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Encyclopédie internationale
des histoires de l’anthropologie

Histórias e Memórias da Antropologia Portuguesa

Clara Saraiva

ICS, Universidade de Lisboa

2023
Pour citer cet article

Saraiva, Clara, 2023. “Histórias e Memórias da Antropologia Portuguesa”, in Bérose - Encyclopédie internationale des histoires de l'anthropologie, Paris.

URL Bérose : article2906.html

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Publié dans le cadre du thème de recherche « Histoire de l’anthropologie et archives ethnographiques portugaises (19e-21e siècles) », dirigé par Sónia Vespeira de Almeida (CRIA/NOVA FCSH, Lisbonne) et Rita Ávila Cachado (CIES-IUL, Lisbonne).
N.B.- Ce texte fut rédigé, à l’origine, en juillet 2021, en portugais, par Clara Saraiva. Il a ensuite été traduit en italien et révisé par Chiara Pussetti et Giacomo Pozzi, et publié en 2022 [Clara Saraiva, Chiara Pussetti & Giacomo Pozzi, «Dagli etnologi di regime alla generazione democratica. Storie dell’antropologia portoghese», in G. D’Agostino & V. Matera (dir.), Storie dell’antropologia, Milan, D Scuola SpA, 2022]. Une version anglaise a été publiée en 2023 [in G. D’Agostino & V. Matera (eds.), Histories of Anthropology, Cham, Palgrave Macmillan/Springer Nature, 2023].

Résumé : L’histoire de l’anthropologie portugaise a fait l’objet d’un certain nombre de textes écrits par des anthropologues portugais, parmi lesquels se distingue l’ouvrage exhaustif de João Leal couvrant la période de 1870 à 1970. Le présent article passe en revue certaines des principales publications et ajoute une perspective plus personnelle liée au parcours de l’auteure, depuis sa formation à Lisbonne et aux États-Unis jusqu’à sa présidence de l’Associação Portuguesa de Antropologia (APA) - y compris son rapport étroit avec des figures clés de l’histoire récente de l’anthropologie portugaise. Le texte explore les continuités et les ruptures qui se sont produites à différents moments de l’affirmation de l’anthropologie au Portugal, révèle les ambivalences de la discipline pendant la dictature de l’Estado Novo, ainsi que les tensions ou les liens entre le projet de construction de la nation et le projet de construction de l’empire. Concomitamment aux changements intellectuels et politiques provoqués par la « Révolution des Œillets » du 25 avril 1974, de nouvelles formes d’institutionnalisation eurent lieu, tant dans le monde universitaire qu’au niveau professionnel avec la création de l’APA en 1989. Le texte nous emmène jusqu’à l’été 2021, deux ans avant la commémoration du 50e anniversaire de la mort de Jorge Dias, figure de proue de l’anthropologie portugaise moderne.

Os vários olhares sobre a disciplina em Portugal

Verão de 2020, Lisboa. O Congresso da EASA/European Association of Social Anthropologists realizou-se de 20 a 24 de Julho, comemorando os 30 anos do primeiro congresso da associação, que tivera lugar em Coimbra [1]. Em 1990, o tema do congresso – “Anthropology and Europe” – ressoava a recente entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia (CEE), e a atmosfera era de uma certa euforia académica. Em 2020, o mote europeu foi retomado – “New Anthropological Horizons in and beyond Europe” – mas tudo se passou através dos écrans dos computadores, virtualmente, numa Europa tristemente assolada pela epidemia de COVID-19. [2]

Em 1990, a antropologia portuguesa vivia realmente uma certa euforia, correspondente aos “anos da internacionalização” (Almeida, 2014 ; Bastos, 2014 ; Pina Cabral, 1989 ; Pina Cabral, 1991). As primeiras levas de antropólogos formados nos cursos iniciais pós “25 Abril” de 1974 tinham-se tornado os professores das novas licenciaturas em antropologia. Muitos deles tinham apostado em realizar mestrados e doutoramentos fora do país, e regressavam nos anos 90 a Portugal, com horizontes abertos por longas estadias em departamentos e centros de investigação no estrangeiro. Eu própria era uma dessas pessoas. Após uma licenciatura no recém-criado curso de antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a contratação como assistente no mesmo departamento, parti logo em seguida com uma bolsa Fulbright para os EUA [3], para completar o mestrado na então State University of New York (SUNY).

Durante os meus anos de estudante da licenciatura, tinha sido frequentadora assídua do Museu de Etnologia e da sua excelente biblioteca, e assim conheci e me tornei amiga dos meus “ídolos antropológicos” : Ernesto Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira e Fernando Galhano [4]. Muitas das publicações desta equipa de etnólogos eram de leitura obrigatória em algumas cadeiras do curso que frequentava, e foi um deslumbre para mim, jovem de vinte anos, conviver com estas figuras. Quando, em 1983, defendi a tese de licenciatura, o Benjamim – como me habituei a chamá-lo – estava presente, a ouvir a discussão e a elogiar o meu trabalho. Parti para os EUA com a esperança de um dia vir a trabalhar com eles. Com o mestrado em antropologia concluído, e ainda nos EUA, vi o anúncio da abertura de concurso para ingressar como investigadora no Centro de Antropologia Cultural e Social (CACS) do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT) – sito no Museu de Etnologia, já que o Museu era parte do Departamento de Ciências Etnológicas e Etno-museológicas do IICT – concorri, e passei a fazer parte desse centro de investigação.

O que eram na altura este departamento e este centro de investigação ? Faziam parte de uma instituição que, embora restruturada no rescaldo do “25 de Abril” de 1974 e da independência das antigas colónias portuguesas, era a continuação da Junta de Investigações do Ultramar (JIU). Este organismo, por sua vez, dependente do poderoso Ministério do Ultramar durante o regime ditatorial de Salazar, para quem as “ciências sociais” não deveriam existir (Bastos e Sobral, 2018, p. 5) por soarem demasiado próximas a “socialismo”. Para se perceber todas estas histórias, convido-vos a um passeio pelo espaço e pelo tempo, que começa no final do século XIX e termina no Portugal actual, a sair finalmente do confinamento.

Figura 1
Logótipo da "16th EASA Biennial Conference, New anthropological horizons in and beyond Europe
20-24 July 2020, Virtual Lisbon conference", ISCTE-IUL e ICS-UL.

As “histórias” da antropologia portuguesa têm sido contadas a muitas mãos, e a partir de perspectivas e sistematizações variadas. Jorge Dias escreveu um Bosquejo que começava no século XVI, com as primeiras viagens e cronistas (Dias, 1952), e Veiga de Oliveira dedicou muitas páginas a relatos parciais do que foi a vida dos centros de investigação (e dos investigadores) criados por Jorge Dias (Oliveira, 1968 ; Oliveira, 1974).

