelo poeta e ensaísta Sérgio Milliet (1898-1966) ; Moraes e Milliet faziam parte do grupo modernista de São Paulo. Havia também uma divisão de Educação e Recreio, chefiada por Nicanor Miranda, e uma Divisão de Expansão Cultural, cuja chefia era acumulada pelo próprio Mário de Andrade.
Dentro da Divisão de Expansão Cultural iriam surgir os projetos mais caros a Mário de Andrade, muitos deles relacionados a pesquisas musicais e etnográficas. Talvez o mais significativo tenha sido a criação da Discoteca Pública Municipal que seria dirigida por Oneyda Alvarenga (1911-1984), sua ex-aluna de piano no Conservatório, e importante pioneira da etnomusicologia brasileira (Valentini, 2013 ; Carozze, 2014). A Discoteca foi concebida não apenas como uma instituição de acesso público a discos, então o principal suporte de música gravada, e ainda relativamente caro : foi também uma instituição de pesquisa musical (e, em menor medida, linguística). O organismo adquiriu em 1936 equipamentos técnicos de excelente qualidade para gravação, fotografia e filmagem de danças e músicas populares (Calil e Penteado, 2015, p.112). Também foram realizadas gravações de interesse fonético relativas às diferentes pronúncias da língua portuguesa não só em São Paulo, mas em diferentes regiões do Brasil.
Outro projeto caro a Mário de Andrade, ligado à Divisão de Expansão Cultural do Departamento de Cultura, foi a criação de uma Sociedade de Etnografia e Folclore (SEF). A criação da SEF beneficiou-se com a presença em São Paulo de Claude e Dina Lévi-Strauss. Claude Lévi-Strauss (1908-2009), então com 27 anos, tinha vindo da França na segunda leva de professores estrangeiros contratados para a USP (Peixoto, 1998). Chegou no início de 1935, acompanhado da esposa, Dina Lévi-Strauss (1911-1999), cujo nome de solteira era Dreyfus [3]. Nenhum dos dois tinha formação acadêmica em antropologia, nem experiência prévia em pesquisas de campo. Mas Dina Lévi-Strauss, diferentemente de seu marido, havia estudado com Marcel Mauss (1872-1950) no Instituto de Etnologia, em Paris, e realizado trabalhos práticos sob orientação de Paul Rivet (1876-1958) no Museu de Etnografia do Trocadéro (Portela, 2020).
Mário de Andrade e o casal Lévi-Strauss se conheceram no segundo semestre de 1935, quando os jovens franceses vieram pedir apoio do Departamento para a expedição etnográfica que se preparavam para realizar entre os Bororo e Kadiwéu, no Mato Grosso. O apoio obtido destinava-se especificamente à realização de filmes etnográficos, como se lê em ofício assinado por Mário de Andrade a 7 de novembro de 1935 :
O professor Lévi-Strauss, da Universidade de São Paulo, e sua esposa, que é também notável etnógrafa, ex-assistente do professor Rivet no Museu Etnográfico do Trocadéro, vão realizar uma excursão ao estado do Mato Grosso, afim de estudar costumes dos nossos índios (...). O professor Lévi-Strauss prontifica-se a dar o resultado dos seus estudos para ser publicado em primeira mão pela Revista do Arquivo [publicação oficial do Departamento de Cultura]. Prontifica-se mais a (...) tirar o filme etnográfico da viagem, que ficará de posse do Departamento de Cultura. Para esta última realização faz-se necessário uma subvenção de quatro contos de réis. (Citado em Calil e Penteado, 2015, p.290-291).
Vê-se no mesmo ofício (cujo fac-símile está na referência citada) que o prefeito autoriza a despesa no mesmo dia ; outras duas assinaturas necessárias para a liberação da verba são também da mesma data. Pouco mais de dois anos depois, no início de 1938, a intervenção de Mário de Andrade também seria decisiva para obter autorização do Museu Nacional para a segunda e mais ambiciosa expedição de Lévi-Strauss, a famosa “Expedição à Serra do Norte”, entre maio e dezembro de 1938 (Grupioni, 1998) [4].
Pouco depois de voltar da primeira viagem, Dina Lévi-Strauss é convidada por Mário de Andrade a ministrar, com apoio do Departamento, o que foi (até onde sabemos) o primeiro curso de Etnografia oferecido no Brasil. O curso teve início em abril de 1936 e durou até outubro, com duas aulas por semana e mais de sessenta alunos. Entre estes alunos, contam-se diversos nomes que viriam a ter destaque nos primórdios da antropologia em São Paulo, como Mário Wagner Vieira da Cunha (1912-2003 ; sobre ele, Pinheiro Filho e Miceli, 2008), Lavínia Costa Villela (depois, por casamento, Lavínia Costa Raymond, 1907- ? ; sobre ela, Gomes e Abreu, 2022) e Gioconda Mussolini (1913-1969 ; sobre ela, Ciacchi, 2015). Também estava entre os alunos o jovem arquiteto Luís Saia, que se tornaria o líder da Missão de Pesquisas Folclóricas do Departamento de Cultura, como veremos.
Naquele mesmo ano de 1936 a Revista do Arquivo Municipal, órgão oficial do Departamento de Cultura, publica a “Contribuição para o estudo da organização social dos índios Bororo”, de Claude Lévi-Strauss, primeiro artigo etnográfico de quem viria a ser um dos maiores antropólogos do século XX. Na sequência, a revista passa a publicar uma sessão chamada de “Arquivo Etnográfico”, onde trabalhos dos alunos do curso de etnografia seriam publicados. Também em 1936, o departamento publica as Instruções práticas para pesquisa de antropologia física e cultural, I, onde Dina Lévi-Strauss sistematizava por escrito uma parte do curso que estava dando no Departamento de Cultura.
Em novembro, o casal Lévi-Strauss iria de férias para a França, onde apresentaria uma exposição etnográfica com os materiais obtidos um ano antes no Mato Grosso. No almoço de despedida oferecido pelos alunos a Dina Lévi-Strauss, Mário de Andrade pede a palavra e propõe a criação de um “Clube de Etnografia”, para o qual ele já tinha garantido recursos no orçamento do Departamento de Cultura, incluindo a publicação de um boletim (Sandroni, 2002). A primeira reunião do “Clube” ocorre a 4 de abril de 1937, onde se discute sua organização e estatutos. Em maio, o nome da instituição muda para “Sociedade de Etnografia e Folclore”, e é eleita a diretoria, presidida por Mário de Andrade e secretariada por Dina Lévi-Strauss. A SEF estará ativa até 1939 ; em 1937, Dina Lévi-Strauss passa a trabalhar também como assessora no Departamento de Cultura (Soares, 1983 ; Shimabukuro, 2004).
