Em 2 de setembro de 2018, o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro foi atingido por um grande incêndio, que consumiu boa parte de suas coleções. O desastre é um marco na história da instituição, que agora está em processo de reconstrução (Duarte 2022). Espaço de ciência bicentenário, o primeiro do Brasil, até o incêndio de 2018 o Museu possuía um dos maiores acervos das ciências naturais e antropológicas da América Latina. Inicialmente chamado Museu Real, depois Museu Nacional do Rio de Janeiro, a sua trajetória ocupa lugar de destaque na história do país na medida em que os saberes disciplinares ali produzidos estiveram estreitamente vinculados às políticas de Estado (monárquico, imperial e republicano) voltadas à gestão de territórios e de populações. [1]
Em fins do século XIX, a preocupação em consolidar e legitimar a ciência antropológica no Brasil, em inscrever os povos indígenas na história nacional e em demandar ao governo imperial um museu especializado em etnografia motivou o então diretor do Museu Nacional, Ladislau Netto, a realizar nos salões da instituição a Exposição Antropológica Brasileira no ano de 1882, primeira e única do gênero no Brasil, a qual teve a duração de três meses, exibiu centenas de objetos indígenas e recebeu milhares de visitantes. Tratava-se de uma mostra comemorativa que deveria ocorrer em concomitância com a Exposição de História do Brasil realizada na Biblioteca Nacional em 1881, onde se exibiria os documentos escritos que evidenciavam os feitos do colonizador português enquanto aquela exibiria objetos etnográficos e arqueológicos a fim de apresentar o passado e a “evolução” dos povos sem escrita. Atrasos na organização da Exposição Antropológica, em razão, sobretudo, das dificuldades em adquirir coleções, adiou a sua inauguração para o ano de 1882. Este estudo analisa as intenções de seus idealizadores e as práticas de representação que constituíram a ordem expográfica e lhe atribuíram significados.
O passado como questão
Em 1866, Ladislau de Souza Mello Netto (1838-1894) [2] retornava da França, após estudar botânica no Jardin des Plantes de Paris por dois anos, e era nomeado diretor da “2ª Seção – Botânica, Agricultura e Artes Mecânicas” do Museu Nacional do Rio de Janeiro, cargo que ocupou até 1874, quando então se tornou diretor geral do Museu, função que desempenhou até o fim da vida. O Museu Nacional neste período já era um importante estabelecimento científico do Império, centralizava os estudos das ciências naturais no país, estabelecia contatos e trocas com instituições estrangeiras, intermediava relações com naturalistas e funcionava num prédio situado no Campo de Santana, centro político da Corte [3] (Guimarães 2011). Ladislau Netto atribuiu à sua experiência na França a motivação que o levou a querer conhecer o passado longínquo do Brasil e de seus “primitivos” habitantes. No prefácio do sexto volume da revista Arquivos do Museu Nacional, publicado em comemoração à Exposição Antropológica Brasileira, escreveu ele que, estando em Paris, “deixou-se arrastar pelos vórtices da onda” que viu agitar a Europa com o descobrimento de Boucher de Perthes, o qual “dilatou as fronteiras da origem do homem” [4].
Ladislau Netto acompanhou de perto as discussões em torno da grande descoberta daquele momento : a do homem fóssil, de Boucher de Perthes. Era a invenção da pré-história. Jacques Boucher de Perthes (1788-1868) encontrou no norte da França nos idos de 1840 pedras talhadas junto a fósseis de animais mamíferos, o que lhe serviu para associar a contemporaneidade do homem que as talhou à dos exemplares da fauna geológica que ali foram encontrados. O achado de Boucher de Perthes provocou uma dilatação no tempo ao ampliar a antiguidade do homem, tema que até então não passava de controvérsias sem materialidade. Nos anos que se seguiram à descoberta, Boucher de Perthes buscou no Museu de História Natural de Paris, em vão, espaço para validar seu estudo que, aliás, permaneceu sob suspeita aos olhos dos cientistas (Hurel 2014). Apenas em fins da década de 1850 é que seu trabalho foi reconhecido e consagrado pelos cientistas da França e também da Inglaterra (Blanckaert 1990). Em 1860, o material encontrado por Boucher de Perthes foi finalmente aceito para figurar nas galerias do Museu de História Natural de Paris, graças ao apoio de Armand de Quatrefages (1810-1892), professor da cadeira de antropologia, que qualificou a descoberta como revolução científica (Hurel 2014).
A “revolução” provocada por seu estudo consistiu não só no achado que evidenciava a antiguidade geológica do homem, mas também e sobretudo na alteração da experiência humana com o seu próprio passado (Blanckaert 1990). A invenção da pré-história estendeu a noção do tempo, fundando um passado de duração ilimitada e incalculável. Ela consistiu numa invenção cognitiva para compreensão humana desse tempo longo e indefinido, criado exatamente no momento em que o ideário do progresso (tecnológico e econômico) e seu tempo acelerado marcavam o imaginário da modernidade e davam um ritmo célere à evolução (Labrusse 2019). Essa complexa percepção temporal teria motivado o surgimento da ideia de catástrofe, na qual aquele passado gigantesco passou a pesar sobre as expectativas humanas, dando-lhes a figura do desastre e da extinção (Labrusse 2019). Ademais, a invenção da pré-história colocou aos estudiosos uma noção de tempo não espacializada, desafiando sua compreensão do passado humano, não mais objetivável nos termos da temporalidade histórica : o tempo antes da história seria inexprimível pelo sistema de datas e eventos (Labrusse 2019).
O estudo de Boucher de Perthes ofereceu provas a favor do paradigma evolucionista na medida em que permitiu associações entre o “homem fóssil”, o “primitivo” e a humanidade contemporânea. A comparação entre objetos pré-históricos e aqueles utilizados pelos povos “selvagens”, por exemplo, serviu de evidência para a criação de elos entre tempos distintos (Dias 1991). A “marcha retrospectiva” propiciada por esse tipo de estudo permitiu o encontro das ideias transformistas com o método geológico, alimentando a crença de que o homem da era geológica representava a infância da humanidade, rumo ao aperfeiçoamento (Pautrat 2011). As reflexões sobre o “homem fóssil” irão integrar a nova ordem do mundo nascida da difusão das teorias evolucionistas, uma lei universal do progresso vai se tornar a chave da leitura da história do homem (Hurel e Coye 2011).
