« Era analfabeto, mas a sabedoria não está só nos livros e nenhum deles supera o da Natureza e da vida, aberto de par em par a quantos têm olhos para o entender. »
Manuel Viegas Guerreiro, Prefácio ao livro Os Versos de Francisco Martins Farias, Junta de Freguesia de Querença, 1980.
O mundo da serra
Manuel Viegas Guerreiro nasceu a 1 de novembro de 1912.
« Nasci na freguesia de Querença do concelho de Loulé e no sítio do Barrosal, junto ao Cerro da Corte. Minha origem camponesa cedo me pôs em contacto com homens de saber e de talento, embora iletrados, e foi um deles o meu tio e padrinho Francisco Martins Farias, com quem muito lidei. No Liceu de Faro passei à informação dos livros e verifiquei que, sendo, em grande parte outra, não excedia, em qualidade, a que eu trazia dos meus sítios e que valia a pena recolhê-la e passá-la a escrito e aí estou eu, aos quinze anos, a recolher a sabedoria do meu tio que era um notável poeta. » (Guerreiro, 1997a)
Esta região do Algarve, por vezes designada Beira-serra ou Alto Barrocal, caracterizava-se, à época, por um tipo de povoamento muito particular, que foi detalhadamente analisado por Pedro Prista Monteiro na sua tese de doutoramento, Sítios de Querença : morfologias e processos sociais no Alto Barrocal Algarvio (Monteiro, 1993), infelizmente não publicada. No artigo « Sítios do Alto Barrocal », publicado como capítulo do livro Lugares de Aqui, que Pedro Prista Monteiro classifica como “trabalho de campo desenvolvido na preparação de doutoramento”, o autor faz uma análise exaustiva das divisões regionais do Algarve feitas por estudiosos nos campos da Geografia e da Etnografia. O autor refere as características imprecisas de um povoamento que inclui na designação « sítio », correspondendo a tipos de ocupação muito variados, quer « casais espalhados » típicos do povoamento disperso, quer aglomerados próximos dos « montes da serra ». (Monteiro, 1991).
« O lugar de Cerro da Corte, freguesia de Querença, concelho de Loulé, onde nasceu, tinha em 1911, 126 habitantes, um pouco mais do que a sede da freguesia, que contava apenas 118. A população total da freguesia, que nessa época englobava também o território de Tôr, era de 2565 residentes, distribuídos por 45 lugares e habitações dispersas entre as aldeias. » (Ferreira e Fonseca, 2023, p. 375)
Podemos assim ter uma imagem do ambiente humano da beira serra algarvia à data do seu nascimento. Num manuscrito (sem data, mas provavelmente da década de 40), sobre o poeta Martins Farias, seu tio e padrinho, Manuel Viegas Guerreiro descreve Querença da seguinte forma :
« A terra está muito dividida, como aliás se observa em todo o Algarve. Todos têm seus bocados de que vivem, embora com dificuldade. Trabalham muito e vivem pobremente. Tal é, em traços muitos gerais, o meio social em que viveria o poeta, que, mau grado seu, não usufruía de melhor situação material que os seus conterrâneos. Possuía, como estes, algumas terras que ele trabalhava dia a dia e de que tirava o quasi suficiente para a sua alimentação. » (cit. in Ferreira, 2006, p.13)
As dificuldades da vida de então são bem descritas na história de vida que Manuel Viegas Guerreiro recolheu de seu pai, em 1962, e que foi publicada na Revista Lusitana - Nova Série (Joaquim Guerreiro, 1996). Essas dificuldades levaram a família a instalar-se em Portimão, em 1915, onde Manuel Viegas Guerreiro frequentou a escola primária. À época, o único liceu do Algarve era o de Faro, pelo que, após concluir a escola primária, Viegas Guerreiro se instalou aí em casa de uns primos, onde ficaria até concluir o ensino liceal.
Mas o contacto com Querença manteve-se sempre, o que leva Viegas Guerreiro a recordar, muitos anos depois : « Eu lia, em rapaz, a camponeses da minha terra, romances de Júlio Dinis e de Camilo. E era vê-los participar na acção, falucando, perguntando, comentando. Guardo muito viva a lembrança da leitura do Amor de Perdição. Era uma comoção que não se continha. O meu padrinho Martins Farias, poeta afamado do lugar, sempre pronto a chalacear com o que havia de irreal nas situações, exclamava com os olhos afogados em lágrimas : “- Isso agora é verdade ! Isso é verdade !” » (Guerreiro, 1978, p. 15.)
A formação e o contacto com Leite de Vasconcelos
Em 1932 Manuel Viegas Guerreiro ingressa no curso de Filologia Clássica da Faculdade de Letras de Lisboa. Com a ajuda de uma bolsa de estudos, instala-se numa pensão na Rua do Poço dos Negros, nº 40. O contacto com este novo mundo foi sem dúvida importante. Orlando Ribeiro, que frequenta o curso de Ciências Históricas e Geográficas na mesma época, diria que « a Faculdade de Letras, era, ao tempo, uma escola má com alguns professores excelentes. » (Ribeiro, 2003). Entre os excelentes contavam-se nomes como o do filólogo Manuel Rodrigues Lapa (1897-1989), que Viegas Guerreiro citará recorrentemente.
Apesar de nunca ter sido seu aluno, é no contacto com José Leite de Vasconcelos, antigo professor da Faculdade de Letras, que se reformara em 1929, que Viegas Guerreiro irá encontrar os saberes que lhe iluminarão grande parte do seu caminho. Foi o geógrafo Orlando Ribeiro (1911-1997) que introduziu Viegas Guerreiro no contacto com Leite de Vasconcelos. Este reunia antigos alunos e jovens estudantes em tertúlias de trabalho em que aproveitava para recolher informação para os seus estudos de Etnografia. Nas palavras de Orlando Ribeiro, « Durante algum tempo reuniu-os todos os domingos de manhã : distribuía a cada um sua tarefa, e ia de uns para outros, desde os que já eram colegas na Faculdade até aos mais novos, com a mesma solícita atenção. » (Ribeiro, 1994, p. 26).
José Leite de Vasconcelos foi uma personagem multifacetada, que começou por se licenciar em Medicina, mas, desde muito cedo, se interessou por estudos etnográficos. Como refere João de Pina Cabral, « entre aqueles que os antropólogos portugueses consideram seus antecessores, foi um dos mais estudados e continua a ser o mais influente. [...] Em 1889 fundou a famosa Revista Lusitana, em 1893 fundou o Museu de Etnologia. » (Cabral, 1991). Uma das características que o distinguia de outras personalidades da época, era o basear a informação na recolha direta, ou na informação de informantes que o tinham feito. Manuel Viegas Guerreira escreveu a propósito do mestre : « Em casa, na rua, na farmácia ou na loja, no banco do “eléctrico”, não pára de interrogar, de tomar notas, na sua curiosidade insaciável, a maior que ainda vi : “Não há ninguém no mundo que tenha tantos apontamentos a tomar como eu”, disse uma vez, e quem sabe se não disse a verdade. » (Guerreiro, 1994b, p. 76).
As primeiras cartas de Viegas Guerreiro para Leite de Vasconcelos datam de 1934 e duram até à morte deste, em 1941. « A primeira missiva registada é um postal e refere trabalho de recolha feito por Manuel Viegas Guerreiro para as colecções de Mestre Leite de Vasconcelos : refere ’cantigas’, mas devia tratar-se sobretudo de ’quadras’, isto é, ’quartetos’ soltos ou em séries de ’ao desafio” » (Galhoz, 2000, p. 129-130).
Esta troca de correspondência confirma o papel que Viegas Guerreiro desempenhou relativamente a informação etnográfica sobre a serra algarvia. Mas, para além disso, será uma presença frequente e um apoio fundamental para Leite de Vasconcelos nos seus últimos anos de vida. Viegas Guerreiro tinha de conciliar essa presença com a conclusão da licenciatura, em 1936, e a carreira de professor. Realiza no ano letivo 1936/37 o 1º ano do estágio pedagógico do 1º Grupo, Português, no Liceu Normal de Pedro Nunes em Lisboa, que será interrompido pelo serviço militar, retomando o 2º ano de estágio apenas em 1938/39. Nesse ano conclui o Exame de Estado, que lhe dá acesso à docência, com um ensaio crítico sobre Sá de Miranda [1], onde homenageia Rodrigues Lapa, seu professor na Faculdade de Letras, que tinha sido expulso da Função Pública em 1935 e cuja obra reconhece ter sido uma fonte bibliográfica fundamental para a sua dissertação.
Em 1940, Viegas Guerreiro é colocado como professor efetivo no Liceu de Lamego, onde não chega a lecionar por lhe ter sido atribuída, pelo Ministério da Educação, uma bolsa de estudo de um ano para ajudar Leite de Vasconcelos no seu trabalho. Este refere essa ajuda no Prefação do volume III da Etnografia Portuguesa : « Manuel Viegas Guerreiro teve a seu cargo o aproveitar, segundo o plano que lhe tracei, os meus apontamentos sobre deambulações panorâmicas. » (Vasconcelos, 1942, p. VI). Viegas Guerreiro afirma no seu Curriculum Vitae, « Esta a ajuda oficial. Durante cerca de seis anos frequentou a casa do Mestre e auxiliou-o em tudo o que pôde. É escusado encarecer o muito que a sua formação espiritual deve a um tal convívio. » A bolsa de estudo não chegou a ser concluída, por ter sido requisitado para lecionar no Colégio Militar.
Viegas Guerreiro só regressou ao Algarve três anos após o casamento, em 1942, com a também algarvia Maria da Conceição Guerreiro. Em 1945. é colocado como professor efetivo no Liceu de Faro e aí permanecerá até 1953. É nesse período que se torna colega e amigo de Joaquim Magalhães (1909-1999), o professor que tomou a seu cargo a transcrição e fixação das obras do poeta popular António Aleixo, que era semianalfabeto.
Em 1948, vai aproveitar uma legislação publicada nesse ano para se candidatar ao cargo de “professor permutante”, trocando de posição com um professor do Liceu Diogo Cão, da então cidade de Sá da Bandeira, atual Lubango, onde se manterá até 1950 (Vieira, 2023).
Professor em África
Este primeiro contacto com África irá abrir mais uma das linhas do percurso de Viegas Guerreiro. Logo na viagem para Angola, em 1948, encontra o Padre Carlos Estermann (1896-1976), estudioso da etnografia angolana que dedicaria um estudo aos bochimanes. Viegas Guerreiro refere no prefácio da sua tese de doutoramento, Bochimanes !khũ de Angola, estudo etnográfico (Guerreiro, 1968), que o desejo de estudar os Bochimanes vinha desse período. Refere ainda que chega mesmo a propor à Junta de Investigação do Ultramar que os aceitasse a ambos como colaboradores, sendo Viegas Guerreiro auxiliar de Estermann, que seria chefe de investigação, mas a proposta não teve êxito.