O último e mais ambicioso projeto de pesquisa realizado pelo Departamento de Cultura foi a Missão de Pesquisas Folclóricas enviada ao Nordeste e Norte do país. Embora fosse caracterizada como “de pesquisas folclóricas”, na prática a maior ênfase da Missão foi dada à música popular tradicional, quase sempre associada a danças e à poesia oral. Sendo assim, a Missão esteve subordinada à Discoteca Pública Municipal e embora tenha sido concebida e planejada por Mário de Andrade, foi supervisionada por Oneyda Alvarenga, como veremos a seguir.
A equipe era composta por quatro pesquisadores munidos de equipamentos de registro sonoro e visual adquiridos pelo Departamento. Percorreu os estados de Pernambuco e da Paraíba, na região Nordeste, e as cidades de São Luís e Belém, capitais, respectivamente, dos estados do Maranhão (ainda na região nordeste) e do Pará (na região Norte). O líder da Missão era, como vimos, Luís Saia (1911-1975), que tinha feito o curso de etnografia com Dina Lévi-Strauss ; completavam o grupo o músico de origem austríaca Martin Braunwieser (1901-1991), o técnico de som Benedito Pacheco, e o ajudante Antônio Ladeira.
A Missão funcionou de fevereiro a julho de 1938 e produziu cerca de 35 horas de gravação, além de trazer cerca de uma hora de filmes e centenas de fotografias, objetos, fichas e anotações. Foi o primeiro grande empreendimento público de gravação de música popular tradicional brasileira ; as gravações de música indígena realizadas anteriormente pelo Museu Nacional não possuem amplitude comparável. O acervo reunido foi enviado à Discoteca Pública, e com base nele, Oneyda Alvarenga publicou diversos livros e discos nos anos 1940 e 1950 (Carlini e Leite, 1993 ; Carlini, 1994).
Colaboração com Gustavo Capanema e período no Rio de Janeiro
Se todos esses dinossauros imponentes de luxo e diamanteVorazes de genealogias e de arcanosQuisessem reconquistar o passado...- Mário de Andrade, “Meditação sobre o Tietê”, Lira Paulistana, 1945.
Mário de Andrade também colaborou intensamente, desde 1935, com o governo federal na condução de assuntos culturais. Seus principais interlocutores foram o Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, e o assessor deste para assuntos de patrimônio cultural, Rodrigo Mello Franco de Andrade. Capanema foi nomeado ministro por Getúlio Vargas em 1934, e viria a ser a figura-chave da política cultural brasileira, com a intensa colaboração de modernistas da segunda geração, incluindo o grande poeta Carlos Drummond de Andrade [5], seu Chefe de Gabinete do ministério até 1945 (Schwartzman, Bomeny e Costa, 2000).
A colaboração de Mário de Andrade com o ministro envolveu diversos temas, com destaque para o tema da proteção ao patrimônio cultural. Neste aspecto, o elo entre os dois foi Rodrigo Mello Franco de Andrade [6] , advogado e jornalista que se aproximara dos modernistas ao longo dos anos 1920, e trabalhava desde 1934 com Capanema na criação de um organismo federal de proteção ao patrimônio histórico e artístico.
No início de 1936, o ministro Capanema solicitou a Mário de Andrade que escrevesse um anteprojeto para o que se chamou, inicialmente, “Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, ou “SPHAN”. O anteprojeto produzido pelo escritor era muito ambicioso, propondo que o estado protegesse oito categorias de patrimônio cultural : patrimônio arqueológico, ameríndio, popular, histórico, artes eruditas nacionais, artes eruditas estrangeiras, artes aplicadas nacionais e artes aplicadas estrangeiras (Andrade, 2002b).
A implementação do anteprojeto ficou a cargo de Rodrigo M. F. de Andrade. A instituição foi definitivamente estruturada no final de 1937, mas com o escopo significativamente reduzido : o patrimônio ameríndio e o patrimônio dito “popular” quase não receberam atenção [7]. O SPHAN tratou principalmente do patrimônio arquitetônico, e em menor medida, de outros tipos de patrimônio histórico e artístico associados à cultura oficial e letrada. (Mais tarde, o nome do organismo mudou para “Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, IPHAN. E suas atividades, sobretudo a partir do ano 2000, passaram a incluir também o patrimônio indígena e a cultura popular.)
Meses depois de enviar seu anteprojeto, Mário de Andrade foi convidado a trabalhar como Assistente Técnico do Ministério da Educação e Saúde para o patrimônio cultural no Estado de São Paulo (Andrade, 1981, p.65). Sua nomeação para este posto foi debatida por carta entre os dois amigos ; o escritor relutava em aceitar, pois seu trabalho no Departamento de Cultura deixava pouco tempo para outras atividades. A solução afinal encontrada é que Mário de Andrade ficaria com o cargo, mas usaria o salário para pagar pesquisadores por ele orientados (Andrade, 1981, p.65-66). Um dos argumentos trazidos a favor da aceitação é que o próprio Departamento de Cultura tinha entre suas competências a “defesa do patrimônio histórico e artístico do Município [de São Paulo]” (Tércio, 2019, p.384).
Veremos que Mário de Andrade voltará, alguns anos depois, a trabalhar como Assistente Técnico do SPHAN para São Paulo ; mas antes disso, a situação política sofreria nova reviravolta. Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas deu um golpe de estado, anulou as eleições presidenciais previstas para 1938 e impôs ao país o regime ditatorial do “Estado Novo”. No mesmo instante, a situação de Mário de Andrade à frente do Departamento de Cultura começou a periclitar, como ele próprio logo percebeu. Mas cerca de seis meses ainda se passariam até que seu afastamento se consumasse. Armando de Sales Oliveira foi detido imediatamente ; posto em prisão domiciliar, partiu para o exílio um ano depois. Seus principais aliados também foram presos, e depois exilados. Carlos de Moraes Andrade, então deputado federal por São Paulo, também foi preso, mas por pouco tempo, e não precisou exilar-se.