Ao retornar ao Brasil, Ladislau Netto pode então aplicar a sua experiência e formação na Europa aos estudos arqueológicos e etnográficos a que se dedicou no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Escreveu ele que o Museu era o
único estabelecimento científico no Brasil capaz de coletar e estudar os despojos ou os últimos representantes de vários milhões de indivíduos que povoaram, por dez séculos, as costas e planícies do interior do Brasil.
Hoje, algumas centenas de milhares de descendentes desses antigos senhores da América do Sul, ainda nos restam para nos dar uma ideia, infelizmente, muito fraca, de seus ancestrais, mas um número considerável deles morre por ano, e a raça vai em breve desaparecer completamente, ou se fundir na mestiçagem [...].
Numerosas tribos já desapareceram, e com elas suas línguas, suas cerimônias bárbaras, suas tradições e vários outros documentos que seriam hoje para nós tão preciosas bases de estudos etnográficos. É preciso que nós nos apressemos para salvar o pouco que nos resta, para não sermos condenados por nossos sucessores no futuro, assim como desaprovamos agora nossos predecessores, sua negligência no passado [5].
Foi com o olho no futuro que Ladislau Netto buscou então compreender o passado. A ele interessava o registro dos costumes indígenas, a que chamou de “documentos”, salvando-os do desaparecimento ao qual as “raças indígenas” estavam fadadas. Tais “documentos” guardariam as chaves para o entendimento do passado pré-histórico do Brasil. É importante dizer que a pré-história do Brasil era bastante distinta da pré-história europeia : enquanto na Europa o “primitivo” estava extinto, fossilizado e o tempo antes da história acabado, no Brasil os “primitivos”, representados na figura do “índio selvagem”, estavam vivos, diante dos olhos dos naturalistas, com sua língua, seus hábitos, costumes e crenças, seguindo o curso natural da “evolução”, que os levaria à extinção. “Documentar” suas práticas e conservar suas produções era forçoso para a compreensão do enigmático passado dos povos da América. O Museu Nacional seria, portanto, arquivo dessa humanidade extinta e por extinguir-se.
Foi motivado por esta compreensão que Ladislau Netto planejou a Exposição Antropológica Brasileira de 1882. Objetos indígenas de diferentes usos e tipos, bem como pinturas, fotografias e livros que os traziam como temática foram apresentados na ocasião. O corpo indígena também foi alvo de interesse na mostra : no caso dos vivos, servindo à confecção de esculturas e às medições antropométricas ; no caso dos mortos, fornecendo os ossos para efeito de comparação e serialização. Nas palavras de Ladislau Netto, a Exposição Antropológica deveria ser “complementar” à de História do Brasil realizada na Biblioteca Nacional [6]. Ambas exibiriam uma narrativa sobre a formação nacional : a exposição de História apresentaria ao público o passado nacional, cujo tempo e espaço estavam bem demarcados nos documentos escritos e que era tributário da “civilização” portuguesa (Caldeira 2015 ; Macedo 2013) ; e a exposição de Antropologia tornaria inteligíveis o passado e a “evolução” dos povos sem escrita através dos objetos etnográficos e arqueológicos, os quais detiveram ora o estatuto de antiguidade, ora de espécime, oscilando entre as classificações da história natural e da história nacional (Andermann 2004).
Cenas da Exposição
Em 29 de julho de 1882, era então inaugurada a Exposição Antropológica no Museu Nacional. A escolha da data foi uma homenagem à Princesa Isabel, que fazia aniversário neste dia – a Exposição de História do Brasil da Biblioteca Nacional foi inaugurada em 2 de dezembro de 1881, aniversário do imperador Pedro II. O evento de abertura contou com a presença da família imperial e de outras personalidades do mundo político, que foram recebidos “ao som do hino nacional” [7]. A música para animar a cerimônia ficou a cargo da banda do Asilo de Meninos Desvalidos [8]. A Exposição teve a duração de três meses, período no qual o público pôde visitá-la, percorrer as oito salas que integravam a mostra e ver toda a estrutura expositiva montada em dioramas e panóplias. Os dioramas consistiam em cenários onde se imaginava reproduzir o modo de vida dos indígenas. Este recurso expositivo criava um efeito de realidade e verossimilhança, bastante diferente da experiência visual advinda das vitrines e armários. Já nas panóplias, objetos semelhantes na forma e na função eram organizados de modo simétrico, lado a lado, nas paredes das salas. Este tipo de estrutura expositiva era marcado pela exaustão : exibia-se repetidamente uma grande quantidade de coisas morfologicamente semelhantes.
As oito salas foram organizadas por áreas de saber e designadas pelo nome daqueles que, de algum modo, contribuíram para o conhecimento da temática indígena. A sala Vaz de Caminha [9] reunia objetos da etnografia, como arcos, flechas, lanças e remos “de diferentes tribos do Brasil”, entre as quais estavam os “Guajajara”, “Carajá”, “botocudos Nak-nanuks”, “Parintintins” e “Coroados” [10]. A sala contava com quarenta itens e figuravam entre os expositores colecionadores particulares, como o imperador Pedro II e o Conde D’Eu, e instituições, como o Museu Paraense, o Museu Paranaense e o próprio Museu Nacional. Três itens foram extraídos de situações de guerra, o que os tornava testemunhos dos episódios narrados :
30. Flechas arrancadas do cadáver dissecado de Silverio da Costa Alecrim, morto pelos Botocudos na Lagoa Grande, a 21 léguas abaixo de Philadelphia, a 17 de maio de 1882. – Exp : João Ferreira de Andrade Leite. [...]
35. Flechas tomadas no Ribeirão da Prata aos selvagens que atacaram a expedição de 30 homens do major Jorge Lopes da Costa Moreira, diretor da colônia militar de S. Lourenço, prov. de Mato Grosso. – Exp : M. Paranaense.