João Leal é, sem dúvida, o grande estudioso da história da disciplina em Portugal na contemporaneidade, sobretudo do século entre 1890 e 1970, preocupando-se com questões relacionadas com a construção da identidade nacional, a cultura popular, e o diálogo entre ambas, e fornecendo um quadro detalhado da situação social, política e cultural em cada período que define (Leal, 2000 ; Leal, 2006). João Pina Cabral escreveu no final da década de 80 (Pina Cabral, 1989) e no início dos anos 90, analisando os contextos da antropologia portuguesa, e centrando a sua análise na evolução desde os finais do século XIX, com alguma ênfase (no século XX) na figura de Jorge Dias e do ímpeto que ele trouxe à disciplina, concluindo pela afirmação da vitalidade da disciplina no final dos anos 80 (Pina Cabral 1991). Mais tarde, em conjunto com Susana Matos Viegas, os dois analisam o comprometimento da antropologia, ao longo dos séculos XIX e XX, com dois pólos do eixo político, o nacional e o imperial – a que também chamam “A encruzilhada portuguesa” (Viegas e Pina Cabral, 2014, p. 316), chegando aos tempos actuais, e dando um panorama da investigação e do ensino da antropologia ao nível superior. [5]

José Sobral publicou um texto dedicado à figura de Jorge Dias, significativamente intitulado O outro aqui tão próximo, em que analisa o papel dessa figura tutelar da antropologia portuguesa moderna, fazendo dialogar a vertente de estudos rurais com a faceta “empire building” da sua antropologia, nomeadamente a pesquisa sobre os Macondes de Moçambique levada a cabo pelo casal Dias no final da década de 50 (Sobral, 2007). Em 2018, José Sobral escreveu, em conjunto com Cristiana Bastos, uma entrada para a International Encyclopedia of Anthropology (Bastos e Sobral, 2018) que oferece uma visão panorâmica baseada na ideia de que a antropologia portuguesa não pôde realmente florescer até às décadas de 70 e 80 do século XX, e de que a liberdade intelectual trazida pela revolução do “25 de Abril” de 1974 foi essencial para o desenvolvimento do pensamento crítico aliado às ciências sociais (Bastos e Sobral, 2018).

Um ano mais tarde, e na mesma linha de abordagem, Paula Godinho escreve sobre a antropologia em Portugal desde o "25 de Abril" de 1974 até 2018. Embora contextualizando as continuidades vindas do final do século XIX e início do século XX, passando pela “escola de Jorge Dias”, o seu enfoque é o período do final dos anos 70 até à contemporaneidade, fornecendo descrições e análises abrangentes dos trabalhos dos antropólogos, e os ciclos de expansão e constrangimento por que a disciplina tem passado (Godinho, 2019). O texto de Paula Godinho fornece ainda resumos dos trabalhos de antropólogos portugueses das últimas décadas, além de uma vasta bibliografia (Godinho, 2019).

Esta lista não é de modo algum exaustiva, mas aponta alguns dos textos mais recentes sobre a matéria, sendo que todos os autores referidos salientam o carácter necessariamente incompleto das suas opções de enumeração, descrição e análise. Faço aqui idêntica declaração : a história completa da antropologia portuguesa necessitaria de uma longa listagem de autores, obras e instituições, exigindo vários volumes para pretender ser minimamente exaustiva. Peço desculpa pelas omissões, entendendo que todos os contributos são importantes nesta disciplina que se quer humana e interventiva. No seguimento das reflexões historiográficas já existentes, e em diálogo com as mesmas, vejamos as histórias e memórias que a antropologia portuguesa tem para contar.

Etnólogos, identidade nacional, mouras encantadas e Lusitanos : os finais do século XIX e início do século XX

João Leal fez a sua formação – licenciatura em Antropologia – no antigo Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU), esteve nas fileiras dos seus contestatários no pós “25 de Abril”, e foi professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL) das primeiras vagas de licenciados em antropologia pós 1974 (entre as quais me conto). Os muitos artigos publicados, e os prefácios às reedições dos etnógrafos clássicos do Portugal oitocentista e do início do século XX, na coleção Portugal de Perto [6], mostram o seu profundo conhecimento das obras desses autores. Dois livros, que costumo referir aos alunos da licenciatura em antropologia como “as bíblias da história da antropologia portuguesa”, marcam o seu percurso como estudioso da disciplina. O primeiro, Etnografias Portuguesas (1870-1970). Cultura Popular e Identidade Nacional (Leal, 2000), centra-se no desenvolvimento histórico da etnografia e antropologia no país, explorando dois temas avaliados por João Leal como centrais : a) a cultura popular de matriz rural, como objecto fundamental de pesquisa ; b) uma perspectiva interpretativa que fez dessa cultura popular um terreno estratégico para o tratamento de tópicos relacionados com a identidade nacional portuguesa (Leal, 2000, p.15).

O autor traça o itinerário do binómio “cultura popular-identidade nacional” na formação dessa mesma identidade nacional, no espaço diacrónico de um século, entre 1870 e 1970, datas-chave para a análise social, cultural e política do país (Leal, 2000, pp. 15-106). O ano de 1870 prenuncia as famosas “Conferências do Casino” realizadas na primavera de 1871. Também denominadas “Conferências Democráticas do Casino Lisbonense” e organizadas pela intelligentsia lisboeta, recorde-se que as mesmas resultaram num manifesto de reflexão sobre as mudanças políticas e sociais, tendo por base uma visão internacionalista de participação na polis, e recusando o fechamento de Portugal às novas ideias que circulavam na Europa. Um século mais tarde, a baliza de 1970 anuncia o fim iminente do longo período da ditadura salazarista e a transição para a democracia. Este percurso visa, nas palavras de João Leal, analisar o processo de construção da nação portuguesa como uma “comunidade imaginada” (Anderson, 1991) e enquadrá-lo numa perspectiva comparada com o que se passou noutros países europeus no mesmo período histórico, com antropologias de tendências mais cosmopolitas a desenvolverem-se em paralelo com tradições de estudos folclóricos e etnográficos de algum modo comprometidas com pressupostos nacionalistas (Leal, 2000, p.16).

O despontar da antropologia oitocentista é assim apresentado como uma antropologia comprometida com um “discurso etnogenealógico sobre a identidade nacional” (idem, p. 17) [7]. Nesta tradição, a nação é olhada como uma comunidade de descendência, em que a cultura vernácula, a língua, a literatura oral e os costumes populares se completavam para dar corpo a uma identidade baseada na etnogénese e na riqueza da cultura popular (idem, p. 17-18). Se a “cultura popular era vista como um conjunto de testemunhos, conservados entre os camponeses, dos antecedentes mais remotos da nação” (idem, p.18), acrescia que essa cultura popular fornecia um elenco de traços psicológicos e espirituais que seriam apanágio do carácter nacional português. Esses traços constituintes da psicologia étnica portuguesa estariam preservados no povo, detentor de saberes imemoriais, ligados a mitos, lendas, contos, mas também alfaias agrícolas e seu manuseamento, arquitectura tradicional, olaria, e várias outras formas de arte popular.