Viegas Guerreiro reconheceria o papel de Estermann na sua entrada no mundo da Etnografia Angolana, comparando-o com o de Orlando Ribeiro na sua entrada no mundo da Etnografia Portuguesa, conforme afirmou na cerimónia de doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Lisboa do Padre Carlos Estermann, em 1974 : « Pela mão de Orlando Ribeiro, que não está connosco por motivo de doença, e que cedo soube descobrir e dar alento à minha vocação de etnógrafo, entrei na casa de Leite de Vasconcelos, que é como quem diz no mundo da Etnografia Portuguesa. [...] Em Agosto de 1948, conheci, em viagem para Sá da Bandeira, aonde vinha exercer as funções de Professor do Liceu, o Reverendo Padre Estermann e, por sua mão, também dei entrada no mundo da Etnografia Angolana. » (Guerreiro, 1997, pp.215-216).
Nesta primeira deslocação a África, irá realizar duas excursões, uma com a duração de uma semana, pela região do Alto Cunene, a sudeste da então Sá da Bandeira, atual Lubango, e outra, de duas semanas, até Luanda e passando pelo Centro e Norte de Angola. Os relatórios destas excursões encontram-se publicados (Guerreiro, 1951 a, b e c) e incluem descrições geográficas e etnográficas pormenorizadas, ilustradas por um número significativo de fotografias. Os relatórios incluem ainda uma lista de objetos etnográficos e outros materiais destinados a constituir o núcleo de uma Sala de Angola no Liceu de Faro. [2]
O trabalho no espólio de Leite de Vasconcelos
Concluído o período como professor permutante, Viegas Guerreiro regressa a Faro, mudando-se para Lisboa em 1953, onde ocupa o lugar de professor efetivo no Liceu de Oeiras. A partir de 1955 passa a ser colaborador do Centro de Estudos Geográficos, criado por Orlando Ribeiro em 1943, e é-lhe atribuída uma bolsa do Instituto de Alta Cultura, por proposta do próprio Orlando Ribeiro, « a fim de, sob sua direcção, ordenar e publicar os manuscritos do Prof. J. Leite de Vasconcelos ».
Aquando da morte de Leite de Vasconcelos em 1941, Viegas Guerreiro considerou não ter condições para integrar a lista de testamenteiros nomeados, a qual integrava Orlando Ribeiro. Este era o único testamenteiro que, nas palavras de Viegas Guerreiro, « com zelo quase filial » (Guerreiro, 1989, p.13) se empenhou na publicação da documentação que o mestre deixara, constituída pela parte etnológica da biblioteca e os manuscritos, que foi instalada numa sala do Centro de Estudos Geográficos.
Grande parte destes materiais tinham sido acumulados por Leite de Vasconcelos na preparação do projeto de publicação da Etnografia Portuguesa, obra que ocupou grande parte dos últimos anos da sua vida e de que apenas viu a publicação dos dois primeiros volumes. Estes materiais constituíam um acervo de grande complexidade e de especial dificuldade para a organização de uma obra já de si monumental. Orlando Ribeiro descreve-os assim :
« Para se compreender como serão elaborados os volumes póstumos da Etnografia Portuguesa é necessário que o leitor conheça, sequer sumariamente, os processos de trabalho do autor. O Dr. Leite escrevia tudo : coisas que ouvia, observações no decorrer das suas viagens, notas de leituras, reflexões e lembranças. Trazia sempre consigo uma carteirinha com verbetes para apontamentos e nunca saía sem os seus canhenhos de campo. Essas notas eram lançadas à pressa, muitas vezes a lápis, com uma letra que não raro fazia o seu próprio desespero e constitui o maior embaraço para os que manuseiam o seu espólio literário. » (Ribeiro, 1958, p. XI)
A partir do momento em que lhe é atribuída a bolsa, em 1955, Viegas Guerreiro procura reunir uma equipa que Jorge Freitas Branco designará como « grupo da continuidade leitina » (Branco, 1994, p. 97). Para o ajudar nesta obra, Viegas Guerreiro chama inicialmente dois colegas de Faculdade, que tinham ainda frequentado a casa de Leite, Alda Patrocínio Silva (1914-1994), que também publica com o nome de casada de Alda da Silva Soromenho, e Paulo Caratão Soromenho (1912-1985), que já colaboravam no tratamento do espólio desde 1952. A eles se deve a organização, sob a direção de Viegas Guerreiro, dos volumes V a IX da Etnografia Portuguesa, publicados entre 1975 e 1983, e de « obras suplementares », como os dois volumes dos Contos Populares e Lendas, publicados em 1963. Viegas Guerreiro refere-se a eles do seguinte modo : « Não há palavras que cheguem para dar a medida de tão precioso auxílio, precioso, esclarecido, abnegado. E consintam-me, pensando neles e só neles, este desabafo : a história das pátrias, no que tem de mais válido, faz-se, muitas vezes, carregada nos ombros de obscuros trabalhadores, aos quais, como estes, nunca chega o reconhecimento de suas virtudes. » (Guerreiro, 1994a, p. 13).
Outros nomes se vão juntar à equipa coordenada por Viegas Guerreiro, Maria Arminda Zaluar Nunes (1905-1994), que com ele publicara um livro de leitura para o 1º ciclo, Maria Aliete Galhoz (1929-2020) [3], antiga aluna do Liceu de Faro e uma das primeiras especialistas em Fernando Pessoa, e António Machado Guerreiro (1919-2007), funcionário do Centro de Estudos Geográficos (CEG) desde 1943, e que, desde o início colaborara na transcrição e organização do espólio de Leite de Vasconcelos. É enquanto trabalhador do CEG que Machado Guerreiro conclui o ensino liceal e uma licenciatura em Filologia Românica com uma tese etnográfica e linguística sobre Colos, aldeia do concelho de Odemira. Este « obscuro copista », nas palavras de Orlando Ribeiro, para além da tarefa imensa de ordenar e catalogar o seu espólio literário, virá a coordenar três volumes de Teatro Popular Português recolhido por Leite de Vasconcelos (1976-1979).
Começa assim a esboçar-se o perfil da equipa, constituída por personalidades singulares, que irá acompanhar Viegas Guerreiro nesta fase da sua vida e que será responsável por múltiplas publicações baseadas no espólio de Leite de Vasconcelos. A maior parte desenvolvia a investigação em complemento da atividade profissional, sobretudo como professores do liceu, recebendo, para o efeito, pequenas bolsas.
O trabalho deste grupo prosseguirá até aos 80 do século XX, levando à publicação de sete volumes da Etnografia Portuguesa e de uma série de outras obras publicadas sob a autoria de Leite Vasconcelos e, posteriormente, de outras obras já da autoria dos elementos da equipa propriamente ditos. Estes estarão no centro dos grupos de investigação que Viegas Guerreiro virá posteriormente a criar.
O regresso a África : Jorge Dias e a Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português
Viegas Guerreiro estava bem integrado como professor do Liceu de Oeiras e bolseiro e colaborador do Centro de Estudos Geográficos quando Jorge Dias – que tinha sido convidado por Adriano Moreira (1922-2022), então Diretor do Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigações do Ultramar, para integrar os quadros do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (ISEU) e nomeado responsável pela Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português (MEMEUP) – o convidou para integrar a Missão, criada em 1956. Esta era constituída por Jorge Dias (1907-1973), Chefe de Missão, Manuel Viegas Guerreiro, 1º Assistente, nomeado Adjunto, a partir de 1959, e Margot Dias (1908-2001), 1ª Assistente.
A razão do convite deve encontrar-se no facto de Jorge Dias ter passado a lecionar, a partir de 1956, cadeiras de Etnologia, Geral e Regional, na Faculdade de Letras de Lisboa, integradas no Curso de Geografia, na mesma altura em Viegas Guerreiro já era colaborador do Centro de Estudos Geográficos. Orlando Ribeiro, comum amigo de ambos, que tinha por sua iniciativa criado as cadeiras de Etnologia no Curso de Geografia e convidado Jorge Dias para as lecionar, terá tido um papel nesta aproximação. (Lupi, 1984 e Ribeiro, 1981)
A Missão realizou a maior parte dos trabalhos em Moçambique e Angola e produziu quatro relatórios, na altura confidenciais, relativos às campanhas de 1957, 1958, 1959 e 1960. Para além dos relatórios, a Missão deu origem a outros textos, publicados na década seguinte, de que se salienta a obra Os Macondes de Moçambique, monografia em 4 volumes, de que Viegas Guerreiro foi o responsável pelo Volume IV, Sabedoria, língua, literatura e jogos (Guerreiro, 1966b). O Volume I, Os Macondes de Moçambique. Aspectos históricos e económicos, serviria a Jorge Dias para apresentar em 1965, na Faculdade de Letras de Lisboa, a primeira dissertação de doutoramento em Etnologia realizada em Portugal.
Nas palavras do antropólogo britânico Harry G. West, no capítulo “Inverting the Camel’s Hump, Jorge Dias, His Wife, Their Interpreter, and I” (West, 2004, p.55), « This study of the Makonde ethnic group, located in the north of Portugal’s Mozambican colony, constituted the first portuguese-language ethnography of significant interest to an international audience. » O mesmo autor cita Rui Pereira que, num artigo de 1986, considera a obra a “mais completa e exaustiva monografia da etnologia africana” (Pereira, 1986, p. 220).
Viegas Guerreiro aproveitou ainda o tempo das campanhas para realizar trabalho de campo sobre os Bochimanes de Angola, que daria origem à sua dissertação Os Bochimanes !khũ de Angola, estudo etnográfico, com a qual viu aprovado, em 1969, o seu doutoramento em Etnologia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Viegas Guerreiro relembra esse período no Prefácio do livro :
« O desejo de estudar os Bochimanes vinha de longe ; dos anos de 1949 e 1950, durante os quais ensinei no Liceu de Sá da Bandeira em Angola. [...] E já não era mais que saudosa lembrança, quando o Prof. Jorge Dias, incumbido de constituir uma missão de estudos etnográficos do Ultramar Português, se lembrou de mim para seu assistente. Figurava como seu plano maior uma monografia do povo maconde do Norte de Moçambique, mas eu pude obter dele consentimento para dar uma volta pelos Bochimanes de Angola, no regresso de Moçambique. Uma, duas, e seis ao todo, de que nasceu o presente livro. [...] Foram sete meses de campanha, distribuídos por seis anos e só pouco mais de dois meses de presença efectiva de Bochimanes. Gastei o mais do tempo em busca deles, aos tombos pelo mato ». (Guerreiro, 1968, p.9.)