36. Flechas com que os Matanaués, no rio Aripuanã, município de Borba, prov. do Pará, assassinaram 5 pessoas. (MN) [11].
As flechas, tomadas como objetos de ataque, nunca de defesa, eram “provas” da “barbárie” e “selvageria” atribuídas aos indígenas, a quem foram associados termos como “cadáver dissecado”, “atacaram” e “assassinaram”. O episódio dos “botocudos” que teriam “dissecado” Silverio Alecrim e cujas flechas foram colecionadas por João Ferreira de Andrade Leite é um bom exemplo disso. A resistência indígena foi travada em função da invasão do seu território para a construção da ferrovia Bahia-Minas, o que desencadeou conflitos intensos em “Philadélphia” [12]. Uma semana após o confronto que levou Silverio à morte, ouviram-se histórias da morte de trinta indígenas como retaliação (Agostinho 2020). A disputa travada em torno da construção da ferrovia não foi posta nem no Guia da Exposição Antropológica Brasileira, nem na sala da exposição. Contudo, numa perspectiva crítica, não podemos perder de vista a dimensão contemplativa de uma museografia que anistia a violência e apaga as condições de formação das coleções.
A sala seguinte foi nomeada Rodrigues Ferreira. Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815) foi um naturalista brasileiro que, a pedido da Coroa portuguesa, chefiou entre 1783 e 1792 uma expedição científica que atravessou o norte do Brasil. A sala apresentava igualmente objetos etnográficos de grupos indígenas como os “Ipurinãs”, “Jurunas”, “Caingangs”, “Tembés”, “Parecis” e “Cherente”. Entre os objetos havia “flechas envenenadas”, “instrumentos de guerra, de caça, de pesca e de música”, representação de indígenas em esculturas, aquarelas da viagem científica de Alexandre Rodrigues Ferreira e um “arco” resignificado em troféu de guerra [13]. A descrição que o acompanhava afirmava que se tratava de um objeto subtraído de um vencido : “Arco tomado ao cacique Voãe, botocudo, em dezembro de 1881, no lugar denominado Estiva, município do Rio negro, província do Paraná (MN)” [14].
Na figura 1 vemos três ubás, espécies de canoas “feitas de casca de jutaí pelos Tembés do rio Capim” [15], dentro das quais estavam esculturas representando indígenas com “remos” [16] acompanhadas de “covo” e “jequi” [17], objetos que serviam à pesca, insinuando a navegação por rios para realização daquela atividade. Há também uma escultura feminina, de pé, portando cestos ao lado de animais taxidermizados. Sobre a cabeça, estava possivelmente o “Pãnacary”, que segundo o Guia servia para “cobrir a cabeça, carregar peixe e diferentes objetos” [18]. Ao fundo, temos inúmeras panóplias constituídas de lanças, flechas, arcos e remos, além de outras três esculturas e de um “modelo de maloca” [19], que será registrado em primeiro plano pelo fotógrafo na figura 2.
Aí é possível ver duas esculturas posicionadas frente a frente : enquanto uma delas tem um objeto levado à boca, uma “zarabatana” [20] talvez, a outra parece auxiliá-la, quiçá “ervando” [21] as flechas. Ambas estavam vestidas e portavam adornos plumários. A quantidade de armas organizadas em panóplias é expressiva. Lanças, arcos, flechas e bordunas, despossuídas da funcionalidade para a qual foram criadas, agora formam desenhos geométricos que decoram a sala da exposição, indiciando o desarmamento dos povos indígenas e o triunfo da guerra sobre eles. As panóplias davam às armas indígenas uma função decorativa, retirando delas as potenciais ameaças ao torna-las disponíveis somente ao olhar, não mais ao manuseio.
Já os dioramas funcionavam como bom recurso didático na medida em que, exercendo um efeito realista, facilitavam a compreensão do visitante a respeito do uso de cada coisa ali mostrada e o levavam a imaginar os modos de vida diferentes e distantes do seu. O uso de dioramas e panóplias como recurso expositivo era comum nas efêmeras exposições universais e nas exposições permanentes dos museus estrangeiros ao longo do século XIX e início do XX. Na Europa, uma engenharia do real era constituída nos espaços de exibição, despertando no observador um efeito de realidade baseado na representação e na verossimilhança dos modos de vida de africanos cativos das guerras coloniais (Magubane 2009).
As duas salas subsequentes eram a Sala Léry e a Sala Hartt. É de salientar que o geólogo Charles Frederick Hartt (1840-1878), chefiou a Comissão Geológica do Império (1875-1877), expedição em que reuniu coleções para o Museu Nacional. Foi diretor da 3ª Seção do Museu Nacional. Morrera quatro anos antes da Exposição Antropológica Brasileira, em 1878, vítima de febre amarela. Já Jean de Léry (1536-1613) esteve no Brasil durante a França Antártica, período de dominação francesa no Rio de Janeiro. Publicou em 1578 Histoire d’un voyage fait en terre du Brésil, obra onde escreveu sobre os costumes indígenas. Ambas as salas exibiam, no total, duas centenas de objetos da arqueologia, como “fragmentos de louça antiga do Amazonas [...] e dos sambaquis do sul”, “produtos cerâmicos antigos”, vasos e fragmentos “lisos”, “esculpidos” ou “pintados”, “ornatos zoomorfos e antropomorfos”, “ídolos”, “urnas funerárias”, “igaçabas” e “panelas” [22]. O material foi “exumado” nas províncias do Amazonas, Pará, Ceará, Alagoas, Minas Gerais, Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A sala seguinte era a Lund. Peter Wilhelm Lund (1801-1880) foi um paleontólogo dinamarquês que em 1843 encontrou na cidade de Lagoa Santa, Minas Gerais, fósseis humanos e de animais. O achado foi considerado uma importante contribuição para a paleontologia brasileira. Esta sala era a única dedicada à antropologia e apresentava ao visitante as coleções de ossos do Museu Nacional. Deixaremos para falar dela mais adiante. Ao lado da sala Lund estava a Sala Martius com objetos da etnografia e da arqueologia simultaneamente. Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) foi um naturalista alemão que veio ao Brasil como integrante da Missão Austríaca. Entre 1817 e 1820 percorreu com Johann Baptist von Spix várias províncias para estudar a flora brasileira. Em 1845, escreveu Como se deve escrever a história do Brasil, trabalho premiado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). No que se refere ao material arqueológico reunido na sala, havia coleções cerâmicas do Peru e da Guiana Holandesa de propriedade do imperador Pedro II. Já as coleções etnográficas incluíam “cuia”, “balaio”, “tipitis”, “esteiras”, além de “alguns produtos cerâmicos modernos do Amazonas, do [rio] São Francisco (Alagoas) e do Paraná” [23]. Sobre os “tipitis”, que serviam para espremer mandioca ou extrair óleo de sementes, um visitante o reconheceu como objeto de uso disseminado no Rio de Janeiro : uma “engenhosa prensa inventada pelos índios para extraírem o caldo da mandioca e da qual ainda no fim de três séculos, se serve o homem civilizado nas proximidades da capital do Império” [24]. Sobre os objetos cerâmicos, no Diário de Pernambuco eles foram destacados por sua beleza :
Nos objetos de barro ali expostos, embora feitos por mãos indígenas, reconhece-se já o dedo da civilização, o produto moderno ; entretanto não é sem admiração que se olha para essa indústria do país e se medita na aptidão dos índios para os trabalhos cerâmicos.