A situação profissional de Mário de Andrade mudou drasticamente com a nova conjuntura política. Getúlio Vargas impôs ao país uma nova constituição, e esta proibia acumulação de cargos públicos em qualquer âmbito administrativo. Assim, em dezembro de 1937, Mário de Andrade deixa de trabalhar como assistente técnico do SPHAN em São Paulo ; no início de 1938, deixou também de lecionar no Conservatório (que recebia subvenções públicas), ficando apenas com seu emprego no Departamento de Cultura. Sua situação na prefeitura, porém, não era estável : os cargos de direção do Departamento de Cultura eram cargos de confiança do prefeito, e este era nomeado pelo governador. O substituto de Armando de Sales Oliveira, Cardoso de Melo Neto, manteve Fábio Prado como prefeito de São Paulo. Prado, vendo a situação política cada vez mais difícil, conseguiu que Mário de Andrade e outros diretores fossem efetivados como funcionários da prefeitura.
Em abril de 1938, os últimos vestígios da situação política que tinha vigorado desde 1934 foram varridos. Getúlio Vargas demitiu Cardoso de Melo Neto e nomeou um novo interventor, Ademar de Barros, que exonerou Fábio Prado. Mário de Andrade se reuniu com o novo prefeito, Prestes Maia, no dia 10 de maio, e viu-se demitido da Chefia do Departamento no mesmo dia. Como tinha se tornado funcionário público, permaneceu como chefe da Divisão de Expansão Cultural por mais dois meses. Ao mesmo tempo, a Missão de Pesquisas Folclóricas continuava suas atividades no nordeste. Esta situação durou até 13 de julho, quando o prefeito pôs o ilustre funcionário à disposição da Prefeitura do Distrito Federal, “sem vencimentos” ; no dia 19, Mário de Andrade encontrou no porto do Rio de Janeiro os quatro integrantes da Missão que voltavam para São Paulo com o material recolhido.
Vimos que Mário de Andrade já vinha colaborando com Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde que foi um “ministro da cultura” antes que o cargo existisse. Este, assim como seu colaborador Rodrigo M. F. de Andrade, queria que o escritor viesse trabalhar com eles no Rio de Janeiro. Mas não chegaram a um acordo quanto ao posto que lhe seria oferecido, até que em julho de 1938 uma oportunidade surgiu, não no ministério, mas na Universidade do Distrito Federal (UDF), criada em 1935 pela prefeitura do Rio de Janeiro. Seus cargos seriam os de diretor do Instituto de Artes e professor de Estética e História da Arte. É dessa época o importante texto “O artista e o artesão”, aula inaugural do curso que Mário de Andrade ministrou no segundo semestre de 1938 (Andrade, 1975).
A UDF dispunha de autonomia em relação ao governo federal e acolheu diversos professores vistos então como ’esquerdistas’, ou que, em todo caso, desagradavam lideranças católicas que tinham influência no governo. O ministro Capanema se resignou a que Mário de Andrade resolvesse na UDF sua situação profissional, mas via a instituição como concorrente de seu projeto de criar uma universidade federal na capital da República. No início de 1939, conseguiu, sob protestos veementes de Mário de Andrade, que Getúlio Vargas fechasse a UDF, deixando o escritor paulista sem emprego no Rio de Janeiro.
Mas Capanema havia insistido para que o escritor viesse para o Rio de Janeiro, e queria mantê-lo lá. A solução encontrada foi nomeá-lo consultor técnico do Instituto Nacional do Livro, criado em dezembro de 1937 e dirigido por outro escritor modernista, o gaúcho Augusto Meyer. O novo trabalho começou em maio de 1939, e a principal tarefa de Mário de Andrade foi escrever o anteprojeto de uma Enciclopédia Brasileira ; o anteprojeto ficou pronto em dezembro, mas a ambiciosa obra nunca se concretizou.
Por que os homens não me escutam ? Por que os governadoresNão me escutam ? Por que não me escutamOs plutocratas e todos os que são chefes e são fezes ?Todos os donos da vida ?Eu lhes daria o impossível e lhes daria o segredo,Eu lhes dava tudo aquilo que fica para cá do gritoMetálico dos números, e tudoO que está além da instituição cruenta da posse- Mário de Andrade, “Meditação sobre o Tietê”, Lira Paulistana, 1945.
Volta a São Paulo e anos finais
Garoa de meu São Paulo,– Triste timbre de martírios –Um negro vem vindo, é branco !Só bem perto fica negro,Passa e torna a ficar branco.Meu São Paulo da garoa,– Londres das neblinas finas –Um pobre vem vindo, é rico !Só bem perto fica pobre,Passa e torna a ficar rico.Garoa de meu São Paulo,– Costureira de malditos –Vem um rico, vem um branco,São sempre brancos e ricos...Garoa, sai dos meus olhos.- Mário de Andrade, Lira paulistana, 1945
No segundo semestre de 1940, Mário de Andrade decidiu regressar a São Paulo. Capanema e Rodrigo M.F. de Andrade não queriam abrir mão de sua colaboração, e conseguiram afinal designá-lo novamente como Assistente Técnico do SPHAN, responsável pelo estado de São Paulo. Em janeiro de 1941, o escritor voltou para a capital paulista e para a casa da família na rua Lopes Chaves. No novo trabalho, faria uma importante pesquisa sobre o Padre Jesuíno do Monte Carmelo, pintor e escultor ativo no final do século XVIII na cidade paulista de Itu. O relatório que resultou dessa pesquisa seria editado em forma de livro, o último livro de caráter técnico que ele concluíu, e que o SPHAN publicaria logo após sua morte, em 1945 (Andrade, 2013).
Os últimos anos de Mário de Andrade são descritos por seus biógrafos como marcados pela melancolia. Segundo Paulo Duarte, seu grande amigo e colega de trabalho na prefeitura de São Paulo, o escritor nunca se recuperou da decepção causada pela interrupção de seus projetos no Departamento de Cultura (Duarte, 1977). O período passado no Rio de Janeiro foi caracterizado, por alguém que com ele então conviveu, como um “exílio” (Castro, 1989). Seus problemas de saúde, constantes ao longo da vida, também se exacerbaram depois de 1938 (quando completou 45 anos).