António Jorge Dias, figura tutelar da antropologia portuguesa moderna, escreveu em 1952 o texto Bosquejo Histórico da Etnografia Portuguesa. Nesse opúsculo, classificava o que ele considerava os quatro grandes períodos na história da antropologia portuguesa. Remontando aos séculos XV a XVIII, enumerava, na fase que denominou “Origens ou fase pré-etnográfica”, viajantes, botânicos, historiadores e escritores que descreveram o encontro de novos povos, faunas e floras, como Gomes Eanes de Zurara, Pêro Vaz de Caminha, Garcia de Resende, João de Barros, Garcia da Orta, Fernão Mendes Pinto e o próprio Luís de Camões. O período seguinte, “Os percursores : período literário-folclórico-romântico”, tinha como protagonistas os literatos, escritores e historiadores do romantismo do século XIX que, de certa forma, incluíam nos seus romances ou relatos históricos elementos da etnografia local e da época, como Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Augusto Gil.

Considerando que antes do final do século XIX não se pode realmente falar de uma disciplina antropológica cientificamente organizada em Portugal, é no terceiro período de Jorge Dias, “‘Os mestres’ : período filológico-etnográfico e positivista”, que João Leal começa a “sua história” da disciplina em Portugal, com nomes como Teófilo Braga, Adolfo Coelho, José Leite Vasconcelos, Consigleri Pedroso, Carolina Michaelis de Vasconcelos, Rocha Peixoto, Augusto Pires de Lima, António Mendes Correia e Francisco Santos Júnior.

No livro Antropologia Portuguesa, Mestres, Percursos e Tradições (2006), João Leal retoma os debates sobre os vários autores e seus objectos de estudo, com as temáticas e metodologias específicas do percurso da antropologia [8]. Se em Etnografias Portuguesas (1870-1970) o autor traça o quadro cronológico de um século de história da etnografia portuguesa, juntando temas ligados à ideia de “evolução” da disciplina, nesta segunda obra as três partes correspondem a três temáticas, nomeadamente “Mestres”, “Percursos” e “Transições”. O mote é dado na primeira parte que, retomando a expressão de Jorge Dias no seu Bosquejo histórico da etnografia portuguesa, se debruça sobre os grandes “mestres” etnógrafos, como Consigleri Pedroso, Adolfo Coelho, Teófilo Braga e Leite de Vasconcelos – realçando facetas apontadas anteriormente, como seja a ideia do povo como repositório de saberes imemoriais reflectida nas recolhas de literatura oral, mitos, lendas e tradições.

O ensaio inicial sobre Consiglieri Pedroso começa com a contextualização deste período como uma época decisiva na história da disciplina, que transforma o interesse romântico pela cultura popular num esforço sistematizado e com orientação científica – analisando, por exemplo, as compilações de Pedroso sobre contos e mitos populares editados em inglês, como Portuguese Folk Tales (Pedroso, 1882). O mesmo fio condutor é utilizado ao abordar dois outros “mestres”, Adolfo Coelho e José Leite de Vasconcelos. Além de sintetizar e analisar os trabalhos destas figuras tutelares, João Leal preocupa-se em contextualizar tais produções, quer em termos do quadro dos temas gerais privilegiados pela etnografia europeia da época, quer das influências teóricas subjacentes, que terão orientado os trabalhos dos etnógrafos portugueses. João Leal salienta a abertura de Coelho aos estudos de terreno (Coelho, 1993) e às preocupações com a identidade e decadência nacionais, ao mesmo tempo que aponta as influências do difusionismo e outras dispersões teóricas presentes, tal como a mitologia comparada e o evolucionismo [9]. Sublinha ainda o interesse de Coelho pela cultura popular e pela educação, como A pedagogia do povo português (1898) bem reflecte. João Leal retoma assim a discussão do que considera temas essenciais na produção etnográfica portuguesa dos finais do século XIX e início do século XX – a literatura e mitologias populares e a preocupação com a identidade nacional e a etnogenia −, uma ideia que corrobora na sua introdução à reedição de uma das obras de Teófilo Braga, O Povo Português nos seus costumes, crenças e tradições (Leal 1985 ; Braga, 1985 [1885]).

José Leite de Vasconcelos, figura maior deste período, tem um percurso marcado pelo que João Leal denomina “um vaivém entre a etnografia e a arqueologia”, inserindo-o no quadro geral da proximidade entre as duas disciplinas na segunda metade do século XIX. Considerando Tradições Populares de Portugal (Vasconcelos, 1882) como uma das “mais importantes recolhas de tradições populares da antropologia portuguesa oitocentista” (Leal, 2006), analisa outros exemplos dessa oscilação entre a etnografia e a arqueologia, como a criação do Museu Etnográfico Português e a fundação da revista O Arqueólogo Português . O comprometimento de Leite de Vasconcelos com a arqueologia, quer no plano institucional, quer no plano científico, está igualmente patente nos três volumes de Religiões da Lusitânia (Vasconcelos, 1897 ; 1905 ; 1913), considerada a sua obra fundamental nesse domínio. No final dos anos 1920, as prioridades de Leite de Vasconcelos sofrem de novo uma reviravolta e surgem textos sobre arte popular e etnografia comparativa, focando temas como os amuletos populares (signum solomonis, figa e a barba). A publicação de Etnografia Portuguesa em vários volumes (Vasconcelos, 1933 ; 1936 ; 1942) pretendia facultar um compêndio de síntese etnográfica sobre a cultura popular portuguesa, mas essa intenção viu-se interrompida pela morte do autor.

Nesta conexão constante entre o passado e o presente, João Leal enfatiza a importância que Leite de Vasconcelos dava à análise da cultura popular à luz dos Lusitanos e do fundo lusitano matricial da nação portuguesa, um espaço cronológico delimitado entre a pré-história e a fundação da nacionalidade no século XII, em que a sucessão de povos teria moldado a cultura tradicional portuguesa. Liga ainda os textos sobre amuletos às preocupações étnico-genealógicas, como representando um “projecto subjacente ao diálogo entre etnografia e arqueologia em Leite de Vasconcelos” (Leal, 2006, p. 69). Nesse sentido, a etnografia acabou por assumir um declínio, em detrimento das suas preocupações mais interpretativas relacionadas com a exploração das raízes etnogenéticas da cultura portuguesa. A respeito das preocupações folcloristas de Leite de Vasconcelos no texto sobre a barba, e referindo outras figuras da etnografia portuguesa da “celebração do popular” – discípulos de Leite de Vasconcelos como Luís Chaves, Fernando C. Pires de Lima, Cláudio Basto e Vergílio Correia –, João Leal defende que Leite de Vasconcelos procede a um tratamento do tema de um prisma comparativo, utilizando a etnografia e a história. Ao propor a leitura dos três ensaios acima referidos (signum solomonis, figa e a barba) não apenas como documentos relevantes para o entendimento do percurso científico do antropólogo e da antropologia da época, mas também como textos com elementos informativos e sugestões de análise interessantes (idem, p. 77), João Leal relembra-nos a sua actualidade e pertinência. De facto, considerando a crescente implantação cultural das tatuagens em múltiplos contextos do século XXI, reler o ensaio de Leite de Vasconcelos sobre o tema pode ser uma base interessante para reflexão.