Os vasos de barro [...] são dignos de ver-se pelo bem acabado e gosto de sua forma e ornamentação [25].
A sala ulterior, denominada Gabriel Soares, também atraiu o olhar dos visitantes. Gabriel Soares de Souza (1540-1591) foi um nobre português que em 1569 veio morar no Brasil. Escreveu o Tratado descriptivo do Brazil em 1587. Naquela sala, “coleções arqueolíticas” e “muitos produtos da arte plumária brasileira, adornos, tecidos e vestes” [26] foram descritos como “de uma beleza incontestável pela combinação das cores e pelos formatos” e as vestimentas que usavam os Ticunas “nas suas danças e festas” eram “realmente dignas de ver-se e despertam a maior curiosidade” [27]. Nesta sala, ainda estavam “cabeças mumificadas” pelo povo Jívaro (Equador) e pelo povo Munduruku (Brasil). Sobre a primeira escreveu Ladislau Netto : “cabeça mumificada e reduzida de um chefe indígena do Equador, conservando toda a sua estrutura em miniatura” [28] ; já a segunda foi assim descrita :
“131. Cabeças de dois chefes Parintintins mumificados pelos Mundurucús. Depois do combate cortam os Mundurucús as cabeças dos inimigos mortos levam-nas para as suas aldeias e preparam-nas de modo que se conservam por longos anos. É o estimado troféu que sempre acompanha o guerreiro [29].
Por fim, temos a Sala Anchieta dedicada à etnografia. Nela foi exibido material bibliográfico e iconográfico produzido por viajantes sobre os indígenas. Havia livros, quadros, fotografias, gravuras, litografias e aquarelas, entre as quais destacamos obras do próprio José de Anchieta (1534-1597), padre jesuíta que atuou na catequização dos indígenas do Brasil e foi autor da primeira gramática da língua tupi, e de Ferdinand Denis (1798-1890), historiador e escritor francês que em 1816 viajou ao Brasil e que escreveu, em parceria com o pintor Hippolyte Taunay, Le Brésil, ou Histoire, mœurs, usages et coutumes des habitans de ce royaume, publicado em Paris de 1822 ; ou as pinturas a óleo de Décio Villares (1851-1931) e de Francisco Aurelio de Figueiredo (1854-1916), pintores, escultores e caricaturistas brasileiros formados pela Academia Imperial de Belas Artes ; e gravuras das seguintes publicações : Reise nach Brasilien (1820), do príncipe alemão Maximilian zu Wied-Neuwied ; Reise in Brasilian (1823), de Karl Von Martius ; Voyage pittoresque dans le Brésil (1835), de Johann Moritz Rugendas (1802-1858) pintor alemão que veio ao Brasil em 1822 como desenhista da expedição científica promovida pelo cônsul da Rússia, Grigory Langsdorff (1774-1852), tendo viajado pelo Brasil retratando a paisagem, a fauna, a flora e cenas do cotidiano.. Esta era uma sala repleta de ilustrações. As pinturas a óleo de Décio Villares e Francisco Aurelio de Figueiredo foram encomendadas especialmente para a Exposição Antropológica Brasileira, tendo sido, boa parte delas, pintadas “ao natural”, inspirada nos indígenas que foram levados ao Museu Nacional para estudo e exibição pública [30]. Ambos os artistas produziram retratos de bustos, o que atribuiu realismo às obras. Segundo Nascimento (1991), a imagem produzida pelos pintores pode ser definida pelo conceito de “clareza clássica, que está diretamente ligado ao ideal de perfeição, com que se copia a realidade. [...] A figura do conjunto de retratados apresenta sempre visibilidade perfeita, obtida através do recorte em um fundo neutro” (Nascimento 1991, p. 66). Abaixo mostramos algumas delas.