Em 1942, o escritor trabalhou na organização e reescrita das notas que tomara nas viagens à Amazônia e ao Nordeste, no que seria o livro O turista aprendiz. Projetou a realização de um livro de “folclore musical”, que se chamaria Na pancada do ganzá, no qual apresentaria as melodias que anotara na região nordeste, acompanhadas de contextualizações e análises. Em 1943, retomou o trabalho no Conservatório e voltou a colaborar na imprensa paulista de maneira regular, com a importante coluna semanal “Mundo musical” (Coli, 1998).
Mário de Andrade faleceu em casa, devido a problemas cardíacos, no dia 16 de fevereiro de 1945. Seu arquivo pessoal, incluindo manuscritos, fichário, correspondência, biblioteca e acervo de obras de arte, encontra-se hoje no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. Seus manuscritos e sua vasta correspondência vêm sendo editados por pesquisadores da instituição. Também vêm sendo produzidas edições críticas de suas obras principais, e coletâneas de seus artigos antes inéditos. Os resultados de suas pesquisas musicais na região nordeste em 1928-1929 foram organizados por Oneyda Alvarenga e publicados em seis volumes entre 1959 e 1987 (Danças dramáticas do Brasil, em três volumes ; Música de feitiçaria no Brasil, Os cocos e As melodias do boi e outras peças).
O acervo da Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938, pelo qual Mário de Andrade tinha grande apreço, está no Centro Cultural São Paulo (CCSP), da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, organismo que sucedeu o Departamento de Cultura. A Discoteca Pública Municipal passou a chamar-se Discoteca Oneyda Alvarenga após a morte da musicóloga, e também está instalada no CCSP. Os documentos referentes aos trabalhos realizados por Alvarenga e seus colaboradores sob orientação de Mário de Andrade entre 1936 e 1938 encontram-se hoje reunidos no Acervo Histórico da Discoteca, também no CCSP.
Abre-te boca e proclamaEm plena Praça da Sé,O horror que o nazismo infameÉ.Abre-te boca e certeira,Sem piedade por ninguém,Conta os crimes que o estrangeiroTem.Mas exalta as nossas rosas,Esta primavera louca,Os tico-ticos mimosos,Cala-te boca.- Mário de Andrade, Lira paulistana, 1945.
As contribuições de Mário de Andrade à pesquisa sobre música popular tradicional
Dizem que sou modernista e... paciência ! O certo é que jamais neguei as tradições brasileiras, as estudo e procuro continuar a meu modo dentro delas. (...) O que a gente carece é distinguir tradição e tradição. Tem tradições móveis e tradições imóveis. Aquelas são úteis, têm importância enorme, a gente as deve conservar talqualmente são porque elas se transformam pelo simples fato da mobilidade que têm. Assim por exemplo a cantiga, a poesia e a dança populares. As tradições imóveis não evoluem por si mesmas. Na infinita maioria dos casos são prejudiciais.
Mário de Andrade, O turista aprendiz, 1929, p.254.
Em 1926, Mário de Andrade pede a seus alunos de origem nordestina no Conservatório de São Paulo que lhe apresentem músicas de sua região : assim toma contato com os cocos, tipo de canto e dança que viria a receber muita atenção do musicólogo [8]. As breves notas que toma então sobre características melódicas e rítmicas do gênero sublinham diferenças em relação à música europeia. Estas diferenças, na pena do escritor, apareciam como riquezas e possibilidades de novos conhecimentos e de novas criações artísticas, e não como defeitos ou lacunas, como tantas vezes ocorria entre músicos escolarizados da época. As notas se concluem com as seguintes palavras : ’Em todo caso todas estas observações carecem de maior controlação que só poderá ser feita por músico de verdade e na região. Vendo os caboclos dançando. E cantando’ (Andrade, 2002a, p.102).
As breves notas de 1926 são dignas de atenção, por sintetizarem algumas das principais inovações que seriam introduzidas por Mário de Andrade no panorama das pesquisas sobre música popular no Brasil. A primeira, como já dito, é a valorização de contrastes à visão convencional e eurocêntrica do que seja ’boa música’. Passagem muito citada, a ilustrar este ponto, é aquela em que, no diário da viagem ao nordeste, louva o cantador de cocos Chico Antônio, que conheceu num engenho do Rio Grande do Norte em 1929 : ’[Chico Antônio] não sabe que vale uma dúzia de Carusos’ (Andrade, 2015, p.315) [9]. Na mesma passagem, elogia aspectos técnicos da voz do cantador, como seu timbre e seu anasalado, profundamente distintos do padrão lírico dominante (mas não se furta a elogiar também seu amplo fôlego, ponto em que não há contraste obrigatório com cantores líricos). Fascina-o também, e talvez ainda mais, o que chama de ’valor social exato’ do canto de Chico Antônio : sua inserção no meio em que vive, que o torna capaz de ’manifestar esse poder de problemas estéticos, psicológicos, fisiológicos do fenômeno musical’ [10] (Andrade, 1993, p.169). Mário de Andrade arremata a comparação favorável ao cantador ’analfabeto’ e ’cachaceiro’ com irônica resignação : ’E terei de ir para São Paulo... E terei de escutar as temporadas líricas e as chiques dissonâncias dos modernos...’ (Andrade, 2015, p.316). A implicação é que às ’temporadas líricas’ e ’chiques dissonâncias’ falta ’valor social’. A crítica cultural, aqui associada ao relato etnográfico (como diriam muito depois Marcus e Fischer, 1999), foi desenvolvida pelo escritor em outros artigos (para as temporadas líricas Andrade, 1976c ; para as chiques dissonâncias, Andrade, 1976d).
Mário de Andrade volta a valorizar as peculiaridades da voz de Chico Antônio em debate com seu amigo Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), escritor e etnógrafo do Rio Grande do Norte que viria a se tornar o mais importante folclorista brasileiro do século XX (Moraes, 2010). Em Vaqueiros e cantadores, publicado em 1939, Cascudo fizera duras críticas à ’voz e [à] maneira de cantar dos cantadores nordestinos’, considerando-as ’duras’ e ’monótonas’ ; o musicólogo sai em defesa dos cantadores num artigo de jornal publicado em 1944 (Andrade, 1993, p.86). Não se limita a contrapor seu julgamento favorável ao julgamento desfavorável do amigo : acusa Cascudo de avaliar os cantadores nordestinos com base em preconceitos, que hoje chamaríamos de ’eurocêntricos’ :
Eu imagino que [Cascudo] se postou num ângulo preconceituoso de crítica [...], ajuizando do cantador conforme um bel-canto de escola. Não é possível. [...] Está claro que quem sai do concerto ou do teatro de ópera, tem de se acostumar primeiro a ouvir o cantador dentro do seu meio natural que é o ar livre. Mas liberto do preconceito do bel-canto europeu, encontra toda uma timbração e todo um estilo de cantar cheios de beleza. [...] Na verdade o bel-canto europeu só pode servir de padrão de julgamento para... o bel-canto europeu. (Andrade, 1993, p.86-88).