Os meses de campanha, juntos com a sua formação em Filologia, permitiram-lhe realizar uma primeira abordagem da língua, que ocupa um capítulo do livro sobre Língua e Literatura dos Bochimanes. Nas aulas na Faculdade, onde os alunos o conheciam ternamente como “o Bochimane”, fazia ouvir aos seus alunos sons da língua dos estalidos, reproduzidos por ele ou a partir de gravações.
O trabalho que tinha realizado junto desta comunidade justificou que fosse nomeado representante no Meeting to consider the formation of a Bushman Studies Committee, que decorreu em outubro de 1960 na School of Oriental and African Studies da Universidade de Londres.
Sobre o trabalho em Moçambique é Jorge Dias que afirma : « O Dr. Manuel Viegas Guerreiro alcançou em mais algumas campanhas um conhecimento prático e teórico da língua maconde tão satisfatório que já pôde publicar os Rudimentos da Língua Maconde » (DIAS, 1964, p. 9.)
Informação detalhada sobre a Missão e o seu enquadramento no contexto da Antropologia e na política colonial portuguesa, pode encontrar-se na tese de doutoramento de Rui Mateus Pereira, Conhecer para dominar : o desenvolvimento do conhecimento antropológico na política colonial portuguesa em Moçambique, 1926-1959 (Pereira, 2005 ; 2021), que inclui em anexo a transcrição dos relatórios da Missão. Pereira chama a atenção para a situação particular em que a equipa se encontrava ao realizar um trabalho para a administração colonial e, em certo sentido, defender esse ideal de colonização :
« Pode afirmar-se que os objectivos da Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português (MEMEUP) eram, como os resultados vieram a comprovar, de natureza eminentemente antropológica. [...] Mas sejamos claros : no âmbito da atitude prospectiva que animava o Centro de Estudos Políticos e Sociais e que visava, em última instância, salvaguardar os interesses mais fundamentais do colonialismo português, a investigação etnológica da MEMEUP servia, igualmente, o mesmo propósito das « missões antropobiológicas » dos anos 30 e 40. » (Pereira, 2005, p.130).
Nos relatórios, os autores denunciaram vários atos que contribuíam para situações de tensão já percetíveis no final dos anos 50. Luísa Martins, que publicou um caderno de campo de Manuel Viegas Guerreiro com informação relativa à campanha de 1957 entre os Macondes, refere no seu livro : « Jorge Dias e Viegas Guerreiro tomaram consciência dos erros políticos que estavam a ser cometidos pelo regime colonial, a que se somavam as cedências a pressões de setores mais conservadores e a má formação geral da população branca, que praticava actos racistas. » (Martins, 2016, p.43). E no caso particular da população Maconde, « o imposto indígena, os trabalhos forçados e os castigos corporais constituíam, segundo os investigadores, o maior problema, porque resultavam na fuga dos Macondes para um território onde eram respeitados [4] » (Martins, 2016, p.44).
Na opinião de West, a recolha de informação política feita pela equipa, que teria servido o colonialismo português pondo em causa a confiança dos seus informantes locais, não era sequer de grande qualidade. « Nonetheless, any fair assessment of the confidential MEMEUP reports must conclude that the Dias team’s intelligence gathering was uninspired and mediocre at best. Moreover the team spent more ink in their reports castigating Portuguese colonials than informing on the Makonde. » (West, 2004, pp. 69-70).
Rui Mateus Pereira refere como o relatório de 1959 « apresenta um cenário nada consentâneo com certas imagens da propaganda colonial que já tinham ganho foros de senso-comum » (Pereira, 2006, p. 132) – e que, de certo modo, se mantêm em algumas visões atuais sobre o aspecto “benigno” do colonialismo português. E, mais adiante, reforça : « Confrontado com a prática administrativa colonial no Norte de Moçambique e com a crua realidade da discriminação racial, Jorge Dias denuncia no « Relatório de 1959 » essa crença generalizada na aptidão dos portugueses para o convívio inter racial » (Pereira, 2006, p. 133). Rui Pereira destaca a seguinte passagem :
« ... nós continuamos a ouvir sempre repetir que os indígenas gostam mais dos portugueses que dos ingleses, porque os tratamos com mais humanidade e nos interessamos pela vida deles. E esta história vai-se repetindo, como certos erros que passam de uns manuais para os outros, porque os autores em vez de procurarem verificar a exactidão das afirmações, acham mais cómodo repetir aquilo que outros disseram. Já noutro relatório dissemos que alguns Macondes nos confessaram ter mais admiração pelos ingleses do que por nós, estabelecendo confronto entre o tratamento dado por nós e pelos ingleses no Tanganhica. Confesso que na ocasião registámos o facto mas não o tínhamos compreendido bem. Só agora, depois de termos feito esta excursão pelo Tanganhica, a situação nos parece clara e de certo modo alarmante ». (Dias, Guerreiro e Dias, 1960, citado in Pereira, 2005, p. 443).
Mas a situação da equipa da Missão não deixava de ser ambígua, mesmo num período anterior ao início da guerra colonial. West (2004, p. 62-63) refere o exemplo do intérprete maconde da equipa, Rafael Pedro Mwakala (n. 1933), que mesmo durante o tempo em que com eles trabalhou se envolveu em atividades políticas e posteriormente, após a criação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), foi dos primeiros recrutas do Movimento a ser enviado para a Argélia para treino de guerrilha. Harris West entrevistou Mwakala, em 1996, e este afirmou que a equipa era diferente dos outros portugueses e que nunca tinham visto brancos como eles. No entanto, West eslarece :
« When I had asked Mwakala, however, if the Diases knew at the time he worked with them of his sympathies with the nationalist movement, or when they visited with him in 1961, of his membership in MANU, he smiled and said : “They were, after all, Portuguese. It would have been very dangerous for me if they had known.” And so, Mwakala, one of the three Makonde the Dias team came to know best of all, a man whose life told the story in microcosm of social transformation among the Makonde in the late colonial period, conducted a form of “anti-anthropology,” to use Alfredo Margarido’s term (1975), concealing from his ethnographers the very details I have criticized them for not presenting in their work. » (West, 2004, pp. 64-65).
Donato Gallo também analisa os relatórios da MEMEUP no livro O saber português, Antropologia e Colonialismo, com o objetivo de « determinar as conexões entre aqueles relatórios e as decisões de política colonial bem como a relação com a antropologia europeia e com a ideologia do colonialismo português » (Gallo, 1988, p.25).
Apesar do revelar de situações de racismo e das críticas a processos do colonialismo português que incluíam, Gallo considera que os relatórios eram um exemplo de « antropologia aplicada ao serviço da conservação do domínio » (Gallo, 1988, p.69).
A identificação de Jorge Dias com a ideologia da presença portuguesa em África era patente, mesmo na perspetiva da Antropologia. O episódio do conflito entre Marvin Harris, professor da Universidade de Columbia que, em 1956, numa visita Moçambique faz duras críticas ao regime que o levam a ser expulso do território, e do convite, feito por Jorge Dias, a Charles Wagley, professor da mesma Universidade, para realizar uma viagem a Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, é elucidativo do lugar ambíguo da Antropologia nesta situação histórica. « Jorge Dias esperava que, após essa viagem, Charles Wagley se posicionasse favoravelmente em relação à presença portuguesa na África e, a partir desse momento, apoiasse a criação de estudos superiores na “África portuguesa” » (Macagno, 2015, p. 87).
Donato Gallo, considera que a posição de Viegas Guerreiro representa uma excepção face às motivações políticas que levaram à realização dos relatórios, uma vez que « parece não se ter apercebido da valência política dos seus relatórios » e « obedece, aparentemente, a uma grande “curiosidade” etnográfica consequência dos pedidos de Jorge Dias mais do que de um contacto directo com os organismos deliberativos do regime. » (Gallo, 1988, p.70)
Em 1974, um ano após a morte de Jorge Dias, Viegas Guerreiro dedica o livro Novos Contos Macondes « Ao Professor Jorge Dias, em homenagem a seus méritos, ainda esta lembrança dos nossos Macondes » (Guerreiro, 1974 ; v. Leal 2000). Segundo Harry West, que entrevistou Margot Dias em 1996, « When the name Manuel Viegas Guerreiro came up, she told me she had nothing to say about him. » (West, 2004, p. 74)
Professor de Etnologia e investigador
O fim dos trabalhos da MEMEUP coincide com a criação do Missão de Organização do Museu de Etnologia do Ultramar, em 1962. Mas os resultados de investigação das campanhas e os materiais recolhidos teriam uma longa vida pela frente. Em 1959 tinha-se realizado a exposição “Vida e Arte do povo Maconde”, com base em peças etnográficas recolhidas nas Missões de 1957 e 1958, coleção que veio a ser o ponto de partida do Museu de Etnologia do Ultramar, oficialmente inaugurado em 1965. (Oliveira, 1972). Em 1966 Jorge Dias propõe Viegas Guerreiro como membro do Conselho Cultural do Museu. Este Museu, enriquecido por muitas outras coleções, estará na base do atual Museu de Etnologia, criado depois do 25 de abril de 1974 e cujo novo edifício foi inaugurado em 1985.
A investigação realizada durante as Missões, como já referimos, esteve ainda na base dos estudos que originaram os doutoramentos em Etnologia pela Universidade de Lisboa, de Jorge Dias, em 1965 e de Viegas Guerreiro, em 1969.Jorge Dias deixará as aulas na Faculdade de Letras de Lisboa em 1969 para se dedicar ao Museu (Lupi, 1984. p. 42). Em 1966, Viegas Guerreiro passa a reger as cadeiras de Etnologia Geral e Regional, por proposta de Orlando Ribeiro. A integração no quadro da Faculdade de Letras e na carreira universitária ocorre após o doutoramento quando, em 1970, realiza as provas do concurso para professor extraordinário de Etnologia. Em 1971 é aprovado, por unanimidade, no concurso para professor catedrático. Num manuscrito contendo “Considerações preliminares dos programas de Etnologia Geral e de Etnologia Regional”, escreve Viegas Guerreiro :
« Estuda a Etnologia Geral o homem como ser cultural, o homem e as suas obras. [... ] O curso de Etnologia Regional (Etnografia) dividir-se-á em duas partes uma teórica e outra prática. Na primeira, complementar dos estudos de Etnologia Geral realizados no ano anterior e indispensável à pesquisa de campo, ocupar-nos-emos de família e sociedade, economia, religião, sabedoria e artes ; na segunda, de métodos de investigação etnográfica que se vão aplicar em trabalhos de campo. » [5]
Nos programas de Etnologia Geral e de Etnologia Regional que consultámos, relativos aos anos letivos de 1970/71 e de 1973/74, aparece como tópico “Jorge Dias e a moderna Etnografia Portuguesa : sua monografia de Rio de Onor”. As obras de Jorge Dias aparecem em primeiro lugar na Bibliografia, que reúne outros autores como Bronislaw Malinowski, Melville Herskovits, Evans-Pritchard e Claude Lévi-Strauss. As aulas práticas incluíam leituras comentadas de Heródoto, Estrabão, Pero Vaz de Caminha, Franz Boas, Malinowski e Lévi-Strauss e também visitas a museus e trabalhos de campo. Os trabalhos de campo realizavam-se sobretudo em aldeias nas proximidades de Lisboa ou, em excursões de fim de ano, em locais mais longínquos. Passaram a ser um marco para os alunos que os realizaram. [6] (Ver Daveau, 2000).