O “Chamacôco” tratava-se de um indígena da “tribo” do mesmo nome, tinha vinte anos de idade e era “aprendiz artilheiro da fortaleza de S. João, do Rio de Janeiro” [31]. Já “Anhorô” tratava-se do Kayapó José Marques Anhorô, primeiro indígena contratado para trabalhar no Museu Nacional fazendo o reconhecimento dos objetos indígenas e demais atividades de auxílio ao diretor Ladislau Netto [32]. Quando menino, Anhorô estudou no Colégio Isabel (situado em Leopoldina, hoje Aruanã), participando do projeto civilizatório para as crianças indígenas das margens do Rio Araguaia no Brasil Central. A aquisição dos alunos se dava, muitas vezes, por meio da violência, rapto e aprisionamento (Marin 2009). Depois de ter estudado no Colégio Isabel, com cerca de 20 anos de idade ele chegou em 1882 ao Museu Nacional por indicação de Aristides Spínola (1850-1925), deputado e ex-presidente da província de Goiás [33]. Ali, Anhorô colaborou com Ladislau Netto em múltiplas funções, inclusive ensinando-o sobre o uso dos tembetás entre os indígenas do vale do Tocantins e do Araguaia [34]. Ao ser retratado por Décio Villares, Anhorô foi tomado como um índio exemplar : vestido em um luxuoso traje – paletó, camisa, colarinho e gravata borboleta – diferentemente dos índios “selvagens” retratados com botoques, colares de dentes e trajes típicos (Nascimento 1991). Anhorô aparece com o orifício auricular esquerdo alargado, o que indica a sua condição de “ex-selvagem”, de quem foi usuário do botoque, ornato signo da selvageria, mas que alcançou o estado da “civilização”. Para Andermann (2004), as representações visuais produzidas para a Exposição Antropológica Brasileira de 1882 buscaram revalorizar o indianismo ao passo que tentaram, igualmente, substitui-lo pelo viés da ciência, reunindo no espaço museológico um misto das duas visões acerca do indígena. O indianismo expressava, no romantismo literário e artístico brasileiro, a idealização do indígena como herói mítico nacional ; inseria-se num regime de memória que remetia a imagem do indígena sempre no passado, estetizado e enobrecido em seus costumes. O indígena real, ao contrário, era tido como insólito e resistente à civilização (Oliveira 2016).
Voltemos à sala Lund. Havia ali “esqueletos e crânios de indígenas Tembés e Turiuárias [...] ; grande número de crânios de diversas tribos de Botocudos ; muitos ossos retirados dos sambaquis da província de Santa Catarina[...]” [35]. A sala continha remanescentes de 93 indivíduos de diferentes tempos e lugares, que contabilizamos a partir da quantificação dos crânios listados no Guia da Exposição. Quanto à procedência, cerca de metade dos “crânios”, “fragmentos de crânios” e “múmia” foram obtidos em “caverna”, “sambaqui” e “gruta” das províncias brasileiras – Amazonas, Pará, Amapá, Alagoas, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul –, além da Bolívia e do Peru. Provavelmente tratava-se de remanescente arqueológico. Os demais “crânios” e “esqueletos” foram obtidos em tempos recentes nas províncias de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná e no Rio Xingu. Surpreende que a grande maioria deles foi atribuída à “botocudos”, termo que qualificava seu portador como um ser “feroz” e absolutamente “primitivo”. Muitos foram extraídos de corpos indígenas mortos por doença ou em combate.
Estava na sala, por exemplo, o “crânio” de um Xavante “morto por ocasião do assalto da Fazenda do Jaguareté em 1876”, identificado pelo número 111 ; ou ainda o “crânio” de um Guarani, nº 110, “falecido de varíola em 1876 nas margens do rio Tibagy” ; o “crânio e ossos” dos tuxáuas Mandú e Manuel Raymundo, ambos “da tribo dos Turiuáras” ; o “esqueleto do capitão Amaro”, igualmente “Turiuára” [36]. Ali ainda havia os “esqueletos” de duas crianças e de uma “velha” dos “Botocudos de Santa Catarina” [37]. Tratava-se na verdade de João Brusque (?-1861), Djalma Schutel (s/d-1861) e de sua avó (s/d-1861), capturados no ano de 1861 após ataque militar contra seu povo, batizados e “adotados” pelo presidente da província de Santa Catarina, Francisco Carlos de Araújo Brusque (1822-1886), e pelo médico Henrique Schutel (1805-1885). Os três, dias após a “adoção”, morreram em decorrência de “febre elevada” e foram sepultados no cemitério público da cidade [38] (Agostinho 2020).
A obtenção pelo Museu Nacional de remanescentes humanos para as coleções antropológicas decorreu ou por doações ou por exumação dos corpos, como a que fez Ladislau Netto “nas margens do rio Capim, província do Pará” [39]. Não encontramos documentos que indiciem a dissecação humana na instituição, embora esta prática fosse comum em outros museus do mundo [40]. É importante dizer que a abertura de túmulos e a remoção de restos mortais estavam autorizadas em cemitérios cristãos do Rio de Janeiro, desde que fossem cumpridos os prazos legais [41]. As “ossadas” extraídas não poderiam “ficar expostas sobre a terra, dispersas ou amontoados ; em cada Cemitério haverá um lugar separado onde se sepultarão à proporção que se forem desenterrando” [42]. O lugar para onde se transferiam os ossos exumados eram os ossuários, espaços destinados ao depósito perpétuo dos despojos (Vidal 2015). Multas e punições poderiam ser aplicadas a quem descumprisse os prazos e violasse sepulturas [43]. Esse cuidado com os mortos era reforçado pela fé cristã, a qual acreditava que a sepultura garantiria a integridade espiritual do indivíduo tão necessária à ressureição (Reis 1991). Ainda que a carne estivesse desintegrada, o corpo seria recomposto em torno do esqueleto, único sobrevivente da decomposição (Vidal 2015). Em relação aos cemitérios indígenas, a necrópole do Outro, o tratamento dispensado em nome da ciência não era, visivelmente, o mesmo.
Do ponto de vista dos observadores, a exibição das coleções de ossos tampouco representou uma ofensa moral. Primeiro porque já havia a imagem difusa dos ossuários europeus católicos que, desde o século XIII, apresentavam crânios enfileirados e arranjados em composições ornamentadas, em séries anônimas e em padrões repetitivos. No caso francês, por exemplo, fotografias das catacumbas de Paris se tornaram atração pública em 1861 (Dias 2012). Segundo, porque a própria museografia e o estatuto de objeto científico transformavam os ossos em totalidades abstratas : eles deixavam de pertencer a indivíduos concretos para se tornarem representações de um povo ou de uma “raça” (Dias 2012). Esse processo de transformação dos restos mortais em objetos de ciência era consolidado por determinadas práticas comuns ao método científico : a constituição de séries, que dissociava os ossos da pessoa a quem pertenceram e os tornava um conjunto sequenciado e anônimo ; a criação de “tipos craniológicos”, formados a partir das classificações, mensurações e comparações anatômicas ; a omissão das condições de aquisição, que poderia envolver violação de sepulturas, roubos ou compra ilegal (Dias 2012). Como consequência deste processo, os restos mortais ficavam então despossuídos do seu sentido religioso e, deixando de ocupar os cemitérios, passaram a estar nas salas dos museus que, diríamos, tornaram-se os ossuários da ciência, local de guarda e conservação perpétua das coleções osteológicas.