A atividade crítica de Mário de Andrade buscava, portanto, firmar parâmetros de apreciação e de conhecimento que fossem derivados das próprias manifestações musicais que se buscava conhecer, e não mecanicamente impostos a partir de perspectivas dominantes.
Quero sublinhar outros dois pontos, partindo das notas de Mário de Andrade já citadas, escritas em 1926 em São Paulo ao ouvir cocos pela primeira vez. Ligam-se à importância que o autor atribui, para a compreensão dos cocos, a ser ’músico de verdade’, e a estar ’na região’, isto é, em contato direto com os músicos. Quanto ao primeiro ponto, os autores que antes de Mário de Andrade escreveram em primeira mão sobre música do nordeste, tendo visto ’caboclos dançando e cantando’, como o cearense José de Alencar e o sergipano Sílvio Romero, não eram músicos. Quanto ao segundo ponto, os poucos músicos que até então tinham anotado melodias populares brasileiras em partituras, nada disseram sobre possíveis contatos diretos com cantadores, nem sobre as circunstâncias em que as melodias foram ouvidas.
Com Mário de Andrade, porém, temos pela primeira vez no Brasil um pesquisador de ’folclore musical’ (como se dizia) que, formado num conservatório, não se deixa encapsular pelas ferramentas ’conservatoriais’, mas ao contrário força-as sistematicamente contra seus próprios limites : ’Chico Antônio vai fraseando com uma força inventiva incomparável, tais sutilezas certas feitas que a notação erudita nem pense em grafar, se estrepa’ (Andrade, 2015, p.316). Além disso, suas anotações em partitura são acompanhadas não apenas por páginas antológicas de ’etnografia literária’, como as que abundam no Turista aprendiz, mas também com anotações detalhadas sobre seus ’colaboradores’ (palavra que usa, aliás, de preferência a ’informantes’), e em parte também sobre as circunstâncias em que interagiu com eles.
A importância que Mário de Andrade atribuía, em suas pesquisas, ao contato direto com colaboradores relevantes, e ao registro de informações sobre estes contatos, aparece de novo num debate com Cascudo. Numa importante carta escrita em 1937, o escritor paulista critica o pesquisador do Rio Grande do Norte por se ater excessivamente a fontes secundárias e às próprias lembranças, em vez de basear-se em trabalho de campo formalizado. Menciona o ’jeito anticientífico [dos estudos de Cascudo], a ausência de dados sobre como foram colhidos os dados, de quem etc.’, e arremata :
Você tem aí a riqueza folclórica passando na rua a qualquer hora. [...] Você precisa um bocado mais descer dessa rede em que você passa o tempo inteiro lendo até dormir. Não faça escritos ao vai-vem da rede, faça escritos caídos das bocas e dos hábitos que você foi buscar na casa, no mocambo, no antro, na festança, na plantação, no cais, no boteco do povo. (Andrade, em Moraes, 2010, p. 295-296.)
Na mesma carta, ainda menciona seu jovem colaborador e arquiteto Luís Saia (1911-1975) como alguém se iniciando em ’folclore científico, sério, [e] pertencente ao grupinho de pesquisadores que estou formando aqui, com o Curso de Etnografia [de Dina Lévi-Strauss] e agora com a Sociedade de Etnografia e Folclore’ (Idem, ibidem, p.295). O trabalho de ’formação de pesquisadores’ de Mário de Andrade acontecia tanto em seu amplo proselitismo epistolar - que aqui procura (sem sucesso) converter Cascudo em pesquisador de campo -, como no Departamento de Cultura, onde trabalhava nas brechas deixadas pela USP e pela Escola Livre de Sociologia e Política. A etnografia da USP em seus primeiros anos era ensinada por Plínio Ayrosa (1895-1961), um especialista em tupi antigo que nunca fez trabalho de campo. E Claude Lévi-Strauss, que se aliou a Mário de Andrade em sua valorização do trabalho de campo, estava na universidade, mas na cadeira de Sociologia. Quanto à Escola Livre de Sociologia e Política, se tinha orientação mais empírica, nos anos 1930 ainda não dava espaço para a etnografia no sentido que interessava a Mário de Andrade, mesmo se este foi um dos signatários do seu manifesto de fundação (Maza, 2002, p.46).
Dois textos de Mário de Andrade merecem atenção particular no que se refere a suas ideias e práticas em torno da etnografia musical [11]. O primeiro é “Música de feitiçaria no Brasil”, originalmente uma conferência realizada em 1933 na Escola Nacional de Música, Rio de Janeiro, e publicado em livro pela primeira vez em 1963 (Andrade, 1983) [12]. O segundo, “O samba rural paulista”, publicado na Revista do Arquivo Municipal em 1937, e editado em livro pela primeira vez em 1965 na coletânea Aspectos da música brasileira (Andrade, 1991). Os dois textos relatam experiências de pesquisa de campo, e trazem detalhes sobre como as informações apresentadas foram obtidas.
“Música de feitiçaria no Brasil” é fruto das pesquisas realizadas na viagem de 1928-29 sobre práticas religiosas e mágicas hoje conhecidas no nordeste como “jurema sagrada” (Assunção, 2006). Nos anos 1920 e 1930, pesquisadores se referem a estas práticas como “catimbó”, palavra usada por Mário de Andrade. Refletindo preconceitos da época, ele emprega a palavra “feitiçaria” para se referir ao conjunto das práticas que estuda, sem distinguir magia de religião.
Assim pois ao chegar em Natal um de meus cuidados foi descobrir feiticeiros de catimbó. E o acaso logo me forneceu dois, o mestre Manuel e o mestre João. (...) Ora depois de ter entrado muito na intimidade dos meus dois mestres, na última sexta-feira do ano, que embora fosse dia par era sempre muito propício pras coisas de feitiçaria, eu resolvi “fechar meu corpo”, cerimônia das mais importantes do catimbó. A sessão realizou-se de-noite, na casa duma Dona Plastina que ficava lá no fundo dum bairro pobre, sem iluminação, sem bonde, e onde os próprios automóveis não se arriscavam muito pelo chão móvel, branquejado pelo areão das dunas.