Em dezembro de 1970, ocupando já o cargo de Professor Extraordinário de Etnologia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Viegas Guerreiro apresenta ao Instituto de Alta Cultura, de que era bolseiro desde 1955, um projeto de investigação com o título “Prosseguimento da ordenação e publicação do espólio literário do Dr. Leite de Vasconcelos” [7]. O projeto tinha como objetivos “a conclusão provável da publicação do espólio literário do Dr. J. Leite de Vasconcelos”, tinha a duração prevista de dois anos e o local de realização indicado era o Centro de Estudos Geográficos da Faculdade de Letras de Lisboa, “onde se encontram os materiais de trabalho”. O subsídio pedido destinava-se quase exclusivamente a assegurar algum pagamento aos colaboradores, a maior parte dos quais já trabalhavam anteriormente como bolseiros dedicados ao trabalho de organização do espólio de Leite de Vasconcelos.
A lista de colaboradores incluía, para além de Manuel Viegas Guerreiro como Diretor do Projeto, Alda Patrocínio Silva, Maria Arminda Zaluar Nunes, Paulo Caratão Soromenho, António Machado Guerreiro e Maria Alice Chicó (1913-2002). No texto do projeto esclarece-se que, como resultado dos trabalhos anteriores, já tinha sido possível publicar os volumes IV e V da Etnografia Portuguesa, os volumes I e II do Romanceiro Português e os volumes I e II dos Contos e Lendas. Estavam então no prelo o volume VI da Etnografia Portuguesa e um volume suplementar do Cancioneiro Popular Português. Em preparação estavam o volume VII da Etnografia Portuguesa, um volume suplementar do Teatro Popular Português e um volume suplementar da Etnografia sobre Provérbios, Adivinhas e Jogos. Esta proposta de projeto não teve resposta positiva.
Em maio de 1972, ocupando já o lugar de Professor Catedrático, Viegas Guerreiro apresenta um outro projeto, de maior dimensão, integrado nos novos concursos abertos pelo Instituto de Alta Cultura. O projeto tem a designação de “Recolha e Estudo de Literatura Popular Portuguesa” [8] e já não pretende apenas dedicar-se ao espólio de recolhas de Leite de Vasconcelos, mas sim realizar novas recolhas montando uma equipa especializada para o efeito. A memória justificativa do projeto, que constitui todo um quadro do programa de estudos, lembra o apelo de Leite de Vasconcelos no Iº volume da Etnografia Portuguesa : « Acudamos a tudo enquanto é tempo ! [...] Empenhemo-nos, por isso, na investigação das Tradições Populares [...] e, em todo o caso, estudemos tudo, busquemos ou continuemos a buscar paralelos ao que os tiver, abalancemo-nos à compreensão genérica dos factos, das ideias e dos sentimentos ». (Vasconcelos, 1933, pp. 338-339). E reconhece que, « passados quase 40 anos o apelo continua, infelizmente a ser válido. No que concerne a recolha e estudo da literatura oral pouco se tem juntado, de qualidade, às preciosas coleções e estudos dos fundadores e mestres da Etnografia Portuguesa. » Depois da comparação com a situação em Espanha, com o trabalho de Ramón Menendez Pidal (1868-1968), afirma-se no texto :
« Além do Romanceiro de Leite de Vasconcelos nenhum esforço de envergadura comparável se fez em Portugal, neste século. Há as recolhas ricas, mas muito limitadas no espaço, do Abade de Baçal e do Pe Firmino Martins, [...] gravações de M. Giacometti e Lopes Graça nalgumas províncias metropolitanas ; um programa televisivo recente, dos mesmos, alguns outros programas de folclore feitos por Sousa Veloso e Francisco d’Orey para a televisão, o que tudo pouco é. »
Sobre as razões da importância do projeto, refere que « constitui a literatura oral matéria indispensável a sociólogos, políticos, psicólogos, linguistas, historiadores, literatos, músicos, artistas plásticos e educadores. E já não me refiro a etnógrafos uma vez que as criações literárias do povo são parte integrante da sua ciência. » O texto termina com a explicação de que o plano de investigação foi elaborado por docentes de Etnologia e Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa : « Subscreve-o apenas Manuel Viegas Guerreiro já que Luís Filipe Lindley Cintra já dirige outros trabalhos do mesmo género sob patrocínio do I.A.C. Não contamos menos, por isso, com a sua superior orientação e saber ».
Entre os documentos preparatórios do projeto encontram-se ainda um texto com o título “Em torno dos Estudos do Romanceiro em Portugal”, da autoria de Ivo de Castro, e outro com o título “Projeto de criação do Arquivo de Literatura Tradicional Portuguesa”, sem indicação de autor, mas, muito provavelmente redigido por Viegas Guerreiro. Este último texto parece constituir um projeto complementar autónomo, referindo que « esse Projeto de Recolha e Estudo poderá servir de ensaio à criação do Arquivo, extraídos dele a experiência e os ensinamentos que proporciona. »
O projeto, que é apresentado nos domínios da Etnografia e Linguística e associado ao Centro de Estudos Geográficos e ao Centro de Estudos Filológicos, apresenta como objetivos : « Recolha sistemática de literatura tradicional portuguesa, de sul a norte do País ; Organização de um arquivo dessa literatura (reprodução da linguagem oral por meio de símbolos fonéticos e gráficos vulgares, e gravações sonoras) ; Publicação de resultados ; Inventário de obras referentes a literatura popular portuguesa ».
A proposta apresenta uma duração de cinco anos e prevê que as recolhas tenham início no Algarve. Indica igualmente uma sequência de tarefas incluindo a escolha de informantes, a elaboração de um roteiro-guia para o trabalho de pesquisa, a escolha e treino de coletores, para além da preparação e arquivo dos materiais obtidos. A candidatura indica como investigadores Ivo de Castro, que se propunha realizar o doutoramento no âmbito do projeto, Maria Aliete Galhoz, Paulo Caratão Soromenho e António Machado Guerreiro. Previa ainda a inclusão de um musicólogo e dos técnicos Margarida Ribeiro e António Agostinho.
Ainda antes da aprovação do projeto, em ofício datado de 28 de fevereiro de 1973, Orlando Ribeiro escreveu à Diretora do Instituto de Alta Cultura propondo a integração do projeto no Centro de Estudos Geográficos. « Tendo-se reconhecido a vantagem que haveria em integrar o Projeto de Recolha e Estudo de Literatura Popular Portuguesa, apresentado ao Instituto pelo Prof. Manuel Viegas Guerreiro em Maio de 1972, no Centro de Estudos Geográficos, por assim poder contar com o indispensável apoio das infraestruturas já existentes, proponho a V. ex., que, no caso de o dito Projecto ser aprovado, o queira considerar adstrito ao Centro, nas mesmas condições em que estão os Projectos LL/5, LL/6 e LL/7. » [9]Propõe ainda, em nome do Diretor do Projeto, a substituição de Ivo de Castro, que já beneficiava de uma bolsa do Instituto, pelo “musicólogo de reconhecido valor”, Michel Giacometti.
Giacometti (1929-1990), cujo trabalho era já referido na Memória Descritiva do projeto, tinha criado os Arquivos Sonoros Portugueses em 1960 e Maria Aliete Galhoz tinha colaborado com ele, desde 1965, na transcrição dos textos do Volume IV da Antologia da Música Regional Portuguesa, que Giacometti editou com o compositor e musicólogo Fernando Lopes Graça (1906-1994).
A aprovação do projeto é feita por despacho de 23 de abril de 1973, sendo-lhe atribuída a designação LL9, sendo que LL era a referência dos projetos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e passará a ser um dos quatro projetos financiados do Centro de Estudos Geográficos (CEG), unidade em que o projeto se integra. A equipa passa a dispor de uma sala, cedida pela Faculdade, e verba para pessoal, despesas correntes e atividades e do apoio das infraestruturas do CEG. É o início dum novo caminho para Manuel Viegas Guerreiro.
O relatório de atividades de dezembro de 1973 demonstra a vontade da equipa aproveitar as novas condições, quando refere as centenas de espécimes recolhidos, classificados e arquivados, oriundos de diversos lugares. Viegas Guerreiro faz recolhas na sua terra natal, Querença. Machado Guerreiro recolhe 18 textos de Teatro Popular nos Açores, e Giacometti refere que « por um período de cerca de 140 dias, no decurso dos quais foram percorridos 6.000 kms e recolhidas em 41 localidades mais de catorze horas de material sonoro. » [10]
Caminhar em liberdade
Passados um ano e um dia da aprovação do projeto, ocorreu o “25 de abril” de 1974. Como afirmam Ferreira e Fonseca (2023, p. 390), « A Revolução de 25 de abril de 1974 é um momento marcante na vida de Viegas Guerreiro, como que devolvendo uma liberdade há muito esperada. Disponibiliza-se para colaborar com os estudantes organizando, logo em outubro de 74, Cursos Livres de Etnografia. Irá participar posteriormente nas propostas de reestruturação dos cursos e das cadeiras que lecionava na Faculdade de Letras de Lisboa. »
Em março de 1974, Viegas Guerreiro enviava ao IAC um documento base do projeto em que fazia uma descrição detalhada da investigação em curso, incluindo a preparação de coletores, o registo das recolhas, a classificação, seguindo para os contos a proposta do folclorista norte-americano Stith Thompson (1885-1976) e para os romances a de Menéndez Pidal. [11] As recolhas no âmbito do projeto continuaram em 1974, sendo registadas e arquivadas muitas composições e tendo sido publicado o volume III do Teatro Popular Português. [12]Em 1975, Michel Giacometti propusera a criação de um Plano Trabalho e Cultura, no âmbito do Serviço Cívico Estudantil, com o objetivo de realizar por todo o país recolhas e gravações de formas da cultura popular. Os 152 estudantes que participaram no Plano tiveram um curso de formação em que colaboraram Manuel Viegas Guerreiro, António Machado Guerreiro e Jorge Gaspar (Branco e Oliveira, 1993).