Sobre a distribuição de todo o material etnográfico, arqueológico e osteológico nas oito salas da Exposição, importa ainda dizer que, para além dos agrupamentos por áreas de conhecimento, sendo cada sala dedicada ao que na época se chamava “etnografia”, “arqueologia” e “antropologia”, junto aos itens não havia informações textuais sobre a sua origem. A visualidade composta no espaço expositivo não comunicava, portanto, a especificidade de cada povo ali representado ou as práticas que formaram as coleções, muitas das quais, inclusive, estiveram envoltas em massacres, pilhagens e atos violentos de conquista [44]. A linguagem visual da Exposição apresentou ao público objetos do Brasil, reafirmado em toda a sua unicidade, e contribuiu para disseminar uma ideia homogeneizadora a respeito das populações indígenas.
Mas se a linguagem expográfica generalizou os povos indígenas do Brasil, especialmente para o observador não letrado, limitado à experiência visual, o mesmo não se pode dizer do Guia da Exposição, impresso que trouxe informações do local e do grupo indígena junto ao objeto listado. Para o público alfabetizado, era possível atentar às particularidades do que estava exposto e à procedência do objeto a partir da leitura do Guia.
Por fim, ressaltamos que, além da ausência de informações de procedência no espaço expositivo, o tempo ali igualmente seguiu indefinido. Uma dimensão temporal imprecisa marcou a mostra planejada por Ladislau Netto. Os artefatos classificados como arqueológicos remetiam à noção de um tempo distante, de vidas extintas, enquanto os objetos etnográficos portavam outra temporalidade, contemporânea, de contato simultâneo, ainda que este contato não significasse que os envolvidos estivessem na mesma ordem do tempo. Isso porque indígenas e não indígenas, apesar de coetâneos, foram situados em tempos não sincrônicos e, por consequência, posicionados em lugares distintos na escala evolutiva, reforçando o que Johannes Fabian (2013 [1983]) afirmou a respeito do rebaixamento diacrônico de povos espacialmente distanciados, ideia surgida no século XIX, quando predominava uma epistemologia do tempo naturalizada e espacializada, fundada sob o paradigma da evolução e na crença iluminista do progresso único e universal.
Ressonâncias
A Exposição Antropológica Brasileira teve grande impacto junto ao público e repercutiu fortemente nos periódicos nacionais e internacionais. Primeiramente, é importante dizer que por lá passaram cerca de 100 mil pessoas ao longo dos três meses de abertura [45] – a Exposição de História do Brasil de 1881 na Biblioteca Nacional foi visitada por sete mil pessoas ao longo de um mês do evento (Macedo 2013). Frente ao sucesso da Exposição Antropológica, Ladislau Netto foi condecorado com a insígnia honorífica da Imperial Ordem da Rosa destinada àqueles que se destacavam pelos serviços prestados ao Estado [46]. Os jornais da época repercutiram a popularidade da mostra. Foi “tão numerosa a concorrência da exposição antropológica, que foi necessário por vezes proibir a entrada” [47].
A multidão que ontem visitou a Exposição Antropológica foi imensa, tendo o Sr. diretor do Museu sido obrigado a mandar suspender algumas vezes e por alguns minutos a entrada da onda do povo, para a qual não havia capacidade suficiente nos salões da Exposição [48].
Continua a ser extraordinária a quantidade de pessoas que visitam aos domingos os salões da Exposição Antropológica, onde mal se podem mover, nada vendo do que vão ver [49].
Parte da multidão que se aglomerou no Museu Nacional estava interessada em ver indígenas, especialmente os “botocudos”, levados para exibição pública. Com efeito, o Museu Nacional exibiu, além dos artefatos, indígenas de diferentes etnias para lá levados a fim de qualificarem objetos, de serem submetidos a estudos antropométricos, desenhados e escrutinados pelos naturalistas, que também codificavam a sua língua. Os indígenas se permitiam examinar e se expor ao público mediante o recebimento de alimentos, roupas, ferramentas e dinheiro, itens necessários a sua sobrevivência. [50].
É pena porém que uma parte do público não tenha compreendido o espírito de caridade que devemos ter para os pobres índios botocudos que de bom grado se prestam aos estudos a que os sujeitam no Museu e que os tenham perseguido de modo inqualificável já no seu próprio abrigo no jardim do Campo, já no Museu apesar de fechadas as portas daquela repartição, em cujas imediações estaciona uma onda de povo a espera dos pobres selvagens. [51]
Outras publicações destacaram a beleza dos objetos expostos, os quais causavam “no rosto [do povo] a impressão profunda de satisfação, ao contemplar inumeráveis artefatos de que nunca tiveram notícia” [52].
Esta sala [Lund] é interessantíssima do ponto de vista científico ; há ali matéria importante para o estudo frenológico e para ocupação dos espíritos indagadores. Aqueles crânios de indivíduos de raças diversas e diferentes lugares transportam o homem pensador a um mundo de considerações cuja profundidade só a Providência conhece [...].
Nos objetos de barro ali expostos [Sala Martius], embora feitos por mãos indígenas, reconhece-se já o dedo da civilização, o produto moderno ; entretanto não é sem admiração que se olha para essa indústria do país e se medita na aptidão dos índios para os trabalhos cerâmicos. Os vasos de barro [...] são dignos de ver-se pelo bem acabado e gosto de sua forma e ornamentação [...].