Mário de Andrade, Música de feitiçaria no Brasil, 1933, p.31-32.
Em anotações posteriores, Mário de Andrade demonstrou insatisfação com o texto, afirmando que gostaria de publicar outro trabalho, de caráter “científico”, a partir do material ali exposto. Após sua morte, Oneyda Alvarenga organizou a publicação da conferência e juntou a ela dezenas de transcrições musicais e um amplo conjunto de notas do autor. O texto publicado é apresentado como “Conferência literária”, e dedica muito espaço a considerações bibliográficas e comparativas, recorrendo, entre outros, aos antropólogos Nina Rodrigues (1862-1906) e Arthur Ramos (1903-1949), aos musicólogos Jules Combarieu (1859-1916) e Curt Sachs (1881-1959), e a gravações comerciais de música popular. Mas o que dá ao texto seu caráter especial, não só entre as pesquisas de Mário de Andrade, como em geral na etnografia brasileira da primeira metade do século XX, é o relato sobre a cerimônia de “fechamento de corpo” da qual ele participou. Nesta passagem, o autor não se limitou, como em outros momentos, a observar e entrevistar seus colaboradores : ele foi, por assim dizer, o personagem central da cerimônia estudada, pois tratava-se do “fechamento do corpo” dele próprio. Assim, parece-me legítimo atribuir a este texto pioneirismo para a prática da chamada “observação participante” no Brasil.
Mário de Andrade chegou a Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, no dia 14 de dezembro de 1928, sendo recebido e hospedado por Câmara Cascudo. Nos dias 21 e 22 de dezembro, encontrou-se com dois “mestres” de catimbó, entrevistou-os e ouviu-os cantar, anotando em pauta musical melodias do culto. No dia 28 de dezembro, compareceu ao “catimbó” para realizar a cerimônia de “fechamento do corpo”, com cânticos, defumações, incorporações de diversas entidades, e auto-flagelação dos mestres incorporados (com bofetadas e pancadas diversas). A descrição foi publicada numa primeira versão em artigo do Diário Nacional, coluna “Turista aprendiz”, 25 de janeiro de 1929. Com acréscimos e alterações, a descrição da cerimônia reaparece, também entremeada por comentários e digressões, na conferência realizada em 1933 e depois publicada por Alvarenga.
O fato de participar diretamente da cerimônia – de ser o objeto dela – torna possível desenvolver certo estilo de análise musical. Ao observar os efeitos da música em si mesmo, o autor procura discernir características do material sonoro, que favoreceriam estes efeitos :
O ritmo desse refrão, a monotonia das cantigas molengas, o chique-chique suave do maracá, já principiavam a me embalar, a música me extasiava. Aos poucos meu corpo se aquecia numa entorpecedora musicalidade ao mesmo tempo que gradativamente me abandonavam as forças de reação intelectual. (...) O elemento principal desse poder da música não é propriamente sonoro, é rítmico. (...) Em nossa música de feitiçaria, eu distingo três maneiras de agir ritmicamente. (...) (Andrade, 1983, p.37)
E prossegue com argumentos sobre peculiaridades da organização do ritmo musical que favoreceriam sua “influência hipnótica e sugestionadora” (idem, ibidem), que não é o caso de reproduzir aqui.
Mário de Andrade escreveu diversas vezes sobre o poder psicológico, agregador, fisiológico, terapêutico, e político-social da música. Mas o que hoje pode importar na passagem citada não é tanto a discussão sobre os efeitos da música na fisiologia humana, e nos estados de transe ou assemelhados ; rios de tinta correram desde então sobre esses temas [13] Elizabeth Travassos, em um artigo que faz dialogar ideias de Mário de Andrade e do cubano Fernando Ortiz (1881-1969) sobre música e magia (Travassos, 2014 e 2017), alarga o debate ao fazer uma ponte entre o relato sobre o ’fechamento do corpo’ e abordagens mais recentes, inspiradas nas teorias das ’falas performativas’ do filósofo J. L. Austin (Finnegan, 1969) e da ’arte como agência’ de Alfred Gell (1998). Em todo caso, penso que o modo como o autor combina experiência direta, participação engajada, referências à literatura disponível, e análises das estruturas sonoras (que são, afinal, parte relevante da forma do ritual) faz de “Música de feitiçaria no Brasil” um texto singular na etnografia brasileira da primeira metade do século XX.
Está o grupo reunido pra dançar. (...) Enfileirados os instrumentistas, com o bumbo ao centro, todos se aglomeram em torno deste, inclinados pra frente como que escutando uma consulta feita em segredo. (...) O solista canta, canta no geral bastante incerto, improvisando. O seu canto na infinita maioria das vezes é uma quadra ou um dístico. O coro responde. O solista canta de novo. O coro torna a responder. E assim aos poucos, desta dialogação, vai-se fixando um texto-melodia qualquer. O bumbo está bem atento. Quando percebe que a coisa pegou e o grupo, memorizando com facilidade o que lhe propôs o solista, responde unânime e com entusiasmo, dá uma batida forte e entra no ritmo em que estão cantando. Imediatamente à batida mandona do bumbo, os outros instrumentos começam tocando também, e a dança principia.
Mário de Andrade, “O samba rural paulista”, 1937, p.149-151.
O extenso artigo sobre “O samba rural paulista” não é, como o anterior, um texto de conferência, a ser posteriormente reescrito para publicação ; ao contrário, entre os trabalhos técnicos de Mário de Andrade, talvez seja o que mais se aproxima do que ele próprio parecia considerar um ’ideal de cientificidade’, ideal ratificado, por exemplo, por uma ’Conclusão’ especificada em nove itens, e por um resumo em francês (casos únicos no conjunto da sua obra). A designação “samba rural paulista” foi cunhada pelo autor, certamente com o objetivo de sublinhar a diferença entre seu tema e o que já então se entendia geralmente por “samba” no Brasil, gênero musical urbano e criado no Rio de Janeiro. O texto, de quase cem páginas, é uma pormenorizada descrição de eventos festivos com música, dança e bebidas alcoólicas, chamados de “sambas” por seus participantes ; a descrição se baseia em observações diretas, feitas em São Paulo durante os carnavais de 1931, 1933 e 1934, e em uma observação ocorrida em 1937 em Pirapora, cidade do interior do estado de São Paulo, onde o autor esteve, com colaboradores, durante a Festa de Bom Jesus, quando ocorria o samba.