A segunda parte, intitulada “Percursos”, agrupa ensaios que problematizam a relação entre identidade nacional e antropologia, analisando o que João Leal denomina “etnografia espontânea”. Assim, após uma primeira incursão nas teorias evolucionistas sobre a família e os ecos desse debate nos textos de Consiglieri Pedroso, menciona ainda como as obras de Teófilo Braga e de Oliveira Martins espelham a influência de Henry S. Maine e de Fustel de Coulanges.

Em “Imagens contrastadas do povo”, João Leal mostra como perduraram na segunda metade do século XIX quer o discurso afirmativo de confiança romântica na nação, quer o discurso de contornos pessimistas sobre a decadência nacional, sobretudo com Adolfo Coelho e Rocha Peixoto, respectivamente, o primeiro ligado a uma imagem positiva e romântica da cultura popular, o segundo a uma imagem negativizada do povo, espelhando a situação social, politica e cultural do país (Peixoto, 1990). Para Leal, tais discursos mostram como a antropologia portuguesa da época oscilou entre os imperativos românticos de fornecer uma identidade à nação e a tendência inversa, de questionar a sua viabilidade em face do seu declínio – leitura partilhada em grande medida por Pina Cabral (1991, pp. 15-26).

Além da identificação de influências teóricas e preocupações que se balanceavam entre a defesa da identidade nacional e a sistematização da diversidade e riqueza cultural do país, Antropologia Portuguesa, Mestres, Percursos e Tradições inclui ainda uma reflexão sobre as discrepâncias entre duas tradições antropológicas no mundo ocidental : a “antropologia de construção do império” dos países desenvolvidos da Europa e da América e a “antropologia de construção da nação” (Stocking, 1982) dos países periféricos da Europa. João Leal defende que, em Portugal, apesar da existência de um império colonial, a antropologia se desenvolveu sobretudo a partir do segundo modelo. As razões para tal prendem-se, no seu entender, com a fraqueza do colonialismo português e o modo como as questões relacionadas com a identidade nacional ocuparam a vida intelectual portuguesa desde meados do século XIX, nomeadamente o que João Leal denomina, a partir de Eduardo Lourenço, “a fragilidade ôntica da nação”. A percepção de Portugal como país problemático teria levado “à necessidade de reforçar o discurso sobre a identidade nacional de raiz cívico-territorial (…), com argumentos etnogenealógicos susceptíveis de conferir maior espessura a uma existência nacional fragilizada” (idem, p. 113).

João Leal analisa aqui, à semelhança do que faz em Etnografias Portuguesas (1870-1970), os quatro períodos que identifica como determinantes na antropologia portuguesa – 1870-1880, 1890-1900, 1910-1920, 1930-1970 –, mostrando como a cada um destes períodos corresponde uma linha de força. No primeiro, Portugal é visto como produto de originalidades étnicas presentes quer na literatura, quer nas tradições populares ; no segundo, descobre-se a diversidade interna do país, proliferam as etnografias regionais e locais, bem como revistas que são reflexo desses investimentos [10] ; no terceiro período, a implantação da República e o optimismo sobre o destino nacional moldam uma etnografia nacionalista de carácter folclorizante estruturada em torno da arte popular. Por último, mostra como, no quarto momento, a figura de Jorge Dias e a sua equipa − Margot Dias, Fernando Galhano, Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira − se impuseram no panorama da antropologia portuguesa, através de monografias sobre comunidades do Norte, de ensaios sobre a cultura popular e, sobretudo, em termos de uma “etnografia de urgência”, no estudo da cultura material e das tecnologias tradicionais, animado pela preocupação em traçar um retrato da diversidade e riqueza cultural do país.

É também necessário relembrar que a partir de 1890, quando a arte popular é recuperada pelos estudiosos, há figuras esquecidas do campo da etnografia na sua ligação a estas temáticas, como Joaquim Vasconcelos, Vergílio Correia e Ernesto de Sousa [11]. O primeiro produziu um trabalho de nacionalização da arte popular ligado a um­a noção de urgência de salvaguardar o que rapidamente se p­­­­­­erderia. Vergílio Correia, numa perspectiva pastoral, encantou-se com a arte pastoril e as indústrias caseiras ; e Ernesto de Sousa questionou o gosto do Estado Novo e desenvolveu a equação entre arte ingénua, primitivismo e modernismo, tornando conhecidas figuras como Franklin [12] e outros artistas populares. João Leal imagina como esses três personagens ficariam fascinados se pudessem visitar as feiras de artesanato actuais e Joaquim de Vasconcelos se entusiasmaria com o renascimento da estatuária de granito no Norte de Portugal, Vergílio Correia com as miniaturas de Estremoz, das irmãs Flores ; e como Ernesto de Sousa conversaria com as netas de Rosa Ramalho e de Mistério, os famosos ceramistas do figurado de Barcelos.

Para além das etnografias baseadas na literatura oral, mitos, récitos vários, e na arte popular, e apesar da ênfase dada por João Leal à ideia de que a antropologia portuguesa dos finais do século XIX e início do século XX seria mais uma antropologia de construção da nação do que de construção do império (Stocking, 1982) [13], o que é facto é que Portugal era, na altura, um império colonial.

Após a implantação da República em 1910, em que alguns dos protagonistas políticos foram etnógrafos − como é o caso de Teófilo Braga, que foi presidente da República em 1915 −, a expansão da antropologia em Portugal esteve directamente ligada às opções ideológicas dos regimes. A faceta colonialista durante o período da ditadura militar (1926-1933) e o Estado Novo (1933-1974) está igualmente patente nas exposições, dirigidas à visibilidade pública do imperialismo português (Godinho, 2019, p. 6). A Primeira Exposição Colonial Portuguesa, que teve lugar no Porto em 1934, exibia “aldeias indígenas” das várias colónias e produziu o mapa “Portugal não é um país pequeno”. Nesse mapa, concebido por Henrique Galvão [14], as superfícies das colónias eram decalcadas por cima do mapa da Europa, mostrando que o Portugal imperial era bem maior do que a junção de muitos dos países da Europa.