A sala Gabriel Soares é a maior da exposição e a que mais objetos contém ; há ali muito que ver e causar admiração [...]. Os objetos de penas são de uma beleza incontestável pela combinação de cores e pelos formatos ; entre estes objetos notam-se as vestimentas dos indígenas [...] que são realmente dignas de ver-se e que despertam a maior curiosidade. [53]
O êxito da Exposição Antropológica Brasileira de 1882 no Museu Nacional do Rio de Janeiro motivou negociantes brasileiros a também realizarem uma exposição antropológica com fins comerciais, mas em Londres. Em 1883, um grupo de “botocudos” foi exibido no Piccadilly Hall, levados por membros da família Barata Ribeiro que viram no evento uma possibilidade de auferir lucros (Vieira 2019). Na ocasião, uma coleção de artefatos dos “botocudos”, como arcos, lanças, flechas, bolsas e potes, foi levada pelo “Sr. C. Ribeiro” e dada de presente ao Instituto Antropológico de Londres, cujos membros examinaram a coleção e, gratos, transferiram-na para o Departamento Etnológico do Museu Britânico. [54] O “Sr. C. Ribeiro” provavelmente tratava-se de Cremilde Barata Ribeiro, empresário da indústria de estaleiros que levou os indígenas até Londres sob protestos e polêmicas no Brasil (Vieira 2019).
Do ponto de vista institucional, a Exposição Antropológica Brasileira do Museu Nacional possibilitou, além do reconhecimento público das ciências antropológicas, tão necessário para legitimar e fortalecer as práticas científicas, a ampliação do acervo etnográfico e arqueológico do Museu Nacional. Desde a década de 1870, a instituição vinha recebendo um volume considerável de objetos em decorrência das ações de modernização do Império, as quais promoveram e intensificaram o contato entre índios e não índios. Contudo, por força da organização da Exposição Antropológica Brasileira, Ladislau Netto pediu na imprensa doação de coleções ao Museu Nacional. Colecionadores privados – naturalistas, missionários, militares, administradores, etc. – que participaram de viagens de exploração, de expedições militares, de projetos de instalação de ferrovias e de criação de colônias de imigrantes, impelidos pelo pedido de Ladislau – e obviamente pelo desejo de se imortalizar – transferiram suas coleções ao Museu [55].
No que se refere aos fundamentos da produção e comunicação da Exposição Antropológica Brasileira, eles se inseriram no esforço de elaboração de uma retórica da nacionalidade que, segundo Cezar (2018), esteve presente na escrita da história ao longo do século XIX. Tal retórica consistiu num conjunto de estratégias discursivas com vistas a reunir elementos da formação nacional, ainda que fossem heterogêneos e dispersos, para convencer os nacionais de um passado compartilhado, de uma origem e identidade comum (Cezar 2018). A retórica da nacionalidade era desafiada pela questão : de onde viemos ? Entender a origem do indígena, uma vez que a do africano e a do português estava clara, era forçoso porque o domínio do passado do “selvagem” implicava na sua incorporação ao processo civilizador (Cezar 2008 ; 2011). Ocorre que os objetos indígenas não dispunham de marcos temporais, tais quais os monumentos, os documentos escritos ou outras evidências do passado que serviam à cultura histórica oitocentista, para a qual organizar cronologicamente o tempo era sinônimo de “civilização” (Guimarães 2000). Para explicar o enigmático passado indígena, era então necessário recorrer ao tempo da natureza (Guimarães 2000). A eles, indígenas e seus objetos, valia a noção naturalizada do tempo como instrumento heurístico de compreensão de um passado indizível pela história, porém acessível pela etnografia. Esse era também o entendimento do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) – do qual Ladislau Netto era sócio – que já em meados do século XIX criou a Comissão de Arqueologia e Etnografia para investigação do passado indígena. “Ao se incluir o estudo dos indígenas na história do Brasil, seria possível lançar luzes sobre um tempo remoto, no qual esta terra estaria fixada de par com as antigas civilizações do mundo” (Kodama 2009, p. 60).
Nesse sentido, Ladislau Netto buscou fundar, com a Exposição Antropológica, uma historicidade própria àqueles que estavam em outra ordem do tempo, dando assim tessitura à retórica da nacionalidade. A Exposição consistiu então num modo de narrar o passado nacional, utilizando-se dos artefatos e do espaço museológico para a composição da narrativa sobre os indígenas, cuja historicidade fugia dos marcos temporais da cultura histórica dos oitocentos. Tratava-se de uma historicidade etnográfica, expressa pela linguagem visual e baseada em dois alicerces : coleções e exposição – o que no regime da história teria o seu equivalente na linguagem escrita dos manuscritos e impressos. Não foi ao acaso que Ladislau escolheu determinados nomes para designar as salas da Exposição. O Tratado descriptivo do Brazil (1587) de Gabriel Soares [de Souza ; ou de Sousa] fora largamente referenciado nos trabalhos de Robert Southey (1774-1843), Ferdinand Denis, José de Alencar (1829-1877), Karl von Martius e Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878). Este, que se tornou expoente da historiografia naquele tempo, igualmente utilizou os escritos de Jean de Léry e de Pero Vaz de Caminha (Cezar 2018). A decisão de Ladislau Netto de trazer estes nomes para o circuito expositivo foi, para além de homenageá-los, uma forma de validar visual e espacialmente a historicidade inscrita na narrativa museográfica.
Se na produção historiográfica do século XIX predominava a linguagem escrita do documento, base da produção do saber histórico, na historicidade etnográfica a visualidade assume papel central. A visita à Exposição Antropológica Brasileira de 1882 foi, à semelhança de tantas outras exposições do seu tempo, uma experiência visual. Como escreveu Walter Benjamin a respeito das exposições oitocentistas, “Tudo olhar, nada tocar” (Benjamin 2009, p. 236). O olhar, quando se debruça sobre determinada visualidade, combina informação, imaginação e introspecção e conecta autoridade e poder (Mirzoeff 2016). No espaço de exibição dos museus, o olho do poder – ou a inspeção pública – está disponível a todos (Bennett 1995). Ali, o complexo exibicionário – arquitetura, percurso e expografia – rege este espaço, ordena coisas e pessoas, regula o comportamento e cria uma retórica do poder. Todo o aparato do complexo exibicionário visa atrair, persuadir, seduzir e orientar a recepção. Os objetos dados a ver criam no observador a percepção de si como um partícipe daquela retórica e o transformam em parte integrante do espetáculo. Nos museus etnográficos do século XIX, a experiência visual transformou o visitante em sujeito do conhecimento, permitiu a constituição de um público nacional e confirmou a sua superioridade a partir do olhar sobre o Outro radicalmente diferente, proveniente de um tempo e espaço distantes (Bennett 1995).