O estilo da escrita é muito diferente do de “Música de feitiçaria no Brasil” (como já sublinhado por Cavalcanti, 2019, p.154) ; o objetivo de descrever o samba é postulado desde o primeiro parágrafo, e cumprido conscienciosamente. Há menos referências bibliográficas e menos procura de generalizações ; também há menos informações sobre as pessoas observadas, a não ser o fato de serem “na enorme maioria negros e seus descendentes”. O texto é segmentado pelos seguintes intertítulos : “Introdução”, “O samba”, ’Processo da colheita documental’, “Da consulta coletiva”, “A coreografia”, “Os textos-melodias”, “Instrumental”, “Estrutura do samba”, “Conclusão”, “Resumé” (em francês). Os itens dedicados à coreografia e aos instrumentos são acompanhados de desenhos ilustrativos. Os demais itens, e principalmente o item “Os textos-melodias”, são acompanhados de transcrições de versos e de notações musicais. O item sobre “Estrutura do samba” trata da organização formal dos versos e melodias, e não da estrutura do evento como um todo.
As três páginas dedicadas ao ’Processo da colheita documental’ chamam a atenção de leitores contemporâneos tanto por seus aspectos problemáticos, como por seu pioneirismo. É evidentemente problemática para nossos padrões a forma como, apesar do esforço descritivo, Mário de Andrade não se furta a medir os participantes do samba pela régua das concepções estéticas dele próprio :
O observador se desespera ante a incontestável despreocupação, já não direi de perfeição, mas pelo menos de ordem com que tais danças se realizam. Indivíduos de ambos os sexos, quase todos já muito entontecidos pela pinga, num desprezo total pela música, pela coreografia, pelos textos, agem cada qual a seu modo, desprevenidos de qualquer intenção nítida de arte e de prazer estético (Andrade, 1991, p.118).
Note-se que, no caso do catimbó potiguar, e ainda mais no caso de Chico Antônio, a preponderância da dimensão performativa da arte (a expectativa de que esta produzisse efeitos em seus participantes ou espectadores, como assinalou Travassos) acontecia, apesar de tudo, em suficiente conjunção com o que o escritor entendia como ’prazer estético’, mesmo se diferente do prazer cultivado nos conservatórios. No caso do samba rural, porém, o que faz falta ao escritor não é apenas arte e estética, mas também a ’intenção’ de produzi-las, ou seja, a própria dimensão performativa : os participantes parecem agir ’cada qual a seu modo’, e é isso mesmo que termina por impedir que se perceba ’agência’ no evento.
Não deixa de ser curioso que Mário de Andrade se dedique com o máximo de minúcia à descrição de eventos musicais e coreográficos justamente quando afirma tão claramente suas reservas em relação a eles. Mas isso pode exprimir a diferença deste texto, não só em relação a ’Música de feitiçaria no Brasil’, como de modo geral, a todas as suas ’colheitas’ musicais dos anos 1920 (a palavra, como notou Cavalcanti, 2023, p.117, “aproximava a produção cultural popular de uma ideia de uma pureza de ordem natural”). Naquelas, deixou claro por diversas vezes seu objetivo principal : fornecer documentação folclórica para o trabalho de compositores que fariam música de concerto nacionalista (Andrade, 2020, p.78 ; Andrade, 2015, p.275). Aqui, porém, seu desinteresse estético pela música parece ser uma condição da abordagem científica ; as melodias e letras do samba rural paulista, afirma, ’se presta[m] perfeitamente para estudo, análise, comparação e conclusões. Mas sob o ponto de vista folclórico ser[ão] sempre uma precariedade’ (p.118).
Outro aspecto da ’intenção científica’ do artigo aparece nas considerações pioneiras sobre o uso de registros sonoros e fílmicos da cultura popular, coisa que não fez pessoalmente, mas cuja realização por seus colaboradores possibilitou através do Departamento de Cultura.
Vimos que em suas viagens dos anos 1920, pesquisando com recursos próprios, Mário de Andrade recorreu a transcrições em partitura. Quando escreve o anteprojeto do SPHAN em 1936, inclui os registros sonoros e visuais de formas de expressão populares ’por meios mecânicos’ (como então se dizia) entre as atividades da nova instituição (o que só viria a ocorrer já com o IPHAN, no século XXI). No Departamento de Cultura, já em 1936 garante recursos para a compra desses equipamentos, e faz amplo uso deles, tanto em registros nas proximidades da capital paulista, como na Missão de 1938 ao norte e nordeste.
No Anteprojeto do SPHAN, há um plano de cinco anos para a instalação do novo organismo. No primeiro ano de atividades, o segundo item é a ’aquisição, instalação e início do funcionamento dos serviços de filmagem sonora e fonográfica’ (Andrade, 2002b, p.285). O alvo desses registros está especificado na redação referente aos quatro anos seguintes, no mesmo trecho : ’serviços de filmagem sonora e de fonografia, sempre com sentido etnográfico’ (Idem, ibidem, p.285-286).
Mas apesar de seu entusiasmo por ’disco e filme’, no ’Samba rural paulista’ Mário de Andrade anota conscienciosamente as dificuldades destes meios para as pesquisas musicais (dificuldades que, aliás, continuam desafiando etnomusicólogos contemporâneos). A primeira delas está em que, em sambas e similares, a potência sonora da percussão (que ele chama de ’barulho dominador’, p.118) prejudica a compreensão de letra e melodia. Soluções foram tentadas pelos pesquisadores do Departamento de Cultura quando gravaram outras danças populares em 1936 e 1937 : deixaram os cantores principais afastados do conjunto e parados em frente ao microfone, ou, inversamente, afastaram dos demais componentes os percussionistas, pedindo a estes que tocassem com menos força, diminuindo-lhes o número (p.118-119). Tudo isso, porém, alterou os hábitos dos músicos e enfraqueceu a concentração dos participantes, comprometendo a qualidade da performance, seu realismo, por assim dizer. A solução afinal proposta é deixar o microfone e a câmera em posição de ’plano médio’, ou seja, mantendo o conjunto do grupo no enquadramento visual (o que exige certa distância), mas conseguindo também um ’enquadramento sonoro’ de conjunto (o que exige certa proximidade).