Fig. 2
Cartaz « Portugal não é um país pequeno ». Foram produzidas e postas em circulação versões noutras línguas, nomeadamente em Francês e em Inglês.
Domínio público

João Leal considera que, durante os anos do Estado Novo, de 1933 a 1974, há três grandes grupos em cena : os que ele denomina “etnólogos do regime” ; os personagens à contra-corrente do Estado Novo ; e a escola de Jorge Dias. No primeiro caso não estão apenas etnólogos, como Luís Chaves ou Fernando de Castro Pires de Lima, activos nos primeiros anos da ditadura (Alves, 1997) ; contam-se nessas fileiras personagens directamente ligados ao regime, como António Ferro, escritor, jornalista e diplomata, grande dinamizador da política cultural do Estado Novo. Dirigiu o Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) [15], fomentando a propaganda aos feitos do regime, bem como a formulação doutrinária da chamada "Política do Espírito", nome então atribuído à política de fomento cultural subordinada aos fins políticos e ideológicos do regime. Como responsável pela política cultural do Estado Novo, António Ferro promoveu eventos de pendor folclórico − como, em 1938, o Concurso da Aldeia mais Portuguesa de Portugal (Brito, 1982), a Companhia Portuguesa de Bailado Verde Gaio (que estilizava as danças populares ao gosto dos urbanos (Godinho, 2019, p. 6), e a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT), de forma a controlar os tempos livres dos trabalhadores. Teve ainda um papel predominante na organização da Exposição do Mundo Português de 1940, em Lisboa, Belém, junto ao rio e à Torre de Belém enquanto símbolo das navegações e “descobertas” portuguesas, numa década de euforia salazarista e de nacionalismo feroz, que celebrava a ideia de um Portugal rural, simultaneamente com uma cultura popular una e com um folclore típico de cada região. Desta forma, em 1940 comemorava-se triplamente : a fundação do reino em 1140 ; a recuperação da independência de Espanha em 1640 ; e a ideia de que a nação se expandia nas colónias africanas, asiáticas e orientais − isto é, a ideia de que nação (metrópole) era indissociável do império e vice-versa. Mais uma vez, foram trazidos “indígenas” das colónias, para deleite dos visitantes do certame, num jardim a imitar os “habitats” africanos e asiáticos (que depois veio a ser o Jardim Agrícola Tropical do Instituto de Investigação Científica e Tropical).

Se o vigor intelectual dos primeiros etnógrafos do final do século XIX e inicio do século XX não perdurou durante esses anos de ditadura (Bastos e Sobral, 2018, p.3), e a etnografia passou a servir a política cultural do Estado Novo, a antropologia física singrou − e quando se referia a palavra antropologia, era de antropologia física que se falava. A antropologia física desenvolveu-se, como noutros países europeus, no século XIX, em grande parte ligada ao colonialismo.

Oliveira Martins, historiador, economista, polígrafo, de seu nome completo Joaquim Pedro de Oliveira Martins, foi dos primeiros a defender a expansão da antropologia física, associada a uma hierarquização das raças. Em 1880, Lisboa tinha sido o palco do Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-histórica, e em 1885 Bernardino Machado [16] criou, na Universidade de Coimbra [17], a cadeira de antropologia, paleontologia humana e arqueologia pré-histórica, que incluía a antropometria, a raciologia, e estudos sobre evolução e pré-história. Coimbra tinha também um laboratório-museu e, a partir de 1893, um museu etnográfico. Em Lisboa, a Academia das Ciências (cuja fundação remontava a 1779) e a Sociedade de Geografia (fundada em 1875) organizavam e financiavam expedições às colónias, e tornaram-se importantes arquivos documentais e de artefactos (Bastos e Sobral, 2018, p. 3).

Os ideais imperialistas condiziam com a pesquisa no campo da antropologia física, sobretudo na chamada Escola do Porto, liderada pelo professor catedrático de medicina António Mendes Correia, que assegurava todas as “missões antropológicas” oficialmente instituídas para as colónias (Pereira, 2005). Mendes Correia foi fundador, em 1918, da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia [18], e publicou em 1943 uma obra que se tornou popular no seio do Estado Novo, As Raças do Império (Matos, 2006 ; Roque, 2003) [19]. Defendendo que a mestiçagem era um risco, e que “a raça” se devia manter “pura”, Mendes Correia e os seus discípulos, entre os quais Francisco Santos Júnior, mediam crânios e apresentavam teses sobre “os negros” em que a recolha etnográfica era claramente secundarizada, e se privilegiava o levantamento antropométrico das populações africanas, como no caso da Missão Antropológica de Moçambique, que decorreu entre 1937 e 1956. Rui Pereira relata como, em Novembro de 1945, Santos Júnior proporcionou aos colonos residentes na cidade da Beira (Moçambique) uma lição-conferência sobre “Como se deve estudar um preto. Lição sobre o modo (exemplificando com um indígena) como se observam os caracteres descritivos e se tiram algumas medidas de maior interesse antropológico” (Pereira, 2005).

De camponeses nortenhos idealizados aos Macondes : o fascínio de Jorge Dias e da sua “escola”

Fig. 3
Jorge Dias com Fernando Galhano, em pausa numa serra portuguesa (sem data).
Cf. Leal 2008.

António Jorge Dias, mais conhecido nos meios académicos como Jorge Dias, era natural do Porto, de uma família da burguesia abastada, com propriedade fundiária no Minho, e um espírito intrépido e energético, a que se aliava um profundo amor pela natureza e pela vida campesina. Jorge Dias tem uma iniciação tardia à antropologia : escreve o seu primeiro ensaio de teor antropológico em 1946, um ano antes de perfazer 40 anos (Leal, 2007). Depois de concluir a licenciatura em filologia germânica, vai para a Alemanha como leitor de português, descobre a paixão pela antropologia e completa um doutoramento em Volkskunde na Universidade de Munique em 1944, com a tese Vilarinho da Furna, Um Povo Autárquico da Serra Amarela. Durante os anos de estadia na Alemanha, em tempo de guerra, escreve ao amigo de longa data, Ernesto Veiga de Oliveira, sobre o seu sonho e planos para conseguirem trabalhar em Portugal sob a égide da disciplina etnológica. Com o entusiasmo que o caracterizava, e a vontade de optar por modos de vida alternativos, associados à errância e à liberdade, fala da antropologia como possibilidade de realização profissional de um ideal de “vagabundagem”, ligada à ideia de um trabalho livre dos constrangimentos e regras da vida citadina e de horários fixos, pautada por deambulações pelo mundo rural. Numa das cartas dirigidas de Munique a Ernesto Veiga de Oliveira, escreve (cit. in Leal, 2008, p. 504) :

“Estou ávido por me ditar pelos montes fora, a beber a luz, porco, rôto, selvagem. Vai-me saber espantosamente bem ter uns meses consigo. Havemos de nos asselvajar até à medula. […] Havemos de percorrer essas regiões espantosas do País, lentamente, de saco às costas, a fazer a comida entre duas pedras, dormindo nos palheiros. Ouviremos aquelas vozes que quási emudeceram para nós, porque brutalizamos a nossa mais pura emotividade, com as lutas estúpidas a que nos temos sujeitado”

A etnologia “é para nós uma possibilidade única porque nos dá a liberdade para andarmos meses pelas serras e pelos campos, com a certeza de ter o pão garantido na sociedade dos homens”, escreve ele em posteriores cartas a Veiga de Oliveira, datadas de 1942, durante os seus anos em Munique a realizar o doutoramento. “A Etnografia permite-nos viver pelos montes e aldeias, sem termos um patrão, livres como desejamos e com a vantagem de termos uma recomendação do ministério e um ordenado todos os meses”. (…) (cit. in Leal, 2008, p. 504).