A Exposição Antropológica Brasileira, nesse sentido, foi lugar de descoberta do Outro, de percepção das diferenças daqueles em relação a si, e serviu para delimitar as fronteiras entre o “selvagem” e o “civilizado”, reforçando a partir do olhar a marca da superioridade de quem observa. A Exposição também permitiu o encontro dos nacionais com seu “passado imaginado” ao apresentar os indígenas e seus objetos numa ordem do tempo que lhes negava o futuro, pela extinção física ou cultural, e o presente, pelo rebaixamento diacrônico e pela supressão da simultaneidade do encontro etnográfico (Fabian 2013). A Exposição Antropológica instaurou uma visualidade que permitiu ao público da Corte exercer o olho do poder : tudo ver, tudo inspecionar para saber e acreditar dominar.
Nesse tempo, as exposições nacionais e internacionais eram eventos-espetáculos, grandiosos e efêmeros, dotados de fortes significados sociais (Castro Faria 1993). Nelas, as nações mostravam seu potencial técnico e científico, apresentando ao mundo as conquistas da modernidade (Pesavento 1997). A indústria e suas tecnologias foram ali apresentadas como signos de “civilização” no “concerto das nações” e de afirmação dos Estados Nacionais. A depender do grau maior ou menor de sofisticação do Outro em relação a si, o mundo social e político era hierarquizado, ordenado (Nascimento 2009). Ademais, havia nas exposições oitocentistas uma dimensão instrutiva, herdeira da tradição iluminista, por meio da qual seus organizadores almejavam educar os visitantes, utilizando-se do espetáculo visual para difundir valores e garantir assim o fortalecimento da nação ; o caráter científico e recreativo das exposições assegurava o interesse de “ensinar divertindo” (Barbuy 1999). O Rio de Janeiro, enquanto capital do império, passava por profundas transformações, constituía-se como cartão-postal da “modernidade” e sediava as exposições do país, nas quais a ideologia do progresso, que tinha na “civilização” o seu binômio, tomava corpo e impactava diretamente nas mentalidades com seus símbolos, ritos e didatismo (Neves 1986). Do ponto de vista antropológico, a Corte ainda representava o local de gestação da nação “moderna” devido ao caráter mestiço da sua população, marcada pela fusão das “raças” [56] (Morel 2018). A mestiçagem, a origem e antiguidade do homem americano se colocavam como as grandes questões a serem explicadas pelos “antropologistas” da época (Castro Faria 2006).
Importa ainda dizer que a política indigenista em curso ao longo do século XIX era de avanço sobre as terras indígenas ainda não conquistadas e de redefinição daquelas já dominadas, restringindo sempre que possível o acesso a elas. A afirmação da inexistência de indígenas em determinadas áreas, sob o argumento de que estariam miscigenados e integrados à sociedade nacional, era um bom pretexto para a espoliação das terras que lhe eram legítimas. Isso porque a legislação dos Oitocentos reconhecia o indígena como dono legal da terra por direito originário (Cunha 1992). Houve então um esforço em subtrair do indígena esse direito, utilizando-se de vários subterfúgios que visavam apagar a sua existência. Desde a criação de aldeamentos, que liberava grandes áreas indígenas para exploração enquanto assentava os “selvagens” em limites reduzidos, até à extinção destes mesmos aldeamentos porque se dizia que os indígenas haviam se misturado à população que lhe era vizinha, para lá atraída justamente com o intuito de romper com seu isolamento e de integrá-los a novas áreas de povoamento (Cunha 1992). À ciência cabia analisar os efeitos dessa miscigenação e explicar, em termos biológicos, raciais e evolutivos, o desaparecimento “natural” e “inevitável” dos indígenas.
Por fim, ressaltamos que Ladislau Netto teve papel crucial na história do Museu Nacional e no processo de consolidação das práticas antropológicas na instituição (Keuller 2008). O plano de realizar a Exposição Antropológica Brasileira se insere no seu amplo projeto de museu, que incluía especialmente a fundação de um museu especializado. Para ele, um museu etnográfico seria o mais adequado a abrigar as coleções antropológicas e certamente a Exposição de 1882 justificaria diante do governo e do público esta imperativa necessidade. Mas se a ideia de se criar o museu etnográfico fracassou, o mesmo não se pode dizer da Exposição Antropológica Brasileira, evento de sucesso no seu tempo, quando dilemas morais e éticos que hoje estão no debate acerca das práticas museológicas não eram questões para os homens de ciência.
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Resumo : O Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro é um espaço de ciência bicentenário, o primeiro do Brasil, e possuía um dos maiores acervos de ciências naturais e antropológicas na América Latina, dos quais boa parte desapareceu no incêndio que atingiu a instituição em dois de setembro de 2018. Inicialmente chamado Museu Real, depois Museu Nacional do Rio de Janeiro, a sua trajetória ocupa lugar de destaque na história do país na medida em que os saberes disciplinares ali produzidos estiveram estreitamente vinculados às políticas de Estado voltadas à gestão de territórios e de populações. Em fins do século XIX, a preocupação em consolidar e legitimar a ciência antropológica no Brasil, em inscrever os povos indígenas na história nacional e em demandar ao governo imperial um museu especializado em etnografia motivou o então diretor do Museu, Ladislau Netto, a realizar nos salões da instituição a Exposição Antropológica Brasileira de 1882, primeira e única do gênero no Brasil, a qual teve a duração de três meses, exibiu centenas de objetos indígenas e recebeu milhares de visitantes. Este estudo analisa as intenções de seus idealizadores, as práticas de representação que constituíram a ordem expográfica e a sua repercussão junto ao público.