Na previsão dos trabalhos a realizar em 1976, Viegas Guerreiro chamava a atenção para a importância do arquivo de recolhas no « apoio imediato e indispensável às disciplinas de Cultura Popular (esta já professada na Faculdade de Letras de Lisboa e de Literatura Oral, a iniciar na mesma Faculdade no próximo ano letivo » [13]. Na verdade, como reconhece num artigo publicado muito depois, em 1995, os obreiros desta iniciativa foram Luís Filipe Lindley Cintra (1925-1991), Jacinto Prado Coelho (1920-1984) e ele próprio. (Guerreiro, 1995).
João David Pinto Correia, primeiro docente da disciplina e seu continuador, escreveu sobre essa experiência :
« Nunca fui aluno do Prof. Manuel Viegas Guerreiro, nas aulas curriculares, nem no Ensino Secundário, nem na Universidade. Infelizmente… O que não quer dizer que não me sinta seu discípulo : sou-o por muitas razões e de várias maneiras. [...] Relembro que conheci o Professor Viegas Guerreiro por intermédio de um comum amigo, e meu professor, o Prof. Jacinto do Prado Coelho, quando, em 1975/76, por proposta da Comissão Científica do Departamento de Literatura da Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa, me preparava para orientar a disciplina de Literatura Oral e Tradicional. O Prof. Prado Coelho sugeriu que eu me aconselhasse com o então docente do Departamento de Geografia, autoridade em Antropologia, e mais especificamente em Literatura Popular, que falasse e aprendesse com ele, na tarefa de elaborar e cumprir o programa e a bibliografia da citada disciplina. [...] No início do ano lectivo seguinte, o Prof. Viegas Guerreiro encarregou-se de duas aulas sobre ’’Literatura Popular’’. Nelas pude aperceber-me do tom sabedor e, mais do que isso, vivido por via da experiência da recolha no terreno e da reflexão sobre a natureza e os géneros da Literatura Popular. Eram aulas que não necessitavam do alarde enfadonhamente erudito das autoridades. [...] A partir daí foram muitas as ocasiões da nossa colaboração. » (Pinto-Correia, 2000, p.63-65).
A ação de Viegas Guerreiro na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, estende-se ainda a outras áreas, como descreve Isabel Castro Henriques :
« Com o Professor Viegas Guerreiro, sob proposta dele, criamos ainda nesse final do ano de 1974 o Instituto de Estudos Africanos da FLUL e iniciámos um percurso conjunto de apoio e difusão do conhecimento científico sobre África. O Instituto tornou-se rapidamente num centro dinâmico de encontros. de debates. de troca de ideias, também de estudo, reunindo alguns professores, muitos estudantes portugueses, africanos e alguns de outras nacionalidades, investigadores portugueses e estrangeiros que procuravam o nosso espaço, pioneiro na universidade portuguesa. [...] Todas estas actividades lideradas pelo Professor Viegas Guerreiro, presidente do instituto para além da sua aposentação em 1982. » (Henriques, 2022, p.15).
Num período de aceleradas mudanças, as solicitações que lhe são feitas são inúmeras. Entre abril de 1974 e junho de 1975 é nomeado Diretor do então designado Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcelos, atual Museu Nacional de Arqueologia. Segundo Luís Raposo, Diretor do Museu entre 1996 e 2012, o seu papel foi fundamental na continuidade do Museu, comparando-o ao da tarefa “hercúlea” da publicação dos sete volumes da Etnografia Portuguesa :
« Afinal, que outra pessoa poderia, em tempos tão belos quanto agitados, dirigir em santa e fecunda paz, uma instituição cheia de tensões longamente acumuladas ? Que outra pessoa teria ousado assumir então o conservadorismo de dar prioridade a um programa de inventariação das antigas colecções do Museu, pondo ordem em anomalias de décadas ? Que outra pessoa resistiria nesse desiderato durante mais de um ano, até Junho de 1975, em regime de total graciosidade e sem mesmo receber da tutela os meios mínimos necessários ao pagamento de consumos eléctricos ? Se nesses anos o antigo Museu Etnológico do Doutor Leite de Vasconcelos pôde sobreviver sem erosão, deve-o à pessoa do Prof. Viegas Guerreiro, que teve a grandeza de, nos “anos da brasa” e quando também se mobilizava em “serviço cívico”, pôr a bom recato a herança dos mestres, mobilizando para o efeito um abnegado conjunto de jovens estudantes e recém-licenciados, actuais arqueólogos profissionais na maior parte. Pena é que na justa e repetida referência ao seu “fervoroso discipulato” leitiano, sempre assinalado por feitos como o da obra hercúlea a que meteu ombros ao coligir toda a documentação que deu origem a sete volumes da Etnografia Portuguesa, seja sistematicamente esquecida esta sua outra epopeia, mais breve no tempo, menos visível porventura, mas por cuja relevância responde o acervo que se guarda nos Jerónimos. » (Raposo, 1997).
Da Linha de Ação ao Centro de Tradições Populares Portuguesas
Viegas Guerreiro continuou a sua atividade de professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa até atingir a idade da reforma, em 1982. As memórias que deixou nos seus alunos justificam as sucessivas homenagens que estes lhe fizeram. Lucinda Fonseca, sua aluna logo a seguir ao “25 de abril”, confessou a Suzanne Daveau, num artigo que apresenta muitos relatos de alunos dele : « A pouco e pouco, quase sem darmos por isso, foi-se tornando uma espécie de símbolo identitário dos alunos dessa época, ao ponto de, mesmo após a conclusão da licenciatura, continuarmos a encontrar-nos com regularidade e a organizar festas para o homenagear ». (Daveau, 2000, p.51).
O contexto da investigação foi sofrendo alterações, primeiro com a criação do Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC), que herda do IAC as competências de apoio à investigação. A designação do projeto LL é substituída por “Linha de Ação do CEG” e, a partir de 1978, passa a designar-se “Linha de Ação Nº 4 de Recolha e Estudo de Literatura Popular”.
Já em 1977, Viegas Guerreiro dirige um ofício ao Presidente do INIC [14], em que relata o processo de criação da equipa, desde o projeto de investigação até à transformação « na equipa encarregada de executar uma das “linhas de acção” do setor de Antropologia Cultural do Centro de Estudos Geográficos ». Refere igualmente que foi possível enriquecer notavelmente o arquivo graças à colaboração com o Serviço Cívico Estudantil e ainda pela « integração de transcrições de textos que fazem parte da colecção recolhida, ao longo dos anos, por Michel Giacometti, actualmente investigador do grupo ».
Dada a dimensão do trabalho já realizado e do que se pretende fazer, Viegas Guerreiro propõe uma reestruturação sem a qual as tarefas serão irrealizáveis, « se essa estrutura e essa organização não forem reformuladas e dotadas de meios de acção francamente superiores àqueles de que a “linha de acção” actualmente dispõe. » Para além de melhores condições de apoio às deslocações e às tarefas de transcrição e classificação, Viegas Guerreiro refere que « os investigadores até hoje ligados ao projeto não têm tido as condições e materiais indispensáveis para lhe dedicarem uma parte suficiente do seu tempo. » Propõe um aumento do número investigadores e de pessoal técnico e mais meios para assegurar mais equipamento, deslocações, conservação de materiais, entre outros. Em anexo ao ofício segue uma nova proposta de orçamento, que aumenta significativamente o anteriormente atribuído. Afirma-se ainda que, apesar de se esperar que o INIC possa responder positivamente, não se exclui a hipótese de recorrer a outras entidades, como a Fundação Calouste Gulbenkian. Na verdade, na mesma data segue para o Presidente da Fundação [15] uma carta solicitando apoio complementar, que será concedido em 1978 e se manterá intermitentemente.
Apesar da resposta do INIC não ter sido positiva, a equipa de investigadores alarga-se com a entrada de Lindley Cintra, das filólogas e escritoras Maria de Lourdes Belchior (1923-1998) e Teresa Rita Lopes (n. 1937) e do especialista em literatura oral João David Pinto Correia (1939-2018), que se juntam à equipa anterior, em 1978, a que já se tinham juntado Joaquim Lino da Silva, em 1976, e Alda Patrocínio, já anteriormente bolseira.
Mas os problemas crónicos de financiamento não puderam ser contrariados por subsídios pontuais como os da Fundação Gulbenkian. Se a maior parte dos investigadores recebia pequenas remunerações, que complementavam o seu trabalho como professores universitários ou do liceu, tal não acontecia com um investigador como Michel Giacometti. Numa carta datada de 1 de maio de 1979 justifica a sua saída da Linha de Ação da seguinte forma :
« Após reflexão permitida pela minha longa doença, quero apresentar-lhe os motivos que se me afiguram suficientemente válidos para autorizar a minha retirada do grupo de trabalho que o meu bom Amigo formou e superintende com tanto fervor e saber já lá vão mais de cinco anos. Desejaria que acreditasse que nada do que irá ler aqui pretende, nem de longe, formular juízos de valor em relação às qualidades e virtudes do referido grupo de trabalho, nem tão-pouco aos resultados bem concretos conseguidos até hoje. » [16]
Giacometti explica detalhadamente que os apoios que recebeu no âmbito do projeto mal cobriam as despesas que teve de realizar e não lhe permitiam manter a colaboração, na situação económica muito débil em que se encontrava.
Datam também de 1978 as primeiras tentativas de Viegas Guerreiro para retomar a publicação da Revista Lusitana, fundada por Leite de Vasconcelos. No mesmo ano, o INIC assegura a compra de 250 exemplares e no ano seguinte aprovou um subsídio integral para a publicação. O nº1 da Revista Lusitana - Nova Série sairá em 1981, sendo Viegas Guerreiro subdiretor, conjuntamente com Maria de Lourdes Belchior, e tendo como Diretor Luís Filipe Lindley Cintra. Mas Viegas Guerreiro será a verdadeira alma da publicação, de que passará a Diretor a partir do falecimento de Lindley Cintra, em 1991, cargo que irá manter até à sua morte. Como afirmam Ferreira e Fonseca (2023, p.394), a nova revista, « vai desempenhar, num novo tempo, um papel semelhante ao da sua antecessora, reunindo um significativo número de estudos de investigadores nacionais e estrangeiros na área da Literatura e Tradições Populares, mantendo o subtítulo de Arquivo de Estudos Filológicos e Etnológicos relativos a Portugal. A revista manterá uma publicação regular até ao número 22-24, saído em 2004.