Com o microfone assim posicionado, as melodias e textos permanecem ocultos pela percussão, mas continuarão sendo anotadas manualmente pelos pesquisadores, como Mário de Andrade já fizera nos anos 1920. Aqui ele descreve, com detalhes até então ausentes, como faz essas anotações, aproximando-se dos participantes e cantando mentalmente junto com eles até decorar o samba ; em seguida, explica, ’me afasto com rapidez da bagunça, pra que as hesitações textuais ou melódicas de um e outro cantador menos atento ou mais individualistamente inventivo não venham perturbar em mim o que já está colhido, decorado e identificado’ (p.120).
Chama a atenção o privilégio que dá, em suas descrições e comentários, à palavra cantada, em detrimento dos demais aspectos da performance (chamados globalmente de ’bagunça’ na passagem que acabei de citar). A percussão foi chamada de ’barulho’ um pouco antes, e os sons do tamborim serão chamados de ’ruídos’ um pouco à frente (p.153). Esse tom depreciativo, além de expressar, como já notado, preconceitos ainda conservatoriais de Mário de Andrade, talvez reflita a influência do importante musicólogo comparatista alemão Carl Stumpf (1848-1936). Mário de Andrade leu em alemão seu livro sobre as origens da música, de 1911 (Stumpf, 2012), chamou-o de ’magistral’ (Andrade, 1993, p.88) e citou-o duas vezes no estudo sobre o samba (p.175, nota 41 ; p,181, nota 44). Stumpf, discrepando de seus colegas um pouco mais jovens da escola de musicologia comparada de Berlim, Curt Sachs e Erich von Hornbostel, propõe no livro citado uma definição de ’música’ que exige a produção de alturas musicais definidas e transponíveis, assim excluindo dela instrumentos de percussão sem altura definida, como os que acompanhavam o samba rural paulista.
A diferença de tom e de estilo entre dois textos de Mário de Andrade que podemos classificar como “etnografias” podem ser explicadas, em parte, pelas diferentes circunstâncias de publicação, já aludidas. No entanto, entre 1933, quando redige a conferência sobre o “catimbó”, e 1937, quando publica o artigo sobre “samba rural”, Dina Lévi-Strauss ministrara seu curso de etnografia, e a Sociedade de Etnografia e Folclore tinha sido fundada. Como notou Travassos (2002, p.98), o contato de Mário de Andrade com uma comunidade de pesquisa menos “literária”, e de tendência mais empírica, como a que se constituiu em torno da SEF com o apoio de Dina, deve ter tido um papel nestas diferenças entre os dois artigos. [14]
Conclusão
Um dos poemas mais famosos de Mário de Andrade começa com o verso ’Eu sou trezentos, sou trezentos e cinquenta’. Escrito em 1929, depois da viagem ao nordeste, é o poema que abre o livro Remate de males, publicado em 1930 (Andrade, 2018, p.295). ’Eu sou trezentos’ é também o título da importante biografia de Mário de Andrade escrita pelo filósofo Eduardo Jardim (2015).
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquentaAs sensações renascem de si mesmas sem repousoÔh espelhos, ôh Pireneus, ôh caiçaras !Se um deus morrer, irei no Piauí buscar outro !Abraço no meu leito as melhores palavras,E os suspiros que dou são violinos alheios ;Eu piso a terra como quem descobre a furtoNas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos !Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,Mas um dia afinal eu toparei comigo...Tenhamos paciência, andorinhas curtas,Só o esquecimento é que condensa,E então minha alma servirá de abrigo.- Mário de Andrade, “Eu sou trezentos”, Remate de males, 1930.
A diversidade de interesses e atividades tem sido sublinhada desde cedo nas apreciações críticas sobre Mário de Andrade, dito ’polígrafo’, ’polímata’, ’plural’. José Miguel Wisnik sugere que esta multiplicidade ’disfarça, em seu núcleo existencial, um nó poético-musical resistente, onde o verbal e o não-verbal, em forma de palavra e música, se exigem reciprocamente’ (citado em Botelho e Hoelz, 2022, p.13). Concordando com Wisnik, creio que é possível acrescentar outros ’nós resistentes’, que sustentam a coerência encontrada na obra múltipla de Mário de Andrade, nós cujas duas pontas também se entrelaçam ’num balanço perpétuo e irresolvido’ (idem, ibidem). É possível, por exemplo, falar dos nós que, no autor, unem ética e estética (Mattar, 2019), poesia e política (Dassin 1978 ; Bomeny, 2012), cultura e política (Sandroni, 1988). Aqui, ao traçar este breve perfil biográfico de Mário de Andrade, pretendi destacar mais um nó : aquele que liga, em sua obra, projeto de nação e etnografia. Quis também sublinhar que este nó vai sendo ’amarrado’ e ’desatado’, tal como os ’pontos’ do sambador Isidoro (Andrade 1991, p.121-122), pelo poder performativo da palavra, pela literatura.
Resumo : Mário de Andrade (1893-1945) foi um escritor e musicólogo que exerceu profundo impacto no debate cultural brasileiro da primeira metade do século XX, e além. Seus livros, ideias e projetos continuam sendo debatidos no Brasil do século XXI. Na primeira parte deste artigo, é apresentado um breve perfil biográfico e literário de Mário de Andrade, destacando relações entre seu percurso e a agitada conjuntura político social do país entre 1922, ano em que pela primeira vez apareceu na cena pública, e o ano de seu falecimento. Na segunda parte do artigo, são discutidos aspectos da sua obra etnográfica, onde a música popular da região nordeste do país ocupa lugar proeminente. São abordados de modo mais detalhado os seguintes artigos : “Música de feitiçaria no Brasil”, escrito em forma de conferência em 1933 e publicado postumamente no livro de mesmo título em 1963 ; e “O samba rural paulista”, publicado numa revista em 1937 e incluído, em 1965, no volume Aspectos da música brasileira. Estes artigos, de abordagem e estilo muito diferentes, permitem discutir a visão do autor sobre “agência” musical, e aspectos singulares dos seus procedimentos de registro. O enfoque na vertente musicológica da obra de Mário de Andrade permite abarcar a especificidade do seu lugar na história da antropologia brasileira.
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