Jorge Dias é um homem enérgico, campeão de atletismo (salto em altura e sprint) e exímio jogador do pau [20]. Essa faceta lúdica leva-o mesmo, na sua juventude a ser membro de um circo ambulante. Consegue operar a transformação dessa energia em trabalho em prol dos seus novos objectivos científicos, realizando muitos dos seus sonhos, entre os quais a criação de um centro de investigação para “estudar diferentes aspectos da cultura das sociedades humanas e em especial do povo português” (Leal, 2008, p. 505). Os anos na Alemanha são o palco da arquitectura mental do que se poderia fazer, de planeamento de uma obra que viria a ser concretizada ao longo das décadas de 50, 60 e 70. Esse sonho tinha dois grandes pilares : a criação de um ou mais centros de investigação que conseguissem realizar a investigação e recolha de artefactos ; e a criação de um museu, que Dias pretendia fosse de carácter universal, em que a cultura portuguesa figurasse a par das demais culturas do mundo (Oliveira, 1974).

O seu percurso oficial em Portugal como etnólogo começa em 1947, quando é convidado por Mendes Correia para dirigir a Secção de Etnografia do Centro de Estudos de Etnologia Peninsular (CEEP), estabelecido em 1945 na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (Oliveira, 1974, p. 12). É nessa altura que Dias constitui formalmente a sua equipa, com a sua mulher alemã, Margot Dias [21], e os seus amigos e companheiros de “vagabundagem” de longa data, Fernando Galhano e Ernesto Veiga de Oliveira [22], a que se viria a juntar, em 1959, Benjamim Enes Pereira. Expressão muito utilizada pelo próprio Jorge Dias, a “vagabundagem” era feita de incursões pelo país, a descobrir espaços e populações rurais recônditos. Em 1952, Jorge Dias é encarregue da cadeira de etnologia na Universidade de Coimbra ; em 1956 passa a exercer funções como professor de antropologia cultural no então Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (ISEU) [23] ; e assume também a cadeira de etnologia na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Só após essa entrada no mundo académico português consegue criar centros de investigação com alguma autonomia : o Centro de Estudos de Etnologia (CEE, herdeiro do Centro de Estudos de Etnologia Peninsular), e, em 1962, na sequência das Missões de Estudo das Minorias Étnicas do Ultramar Português (MEMEUP 1957-1962), o Centro de Estudos de Antropologia Cultural (CEAC), que mudaria mais tarde a denominação para Centro de Antropologia Cultural e Social (CACS). Em 1983 foi integrado, juntamente com o Museu de Etnologia, no Departamento de Ciências Etnológicas e Etno-Museológicas do Instituto de Investigação Científica Tropical.

Nesses centros, Dias replica em grande medida a lógica da divisão alemã entre Volkskunde e Völkerkunde : O Centro de Estudos de Etnologia daria assim conta das pesquisas e recolhas em Portugal, e o Centro de Estudos de Antropologia Cultural ocupar-se-ia das pesquisas fora do terreno português – com especial incidência nos trabalhos realizados em Moçambique por Margot Dias e Jorge Dias e nas recolhas de Vítor Bandeira em África, nas Américas e na Ásia. No entanto, na visão idealista de Jorge Dias (e ao contrário do que acontecia na Alemanha e na Suécia), essa divisão e conceptualização de dois mundos diferentes (culturas europeias, numa óptica nacionalista, versus culturas não ocidentais, numa perspectiva das nações colonizadoras) deveria ser ultrapassada ; os dois saberes deveriam ser complementares, e a sua síntese tomaria corpo no museu, que ele pretendia fosse “um verdadeiro Museu do Homem” (Oliveira, 1974, p. 13).

O trabalho de Jorge Dias e sua equipa centrou-se em três temas essenciais, estabelecendo alguma continuidade com as temáticas da etnografia do início do século XX ; e seguiu linhas teóricas específicas, influenciadas em grande medida pelas preferências e itinerário académico do “chefe” da equipa.

O primeiro tema refere-se ao estudo do mundo rural, norteado por uma “etnografia de urgência”. Teve desenvolvimento nas duas monografias de Jorge Dias sobre comunidades de montanha − Vilarinho da Furna : Uma aldeia comunitária, (Dias, 1981 [1948]) e Rio de Onor : Comunitarismo agro-pastoril (Dias, 1981 [1953]) −, de organização social comunitária ; mas também nos seus trabalhos sobre variados aspectos das tecnologias tradicionais. Estes textos, enquadrados pelas preocupações com as origens e pela influência do difusionismo alemão, recaem sobre temas como as construções primitivas (Dias, 1947), as origens dos arados (Dias, 1948), ou os abrigos pastoris (Dias, 1950). Estas investigações determinaram o que foi o grosso do trabalho seguinte da equipa, com Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pereira : um trabalho sistemático sobre a cultura material do mundo rural português. Sobretudo a partir da década de 60, após o ingresso de Benjamim Pereira no Centro de Estudos de Etnologia, a equipa realiza uma série de investigações sobre tecnologias tradicionais, mapeando o país de norte a sul e Ilhas, mas também optando por temáticas específicas.

Daí resulta a recolha de artefactos para o objectivo fundamental de Jorge Dias, a criação de um museu, bem como monografias correspondentes aos temas pesquisados : palheiros do litoral (Oliveira e Galhano, 1964) ; construções primitivas (Oliveira, Galhano e Pereira, 1969) ; moínhos (Oliveira, Galhano e Pereira, 1965) ; actividades agro-marítimas (Oliveira, Galhano e Pereira, 1975) ; sistemas de moagem (Oliveira, Galhano e Pereira, 1983) ; fabrico do linho (Oliveira, Galhano e Pereira, 1978) e do azeite (Pereira, 1990 ; 1997), entre outros. A obra sobre as alfaias agrícolas (Oliveira, Galhano e Pereira, 1976) espelha claramente o projecto de elaboração de um atlas etnológico, consistindo num minucioso mapeamento das alfaias nas diferentes zonas do país. Há no entanto vários outros assuntos que diversificam a pesquisa para lá do enfoque nas tecnologias tradicionais, nomeadamente o estudo dos instrumentos musicais populares (Oliveira, 1966), das festas e romarias (Oliveira 1984) e arquitectura popular (Oliveira, 1957 ; Oliveira,1958 ; Oliveira e Galhano, 1958 ; Oliveira e Galhano, 1964 ; Oliveira e Galhano, 1992).