Além da publicação da Revista Lusitana, as atividades da Linha de Ação alargaram-se na década de 80, com numerosas publicações e com a realização de dois importantes colóquios, em colaboração com a Fundação Calouste Gulbenkian, intitulados Littérature Populaire : Autour d’un concept (Paris, 1986) e Literatura Popular Portuguesa - Teoria da Literatura Oral/Tradicional/Popular (Lisboa, 1987). Em 1986 entram novos colaboradores, Francisco Melo Ferreira e o musicólogo Francisco d’Orey.
Já em 1981 Viegas Guerreiro aponta a necessidade de criar um novo centro como forma de ultrapassar os problemas e limitações das organizações anteriores :
« O desenvolvimento que tem tomado esta Linha de Acção obriga a que se amplie, se lhe junte a pesquisa de outras tradições orais e que tudo venha a constituir um Centro de Estudos das Tradições Populares Portuguesas [17]. Carece uma tal instituição de instalações adequadas, de um edifício próprio ou de parte de um edifício suficientemente ampla para o fim a que se destina. » [18]
E pensava apresentar nesse ano o projeto de criação desse Centro.
Posteriormente, em 1989, reafirma : « já disse e repetirei quanto convinha alargar o âmbito desta Linha de Ação convertendo-a num Centro de Estudos de Tradições Populares Portuguesas [19], organismo que ainda não existe em Portugal. O pedido está formulado com geral aprovação : falta a homologação ministerial que, confesso, vai demorando. » [20] Na verdade, no mesmo ano, o Secretário da Comissão Diretiva do Centro de Estudos Geográficos, Carlos Alberto Medeiros, afirma em parecer dirigido ao Instituto Nacional de Investigação Científica : « Tudo leva a concluir, portanto, que é do maior interesse a criação dum Centro de Estudos de Tradições Populares, a partir da actual Linha de Ação Nº 4 do Centro de Estudos Geográficos » [21].
A extinção do INIC e a transferência do financiamento dos Centros de investigação para a Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT) permitiu abrir concursos para novos centros de investigação e finalmente, em 1993, é aprovada a candidatura do novo Centro de Tradições Populares Portuguesas (CTPP), integrado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
O Centro irá ocupar uma nova sala da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa onde a equipa de investigadores que transitaram da última fase da Linha de Ação – incluindo o musicólogo Domingos Morais, que substituíra Francisco d’Orey – vai encontrar melhores condições para desenvolver o trabalho. O Centro vai organizar-se em três Linhas de Investigação : Literatura Popular Portuguesa, coordenada pelo próprio Viegas Guerreiro, Ciência e Saber Popular, coordenada por Francisco Melo Ferreira, e Música Regional Popular Portuguesa, coordenada por Domingos Morais.
Em novembro de 1992, ainda antes da aprovação oficial do Centro, sabendo que a extinção do INIC previa a passagem dos centros de investigação para as universidades, Viegas Guerreiro faz uma proposta para que o Centro de Estudos de Etnologia, criado por Jorge Dias, que funcionava no Museu de Etnologia, fosse integrado no futuro Centro de Tradições Populares Portuguesas. [22].
Nos três anos em que Viegas Guerreiro dirige o CTPP, até adoecer, em 1 de novembro de 1996, o Centro irá realizar dois colóquios, Retratos do País, em 1995, em colaboração com o Centro de Estudos de Antropologia Social (CEAS) do ISCTE, cujas comunicações foram reunidas no número 13-14 da Revista Lusitana - Nova Série, e Artes da Fala, em 1996, na Vila de Portel e em colaboração com a respetiva Câmara Municipal, cujas comunicações foram reunidas numa publicação com o mesmo nome (Branco e Lima, 1997). Em ambos os colóquios teve um papel fundamental Jorge Freitas Branco, antropólogo do ISCTE, que tinha começado a colaborar com Viegas Guerreiro e passou a integrar o CTPP em 1994.
Na apresentação do colóquio Retratos do País, Viegas Guerreiro afirma com grande energia : « E se nos organizássemos num novo Serviço Cívico, agora de estudantes, professores, investigadores, com sede no Centro de Tradições Populares Portuguesas, e fôssemos ao encontro do povo, como foram os brigadistas do Serviço Cívico Estudantil que o génio de Michel Giacometti concebeu e tornou realidade ? » (Guerreiro, 1995).
Em 1994, conseguiu financiamento para o último projeto de investigação que coordenou, sobre a ilha de São Jorge, em que reuniu uma equipa multidisciplinar com colegas de Geografia, como Maria Lucinda Fonseca, Carlos Alberto Medeiros e Maria Eugénia Moreira, e de Filosofia, Viriato Soromenho Marques. O projeto viria a dar origem ao livro A Ilha de S. Jorge : Uma monografia. Textos etnográficos (Guerreiro, 2012), publicado já depois da sua morte.
Contrariando a ideia de que a Viegas Guerreiro apenas interessavam os estudos sobre comunidades rurais tradicionais, podemos ver o esboço que nos deixou sobre um último projeto que pretendia vir a desenvolver com o título “Migrações do interior do território para Lisboa e proliferação de bairros de lata. Um caso exemplar : o Bairro Chinês de Marvila” e em cujo resumo afirma : « Dada a crescente importância e atualidade que o tema das migrações para Lisboa tem assumido, decidimos centrar a investigação na análise etnográfica e geográfica das formas de representação e de vivência de diferentes minorias étnicas residentes na Área Metropolitana de Lisboa. » [23]
Desde 2012, o CTPP passou a integrar o Centro de Literaturas de Expressão Portuguesa (CLEPUL), onde se mantém a Linha de Investigação de Literatura Tradicional e Tradições Populares Portuguesas - Manuel Viegas Guerreiro.
A diversidade da obra - Uma obra diversa com um sentido comum
A obra inicial de Viegas Guerreiro foi muito marcada pelo contacto com Leite de Vasconcelos. Como já referido, teve uma equiparação a bolseiro para auxiliar o mestre nos seus últimos de vida. Leite de Vasconcelos tinha deixado pronto o volume III da Etnografia Portuguesa, que sairia um ano após a sua morte em 1941. O trabalho no seu espólio só veio a ser verdadeiramente retomado a partir de 1955, quando Viegas Guerreiro passa a ser bolseiro do IAC, por proposta de Orlando Ribeiro, para “ordenar e publicar os manuscritos do Prof. J. Leite de Vasconcelos”. Na Nota Introdutória ao volume IV da Etnografia Portuguesa, publicado em 1958, Orlando Ribeiro esclarece o trabalho necessário para ordenar os materiais deixados por Leite de Vasconcelos :
« O volume que ora se publica deve-se, pela maior parte, ao cuidado de Manuel Viegas Guerreiro. [...] Os « Caracteres do Povo Português » começaram a ser redigidos com a ajuda de M. Viegas Guerreiro, e eram entregues à Imprensa, à proporção que se aproveitavam as pastas que continham as respectivas rubricas. Este foi o derradeiro trabalho do Mestre, feito à sobreposse, enquanto declinavam os olhos e as faculdades criadoras : « Ando pior da vista, nem me apetece trabalhar. Temos já prontos alguns « Caracteres ». Resigno-me a deixar muita coisa de fora », escrevia, pelo punho do seu colaborador (bilhete-postal de 28— 11— 1941), ao autor destas linhas. [...] Mas quem não se resignou foi Viegas Guerreiro ; e a enorme massa de factos, de recortes, de indicações bibliográficas, de anotações e reflexões pessoais, recebeu um tratamento completo, segundo o espírito e os métodos de Leite de Vasconcelos, que talvez este nunca tivesse podido aplicar-lhe. » (Ribeiro, 1958, p. XXIII)
No “Prefação” do volume V, apenas publicado em 1967, Orlando Ribeiro completa a sua descrição :
« As matérias do IV volume ou estavam completamente elaboradas pelo autor ou constituíam um amontoado informe de notas, verbetes e planos, que não poderiam publicar-se tal e qual. Perante esta heterogeneidade das diferentes partes, M. Viegas Guerreiro não hesitou em retomar os assuntos, ampliando-os com informação actualizada, de modo que pudesse dar-lhes um tratamento completo, sem quebra da unidade do volume ; donde resultou que afinal que os capítulos mais apressados e fragmentários são os que Leite de Vasconcelos ainda redigiu. » (Ribeiro, 1966, p. III).
Numa análise mais recente, afirma Ivo de Castro :
« Quem contemplar de fora os dez grossos volumes da Etnografia Portuguesa, ou examinar a sua referência nos catálogos ou na internet, pode facilmente acreditar nos dizeres da capa : que se trata de uma obra da autoria de José Leite de Vasconcelos, por isto se entendendo uma obra que o grande sábio concebeu, pesquisou, redigiu e publicou.
Mas quem abrir qualquer dos seus volumes e ler as Prefações que todos trazem notará que, a partir do volume IV, quem assina esses textos é Orlando Ribeiro e que esses volumes não foram publicados pelo Dr. Leite, sendo posteriores à sua morte (1941), nem foram por ele redigidos, salvo em algumas passagens, nem resultam de pesquisas por ele exclusivamente conduzidas, nem, finalmente, cumprem à risca o plano geral por ele concebido. Feitas as contas, verificará que dois terços dessa obra de coroamento de carreira foram realizados postumamente ao longo de décadas, com abnegado esforço, por um colectivo de discípulos do Dr. Leite, que culminaram a homenagem assim prestada ao mestre deixando que o nome deste permanecesse no lugar do autor. Foram eles Orlando Ribeiro, Manuel Viegas Guerreiro, Alda e Paulo Soromenho. Ribeiro superintendeu e prefaciou, Guerreiro organizou as tarefas, seleccionou para inclusão os materiais reunidos pelo Dr. Leite, investigou por sua conta e risco o que faltava e redigiu volumes inteiros ou grandes partes deles, sendo assistido nestas tarefas criativas pelo casal Soromenho, cuja mão mais se faz sentir nos últimos volumes. Não seria despropositado, portanto, tratá-los de acordo com os seus vários graus de responsabilidade como co-autores da Etnografia Portuguesa. » (Castro, sd).
Como o próprio Viegas Guerreiro afirma, “os volumes póstumos da Grande Etnografia Portuguesa, do 4º ao 10º, foram por mim organizados com ativa colaboração em parte do seu texto. Os outros colaboradores foram Paulo Soromenho e Alda Soromenho.” [24]. Dado o volume da informação e os desafios surgidos depois de 1974, o volume X e último só virá a ser publicado em 1988.
Não é assim de estranhar que Viegas Guerreiro tenha manifestado a sua discordância, num comentário publicado na Revista Ler História (Guerreiro, 1991), relativamente à afirmação de João de Pina Cabral de que o facto de serem publicados volumes da Etnografia Portuguesa até aos anos 1980, quarenta anos depois da morte do seu autor, seria uma ilustração do anacronismo da antropologia portuguesa neste período. (Cabral, 1989)
Para além da organização dos volumes póstumos da Etnografia Portuguesa, Viegas Guerreiro coordena, como também já referido,as equipas que tratarão da publicação de outras obras de Leite de Vasconcelos e será autor de vários ensaios biográficos sobre o mesmo.
Uma segunda área de trabalho foi a da Etnografia africana, que deu origem a duas obras maiores, o Volume IV de Os Macondes de Moçambique (1966) e os Bochimanes !khũ de Angola (1968), já anteriormente referidos. Os trabalhos realizados no âmbito da MEMEUP levaram ainda à realização dum significativo número de outros artigos sobre Angola e Moçambique. Entre os da autoria de Viegas Guerreiro, salientamos : « Boers de Angola » (1958), « Ovakwankala (bochimanes) e Ovakwannyama (bantos) : aspectos do seu convívio » (1960), « Jogos, brinquedos e outras diversões do povo Maconde » (1962), « Rudimentos de Língua Maconde » (1963b), « A numeração em povos iletrados : Bochimanes de Angola e Macondes de Moçambique » (1963a) e, ainda, « Novos Contos Macondes » (1974), « A propriedade entre Bochimanes » (1966a) e « Vida humana no deserto de Namibe : Onguaia » (1971), para além de conferências no Centro de Estudos Geográficos.
A partir de 1974, dedica-se a uma terceira área de investigação, ligada a estudos monográficos sobre comunidades locais. Só tardiamente aplicou em Portugal, este tipo de estudos que tinha iniciado em África. Em 1974, escreve uma longa recensão a um estudo monográfico feito pela americana Joyce Firstenberg Riegelhaupt, sob o título ’S. João das Lampas, freguesia saloia do concelho de Sintra”. (Cf. Ferreira, 2006, p. 147)
Numa análise a esse texto, refere João Ferrão :
« Tinha, por isso, razão nas suas conclusões ? Talvez não seja essa a questão que importa formular. Contribuiu para um melhor conhecimento dos processos de modernização e transformação de uma comunidade (rural) crescentemente exposta a fatores externos ? Esta sim, é a pergunta que devemos colocar e que se manterá em aberto e pertinente em qualquer período e para qualquer comunidade. É esta mensagem de abertura dialógica que Manuel Viegas Guerreiro, com as suas observações e sugestões, nos transmite permanentemente ao longo das cerca de 20 páginas que nos deixou a propósito da tese de doutoramento de uma jovem antropóloga americana que durante um ano veio até Portugal para estudar uma sossegada pequena comunidade rural saloia “à sombra da cidade”. (Ferrão, s.d.)
Na mesma área de trabalho, a obra Pitões das Júnias : esboço de monografia etnográfica (1981b) resultou duma encomenda por parte do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, que permitiu a Viegas Guerreiro fazer um trabalho de campo durante um ano, em 1977/78. Durante esse período pode aplicar técnicas de observação e descrição etnográfica que se podem considerar exemplares nos estudos monográficos em Portugal.
Segundo Jorge Freitas Branco, o estudo constituiu uma exceção ao quadro de atividades dos antropólogos da época :
« Escolheu a aldeia de Pitões das Júnias com um duplo intuito : estudar a já clássica questão do comunitarismo agropastoril na etnografia portuguesa e verificar como melhorar o relacionamento da população aldeã com a direção do parque. [...] Para além da monografia, foi conselheiro do documentário em longa-metragem realizado por Ricardo Costa e intitulado Pitões, Aldeia do Barroso (1979), 16 mm, cor, 86’, Diafilme / RTP). » (Branco, 2014) (Ver, Costa, 1979).
O livro Unhais da Serra : notas geográficas, históricas e etnográficas, publicado em 1982, mas com base em trabalho de campo realizado anteriormente, feito em colaboração com dois ex-alunos, resultou igualmente duma encomenda do Serviço de Parques, e insere-se na mesma área de estudo.
A temática foi ainda retomada no último projeto que coordenou, sobre a ilha de São Jorge, como já referimos, que deu origem a um livro, A Ilha de São Jorge, uma monografia : textos etnográficos, só publicado postumamente (Guerreiro, 2012).
Curiosamente, todos estes estudos de comunidades locais, apesar de com caraterísticas diferentes, um centro da primeira vaga industrial de lanifícios em declínio, no caso de Unhais da Serra, uma aldeia agro-pastoril de montanha, no caso de Pitões das Júnias, uma ilha atlântica, no caso de São Jorge, eram considerados por Manuel Viegas Guerreiro obras incompletas, “esboço”, “notas”, “textos etnográficos”, apesar de em todos eles tentar abordar a complexidade da vida social dessas comunidades, as suas origens e evolução. E em todos está presente a preocupação com a utilidade que possa vir a ter a informação recolhida para as populações estudadas. “Oxalá possam ser úteis à gente de Unhas e à sua governação as informações que damos e os novos caminhos de pesquisa que abrimos » (Guerreiro, 1982, p.153). « Aguardo que publicado o livro, ele possa melhorar as já boas relações entre a Administração do Parque e o povo de Pitões. E o trabalho de campo deu seus frutos nesse sentido. » (Guerreiro, 1982, p.10). « Pretende-se realizar um estudo antropológico global da Ilha de São Jorge (...) E sempre presente o sentido de aplicação da informação obtida e sistematizada : não uma investigação académica, pura, mas ciência teórica e prática, socialmente interessada ». (Guerreiro, 2012, p. 8).
Uma quarta área temática a que Viegas Guerreiro dedicou muito trabalho e que originou muitas publicações foi a da Literatura Popular. Já em 1955 publica um livro de divulgação sobre Contos Populares Portugueses e em 1957 um outro sobre Adivinhas Portuguesas, baseados em grande parte em recolhas feitas pelo próprio. Mas para além da edição de recolhas, são de grande importância as obras sobre metodologia, como o Guia de Recolha de Literatura Popular (1976), ou de reflexão, como o fundamental livro Para a História da Literatura Popular Portuguesa (1978), e os artigos resultantes de comunicações apresentadas nos Colóquios Gulbenkian, Littérature Populaire : Autour d’un concept (1987a), e Poesia Popular : Conceito, a redondilha, a décima ; décimas em poetas populares do Alentejo (1992b), para além de um grande número de outros artigos sobre temáticas específicas da Literatura Popular.
A quinta e última área de interesse, a história do pensamento antropológico, estava já patente nos trabalhos biográficos sobre Leite de Vasconcelos, mas tem continuidade em textos como a introdução do livro de Adolfo Coelho, Cultura e Analfabetismo (1984) ou na obra Temas de Antropologia em Oliveira Martins (1986). Reflete-se ainda em textos relativos à perspetiva do etnógrafo sobre o Outro, nomeadamente em títulos como Frei João de São José e a sua Corografia do Reino do Algarve (1981a), ou A carta de Pero Vaz de Caminha vista por um etnógrafo (1985), ou ainda a Carta do Achamento das Antilhas por Cristóvão Colombo (1992a), sobre quem escreverá um livro já na década de 90 (Guerreiro, 1994a).
O último livro que preparou, mas já publicado após a sua morte, reúne artigos e comunicações dispersas ou publicações há muito esgotadas, numa coletânea com o título Povo, Povos e Culturas (Guerreiro, 1997). Os 23 textos reunidos ilustram bem a diversidade dos temas abordados, revelando sempre o enorme respeito por manifestações culturais que, muitas vezes, escapam ao olhar dos especialistas.
Estudos Gerais Livres - ensinar aquilo que aprendemos
Após a aposentação, Viegas Guerreiro não pensou em deixar de ensinar, pelo contrário, procurou encontrar novos lugares em que o pudesse fazer de outra forma e para novos públicos. Em 1989 passa a ocupar a cadeira 27 da Academia de Ciências de Lisboa, onde realiza conferências e publica artigos como “A cultura da batata sua introdução na Europa. O caso de Portugal” e “Leite de Vasconcellos (1858-1941) e a Ciência Etnográfica em Portugal”.
Como afirmava em entrevista ao Diário de Lisboa em 27 de abril de 1989, « Quando atingimos o limite de idade ficamos privados de dar aulas, mas não nos privam de ensinar aquilo que aprendemos… que é exatamente o que eu gosto de fazer. »
Teve a oportunidade de alargar para outros países os públicos e os contextos de ensino. Reformado em Portugal, Viegas Guerreiro colabora em cursos de mestrado e de formação de professores em Cabo Verde e no Brasil, onde era, desde 1967, membro correspondente da Associação Brasileira de Folclore. Em 1984 é convidado, pela Universidade Federal da Bahia, para ministrar um curso de Literatura Popular Portuguesa, no Mestrado do Instituto de Letras. Para além das aulas, participa na procura de informantes para um projecto de pesquisa de literatura oral. (Cf. Ferreira, 2006, p. 159). Daí irá resultar a criação de um Programa de Estudo e Pesquisa da Literatura Popular do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, de que se tornará consultor, o que o levará a regressar ao Brasil em 1988.
Bráulio Nascimento, Vice-presidente da Comissão Nacional de Folclore do Brasil (IBECC/UNESCO), lembra-o assim, na altura da sua morte :
« Não se limitou a sua actuação à parte teórica, mas foi ao campo com a equipa para recolha de romances. No volume inicial resultante do Projecto — Romanceiro Ibérico na Bahia (1996) — figura o nome do mestre em dez romances recolhidos na pesquisa realizada em Saubara. [...] A perda do professor Manuel Viegas Guerreiro não será profundamente sentida apenas em sua pátria : ela será lastimada também nos países em que ele esteve, ainda que por breve tempo, transmitindo ensinamentos, onde fez discípulos e rapidamente conquistou amigos. Dotado de grande sensibilidade e de vasto conhecimento da cultura popular, larga experiência de campo e notável capacidade de envolvimento afectivo com os portadores da cultura, o professor Viegas Guerreiro deixou a todos os que tiveram a alegria de seu convívio, como os informantes de seus saberes, os alunos, os amigos e colaboradores, inesquecíveis lições de vida. » (Nascimento, 1996).