Fig. 4
« O prof. Wagley e Jorge Dias, num "cabanal" de uma velha casa de Felgar (Junho de 1949) » (legenda no verso da fotografia original).
Cf. Leal 2008.

O segundo tema, a caracterização da cultura portuguesa e dos traços distintivos do povo português no plano espiritual, é fruto de uma preferência intelectual de Jorge Dias, que publica três textos em que reflecte sobre a identidade nacional e a “psicologia étnica” : Elementos fundamentais da cultura portuguesa (Dias, 1953) ; Algumas considerações acerca da estrutura social do povo português (Dias, 1955) ; e Tentâmen de fixação das grandes áreas culturais portuguesas. O romantismo e idealismo de Jorge Dias surge nestes textos, tal como nas monografias, em que os camponeses aparecem como seres de qualidades e pureza superiores, e a democracia representativa praticada nessas sociedades como um modelo exemplar de democracia autárcica.

O terceiro tema relaciona-se com a constituição das referidas Missões de Estudo das Minorias Étnicas do Ultramar Português (MEMEUP) [24], nos anos 50, numa viragem tardia para uma antropologia de construção do império, num país cuja ditadura salazarista era criticada internacionalmente pelo seu colonialismo serôdio, num contexto pós-guerra em que muitos países europeus, a bem ou forçadamente, acediam em dar autonomia às suas antigas colónias.

Como metodologias, as duas monografias clássicas de Jorge Dias sobre Vilarinho da Furna e Rio de Onor resultaram de trabalho de campo intensivo e prolongado. A restante equipa usou sobretudo a pesquisa extensiva, investigando temáticas ligadas à vida rural, e percorrendo o país na sua totalidade (ilhas incluídas) para mostrar a riqueza cultural e patrimonial do país, e a importância da sua salvaguarda. Um texto de Ernesto Veiga de Oliveira publicado em 1962 no Comércio do Porto e retomado por Benjamim Pereira, sublinha essa diversidade, que tanto os atraiu, e sumariza os temas que investigaram :

“A enorme e acentuada diversidade de regiões naturais e de tipos de economia do nosso país e a sua singular posição, como ponto de cruzamento de caminhos entre continentes, (…) tiveram como consequência uma cultura invulgarmente rica em regionalismo e localismo, fruto das contribuições e contactos culturais realizados durante séculos : a agricultura, a pesca, o pastoreio, em puros moldes tradicionais, com a sua alfaia e ferramenta de formas por vezes milenárias ; moínhos de água, de rodízio, móvel ou fixo, de maré, azenhas de copos ou de rios ; moinhos de vento, de torre ou giratórios, pisões de pancada horizontal ou vertical ; lagares de vinho e de azeite ; casas de térreo ou de andar, de pedra (…) da serra e terras baixas nortenhas ; e casas rasas e brancas mediterrâneas, de taipa, adobe ou tijolos, com abóbodas e arcos ; “palheiros” palafíticos de madeira ; dependências de lavoura ; eiras abertas de terra do Sul ; eiras graníticas de alpendre do Norte ; “ladrilhos” cobertos, como na Europa húmida ; sequeiras e espigueiros − os mais belos espigueiros do mundo − ; todos menos quatro de cerca de trinta tipos de aparelhos de elevar água de rega conhecidos em todo o mundo ; pequenas maravilhas de arte mobiliária e de artesanato ; alminhas e cruzeiros − tudo isto se encontra abundantemente representado com a maior riqueza de variantes (…)” (Pereira, 1987, p. 45-46 ; Saraiva 1992)

As influências teóricas são reflexo, por um lado, da formação académica de Jorge Dias na Alemanha, nomeadamente do difusionismo e do funcionalismo histórico de Richard Thurnwald e da etnossociologia do seu discípulo Wilhelm Muhlmann (cujas ligações de conveniência ao partido nazi eram contrabalançadas por uma abordagem antropológica universalista) ; e, por outro, pelas estadias nos Estados Unidos, pautadas pelo contacto com o culturalismo americano associado a Franz Boas e seus discípulos, como Robert H. Lowie, Melville Herskovits, Alfred Kroeber, Robert Redfield e Margaret Mead. A concepção dos padrões de cultura e em particular das personalidades apolínea e dionísica de Ruth Benedict são uma referência chave para Jorge Dias, sobretudo na monografia sobre Rio de Onor (Leal, 2006, pp. 149-166 ; Leal, 2007 ; Sobral, 2007). Do cenário intelectual português, Jorge Dias e os seus companheiros buscaram inspirações e fios condutores da geografia humana, da linguística e da história. A clássica divisão do país em três grandes regiões, o Portugal Atlântico, o Trasmontano e o Mediterrânico, avançado pelo geógrafo humano Orlando Ribeiro (Ribeiro, 1963), serviu de base à maior parte das referidas monografias, e é o grande pilar, em particular, da organização da obra Alfaia agrícola portuguesa (Oliveira, Galhano e Pereira, 1976).

A complementaridade e coordenação dos elementos da equipa ditaram o seu sucesso : Veiga de Oliveira era o escritor erudito ; Benjamim Pereira o especialista do mundo rural e das tecnologias agrárias, e um excelente fotógrafo [25] ; Galhano o exímio artista dos desenhos etnográficos que ilustravam as obras da equipa. Por outro lado, a variedade das esferas de acção de Jorge Dias contribuiu para a visibilidade, não só do trabalho da equipa, mas da antropologia enquanto disciplina. Se Jorge Dias investiu no ensino ao nível da sua própria carreira académica, o seu grande objectivo era também a afirmação institucional ou mesmo oficial da antropologia enquanto ciência.

Dias obteve ainda um reconhecimento internacional, patente no livro de homenagem póstumo, em que participaram mais de cem estudiosos, de todos os continentes [26], com cerca de cinquenta antropólogos estrangeiros, e relevo para figuras como Meyer Fortes, Max Gluckman, Max G. Marwick e John Beattie. Além de ter passado períodos, como visiting scholar, na Universidade de Witwatersrand na África do Sul e na Universidade de Stanford nos EUA, ou o ainda em Espanha, Jorge Dias circulou em múltiplos seminários, congressos e reuniões de antropólogos a nível mundial, tentando abrir diálogos com as academias espanhola e brasileira, entre outras, e publicando fora de Portugal. Nesse esforço de internacionalização da antropologia portuguesa, foi também muito importante o seu papel dinamizador na Comission Internationale d’Arts et Traditions Populaires (CIAP), criada em 1947 na dependência da UNESCO. Entre 1954 e 1956, Jorge Dias exerceu o cargo de secretário-geral deste organismo que coordenava a pesquisa etnológica na Europa, sendo eleito membro do seu conselho de administração em 1964, altura em que a CIAP alterou o nome para Société Internationale d’Ethnologie et Folklore (SIEF) [27]. Em 1965, integrou igualmente o grupo fundador da revista Ethnologia Europaea, fazendo parte da sua comissão editorial até à sua morte (Leal, 2007, p. 4).