Foi junto do seu amigo e filósofo Agostinho da Silva (1906-1994) que encontrou apoio para lançar uma iniciativa que tinha tanto de utópico como de ambicioso. Em 22 de julho de 1988, Viegas Guerreiro e o seu amigo fundaram a associação ’Estudos Gerais Livres - Ensino Público e Gratuito’ com o objetivo de organizar conferências e cursos sobre uma ampla variedade de temas, em locais onde houvesse interessados. Esta iniciativa visava proporcionar um ensino aberto a quem quisesse ensinar e a quem quisesse aprender, sem as restrições formais das instituições universitárias.
Os Estudos Gerais Livres (EGL) proporcionaram a realização de dezenas de conferências e cursos e deram lugar a algumas publicações desde a sua inauguração em 1989, mantendo uma atividade regular até 2001. Reuniram personalidades marcantes da ciência e da cultura e simples conferencistas com algo que ensinar sobre uma grande diversidade de temas, numa época com muito menor oferta deste tipo de atividades abertas.
A inauguração realizou-se no dia 3 de maio de 1989 com uma conferência do próprio Agostinho da Silva, sobre Estudos Gerais, e contou com a presença do Presidente da República Mário Soares. Os Estudos Gerais Livres ocuparam grande parte dos últimos anos de Viegas Guerreiro, responsável pela organização dos programas trimestrais. Numa entrevista à jornalista Maria Antónia Martinho antes do lançamento dos EGL, Viegas Guerreiro explica a perspetiva muito própria sobre o que deve ser ensinar e aprender :
« Esta é também uma maneira de abrir a porta a quem tem o gosto de ensinar independentemente de ganhar no ensino, o que evita aquilo que por vezes acontece nas escolas, ou seja, termos profissionais cujo objectivo é obter rendimentos que lhes dão a possibilidade de viver, não juntando a isso o ideal profundamente cívico que é o que sobretudo nos une nos Estudos Gerais. Queremos lançar para fora ideias, conceitos, pontos de vista, informação e teorias que apuram o que é isso da cultura, sem que os professores tirem disso qualquer benefício material. Tal como os alunos nada têm que pagar, e é esta dimensão que é curiosa : aprende-se para ensinar e quer quem ensina, quer quem aprende, nada tem a pagar. Isto é um princípio que deveria até poder um dia ser geral [...] que as pessoas para aprender não tivessem que pagar coisa nenhuma e que quem ensinasse não tivesse que trocar isso por moeda [...] mas claro, esta é uma situação puramente utópica, dado que as estruturas sociais, políticas e económicas não permitem essa liberdade » (Guerreiro, in Martinho, 1989).
Conclusão - o povo vendo-se ao espelho
Manuel Viegas Guerreiro trabalhou até ser acometido por um acidente vascular cerebral no dia em que completava 84 anos, a 1 de novembro de 1996. Viria a falecer a 1 de maio de 1997.O papel de cada autor na história da sua área disciplinar é habitualmente (re)construído por aqueles que fazem a própria história da disciplina, neste caso a história da Antropologia. Não é o que se pretende fazer neste artigo. Para lá das interpretações baseadas na periodização e contextualização, úteis para atribuir rótulos a autores, há os testemunhos e as marcas únicas que deixaram gravadas no mundo em que viveram. O que havia de incomum em Manuel Viegas Guerreiro, e que constitui o seu principal legado, é a capacidade de olhar e encontrar cultura nos lugares menos valorizados numa determinada época. E ter a curiosidade e a disponibilidade para aprender com esses testemunhos.
Muitos autores referem a possível influência do contexto em que nasceu e cresceu na visão que construiu sobre a cultura popular. O geógrafo Orlando Ribeiro carateriza-o da seguinte forma : « nascido num lugar serrano do Algarve, criado numa família popular, é ele próprio um tesouro de informação etnográfica ; esta marca de origem nunca a deixou apagar » (Ribeiro, 1958, p. XXI). O filósofo Joaquim Cerqueira Gonçalves afirma que « (o povo é), para ele, mais do que uma categoria social, desfrutando, antes, duma espessura metafísica, com uma racionalidade própria, não emprestada, artificialmente, pelas construções científicas. » (Gonçalves, 1997, p. 17).
A geógrafa Suzanne Daveau realça que « o amor e o respeito com o qual tratou sempre a gente que estudou aparece, por exemplo, nos agradecimentos que dirigiu ao povo maconde, “que com tão apurado espírito de compreensão, invulgar confiança e generosa simpatia me deixou penetrar um pouco na intimidade do seu viver quotidiano” ». (Daveau, 1997, p. 15).
Na imagem refletida que criava, Manuel Viegas Guerreiro via-se como um transcritor do que recebia do povo, como refere em relação aos Macondes de Moçambique, « e não hei-de esquecer também Muangalie, o artesão habilíssimo e caçador astuto, homem de profunda sabedoria, que por minhas mãos escreveu páginas das mais significativas deste trabalho. » (Guerreiro, 1966, p. 7). E algo semelhante afirma em relação às lições que recebeu do povo de Pitões, « a outra, porventura maior, foi a que quotidianamente de todos recebi e constitui a própria substância do livro. Eles mo ditaram, só o escrevi. » (Guerreiro, 1981, p. 13). Para além do significado metafórico da transcrição direta dos traços culturais observados, Manuel Viegas Guerreiro encontrava em tudo o que estudava formas de dar voz a mundos muitas vezes ignorados.
Cerqueira Gonçalves chama-lhe « pedagogo da alfabetização », explicando que essa preocupação « não consistia em impor, do exterior, conteúdos científicos artificialmente construídos, mas em exortar a que os alunos - todo o ser humano - lessem os caracteres do livro do mundo e dos costumes do povo e, nesse processo, os desenvolvessem. » (Gonçalves, 1997, p.17).
Encontramos uma afirmação muito clara do debate que toda a vida manteve com os que desvalorizavam ou ignoravam as manifestações culturais do povo, no seu livro Para a História da Literatura Popular Portuguesa :
« Iguala-se cultura a saber escolar, como se na prática quotidiana o homem comum se não instruísse, como se o seu saber fosse qualitativamente diferente do outro. Não há gente culta e gente inculta. A cultura é só uma, tudo o que aprendemos do nascer ao morrer, de nossa invenção ou alheia, sentados nos bancos da escola ou da vida. Não há uma alta cultura e uma baixa cultura, uma cultura superior e outra inferior, ou popular, mas só cultura. Acabemos de vez com essa absurda e injusta discriminação. » (Guerreiro, 1978, p. 25.)
Esse debate de ideias alargou-se a autores como Antonio Gramsci, que Viegas Guerreiro considera demasiado limitativo na visão sobre o que separa os filósofos profissionais e o homem comum. « O homem do povo, que filosofa, sabe situar-se muito bem no ambiente em que vive. Sai, para pensar, do seu contexto cultural, analisa as constantes da sua cultura, os padrões de comportamento, para repudiar uns e aceitar outros. (...) Isso tenho eu visto fazer, isso se lê nas obras que nos tem legado. » (Guerreiro, 1986, p. 20).
Essa perspetiva não partia para Manuel Viegas Guerreiro duma posição teórica. « Não saberei dizer, propriamente em que escola me filio, na posição teórica que assumo. Talvez um funcionalismo de forte acento social, um imenso desejo de que o que escrevo venha a servir a comunidade que estudei e a nação a que pertenço. E, juntamente, um pendor pedagógico que me vem da vocação e do ofício. Sempre estou querendo ensinar, tornar claro e acessível o que escrevo. » (Guerreiro, 1981, p. 12.)
Viegas Guerreiro tinha consciência dos riscos que a posição de proximidade podia colocar à sua investigação, nunca deixando que interferisse na sua capacidade de observação. « No plano metodológico pude averiguar os perigos que tem a observação participante no estudo de pequenas comunidades, quando levada a certo grau de intimidade. Tanto me inseri na de Pitões que quase me esquecia da função de observador, quase perdia a minha identidade de etnógrafo. (...) Tive, com frequência, de me repensar como alheio, para me repor na objectividade indispensável. Aqui fica, pois, a advertência metodológica, a quem achar que precisa dela. » (Guerreiro, 1981, pp. 9-10.). E sobre os Bochímanes afirma : « Não me faltou simpatia pela pobre gente bochimane, e talvez até favor, coisas a que alguns muito mal querem. Mas eu tentei ser tão objectivo quanto exigia a verdade dos factos e sua exacta compreensão, embora não tenha podido nem querido renunciar ao meu humanismo essencial. Fique com outros a pretensão de independência, desinteresse e ciência certa, enquanto se não vê que os factos o confirmem. » (Guerreiro, 1968, p. 11).
Foi esse humanismo essencial, que Manuel Viegas Guerreiro trouxe para o campo da Antropologia, que me marcou no contacto que com ele tive, como aluno, colaborador e amigo.
Deixo para reflexão, que continua valiosa nos dias de hoje, uma citação de Os Bochimanes !khũ de Angola (1968), sobre “a sabedoria do mundo”, reveladora do seu entendimento do conceito de cultura.
« É grande a sabedoria do mundo, ainda que quando considerada nos povos iletrados. Milénios de experiência produziram acumulação imensa de saber nos mais variados domínios da vida. [...] Quantos conhecimentos se não contêm na fábrica aparentemente simples de um instrumento musical, de um arco e flecha e no curtir de uma pele ou preparação de um veneno ? E que sabedoria moral se não soma nos ditos e comportamentos individuais e na criação da fantasia literária ? » (Guerreiro, 1968, p. 303). [25]
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Resumo : Manuel Viegas Guerreiro foi uma personalidade única no século XX português. Nascido numa aldeia da serra algarvia, começou muito jovem a recolher poesia popular, dedicando grande parte da vida à recolha e estudo de manifestações culturais do povo. Estudou Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa onde conhece e começa a colaborar com o etnólogo José Leite Vasconcelos, tendo sido responsável pela publicação de grande parte dos materiais que este deixou, de que se destaca a Etnografia Portuguesa em 10 volumes. Realizou investigações entre os Macondes de Moçambique, e em Angola, entre os Bochimanes, em que transparece « o amor e o respeito com que tratou sempre a gente que estudou ». Em Portugal estuda comunidades locais e escreve sobre diversas áreas da Etnografia e da Literatura Popular, valorizando expressões culturais muitas vezes menorizadas. Como professor extraordinário de Etnologia na Faculdade de Letras de Lisboa vai influenciar gerações de alunos e coordenar projetos e equipas de recolha e investigação de Literatura e Tradições Populares. Das inúmeras iniciativas em que se envolveu, marcadas pelo humanismo e a preocupação social, salienta-se a criação do Centro de Tradições Populares Portuguesas, no qual deixa um notável arquivo de recolhas, e dos Estudos Gerais Livres.