Jorge Dias é por vezes visto como um personagem polémico, e muito se tem escrito sobre o seu papel no desenvolvimento da antropologia portuguesa e as suas relações com o regime salazarista (Pina Cabral, 1991). Começou efectivamente o seu percurso académico em Portugal pela mão de Mendes Correia, um personagem claramente afecto à política colonial e racista do Estado Novo. Mas, com a sua índole idealista, Dias acreditava nos valores do Cristianismo (Sobral , 2007 ; Sobral, 2015 ; Bastos e Sobral, 2018), na boa índole dos portugueses (Dias, 1953) [28] e repudiava o racismo. Ao mesmo tempo, defendia a colonização portuguesa como parte fundamental do carácter nacional (Sobral, 2007) e aceitava as teses lusotropicalistas de Gilberto Freyre (Freyre, 1940), o sociólogo brasileiro que retratou os portugueses como colonizadores não racistas, que teriam, através da miscigenação, impulsionado a construção multi-rácica do Brasil (Castelo, 1998). Era importante para o regime defender a diferença da colonização portuguesa, e a promoção do ideário lusotropicalista de Freyre ajuda a exaltar a mestiçagem. É no “momento em que começa a empalidecer em Portugal a estrela de um Mendes Correia (…) e em que o relativamente jovem e antirracista Jorge Dias – que se identifica em larga medida com uma antropologia cultural americana que se havia distinguido no combate contra o racismo − se vai afirmando progressivamente” (Sobral, 2015, p. 6).

Pelo trabalho que desenvolveu no âmbito das MEMEUP, sobre os Macondes de Moçambique, Dias é por vezes acusado de não ter seguido as abordagens mais dinâmicas em vigor na antropologia de então (como Schism and Continuity [1966] de Victor Turner), e de dar o retrato dos Macondes como uma sociedade tradicional, replicando o modelo de monografia clássico, sem grelhas teóricas e interpretativas que reflectissem as mudanças da sociedade maconde, apesar de saber que elas existiam (Pereira, 1998 ; Pina Cabral, 1991 ; West, 2004). Como professor e responsável pelos centros de investigação, Jorge Dias ensinou pessoas que depois seriam administradores coloniais, colaboradores do Centro de Antropologia Cultural e Social ou futuros investigadores. [29] Não obstante, também redigiu relatórios dirigidos às autoridades, em que referia maus tratos contra a população africana por parte da administração colonial. Essa perceção política leva-o mesmo a escrever, num relatório de 1957, que a dominação colonial portuguesa não duraria mais de vinte anos (Pereira, 1998 : 48).

Cf. Leal 2008.
Fig. 5
Jorge Dias e macondes (1957).

Jorge Dias não era racista nem concordava com teses eugénicas. Em Portugal, movia-se bem na esfera administrativa e política do regime. Benjamim Pereira contava sempre como ele o fazia para atingir os seus fins : o implemento da pesquisa antropológica e a criação do museu. Conseguiu-o com a criação dos centros de investigação e do Museu de Etnologia, que infelizmente não viu nascer : Jorge Dias morre em 1973 e o museu só é inaugurado em 1976.

Os dois países de Benjamim Pereira [30]

O sonho de Jorge Dias de conseguir criar um Museu de Etnologia foi dando pequenos passos na década de 60, mesmo sem um edifício próprio. Em 1965, a equipa monta uma exposição na Galeria de Arte Moderna, em Belém, reveladora do trabalho que faziam na recolha de objectos ; em 1972, na mesma galeria, abre a exposição Povos e Culturas. Quando, finalmente, se inaugura o Museu de Etnologia, em 1976, é com a exposição Modernismo e Arte Negro-Africana. Uma exposição de vanguarda, em que quadros de Modigliani e Picasso eram postos lado a lado com esculturas Tschokwe, num cenário fantástico de uma sala negra com pontos de luz a darem um efeito mágico às esculturas expostas.

O encenador desta exposição – e de muitas mais, ao longo dos trinta anos que se seguiram – foi Benjamim Enes Pereira. Nascido em 1928 numa freguesia de Viana do Castelo, no noroeste rural do país, o seu percurso encontra-se intimamente ligado à afirmação da antropologia em Portugal, quer nos seus planos de autonomização, quer na diversificação da disciplina (Saraiva, 2010). Como membro da equipa dos centros de investigação e do Museu de Etnologia, Benjamim Pereira destaca-se pela importância dos estudos relativos à cultura material e, através destes, pelo profundo conhecimento sobre a sociedade portuguesa, que ajudou a cartografar de modo sistemático, revelando constantes estruturais, especificidades regionais e locais e modos de adaptação decorrentes do fim de um “tempo longo”, o tempo da tradição. O seu contributo para a equipa, como profundo conhecedor do mundo rural e das tecnologias agrícolas, foi decisivo, como Jorge Dias havia comentado nalgumas das cartas de 1959 escritas a Veiga de Oliveira (Leal 2008, p. 515) :

“A entrada do Benjamim é mais uma garantia de sucesso, e era um elemento que nos fazia muita falta – foi uma lança em África que há-de dar abundantes frutos (…). Sinto-me tão feliz como tu com a aquisição do Benjamim. Ele é um excelente moço e tenho a certeza que havemos de fazer dele um bom etnógrafo (…).”

Benjamim Pereira faz a sua aprendizagem na área pesquisando os escritos sobre etnografia portuguesa desde o século XIX. Em 1965, publica a obra de referência Bibliografia Analítica da Etnografia Portuguesa, a que ele próprio se referia como a sua “tese de licenciatura em antropologia”. Nela passa em revista de forma sistemática os vários textos escritos no âmbito da etnografia portuguesa até ao início da década de 1960, catalogando-os por temática e fornecendo para cada um deles um resumo, anotações e comentários imprescindíveis para quem se debruce sobre tais matérias. Na esfera da actividade museológica, a sua perícia revela-se desde logo no âmbito da implementação do Museu de Etnologia e da constituição das colecções relativas ao universo português, mas também, a partir da década de 1980, na sua implicação em projectos expositivos e requalificação de museus de âmbito local e regional.

Entre 1963 e 1990, data em que se aposenta, Benjamim Pereira é responsável pela concepção, execução e montagem de todas as exposições realizadas no Museu de Etnologia, muitas vezes com a colaboração do colecionador Victor Bandeira. Entre 1990 e 2002, continua a participar na concepção gráfica e montagem de exposições realizadas no museu (Saraiva, 2010). Durante este período, publica inúmeros artigos e monografias, quer a título individual, quer em conjunto com os demais colaboradores do CEE e do CACS. É também o responsável e executor da organização das reservas do Museu de Etnologia dedicadas ao mundo rural português, permitindo assim a sua abertura ao público sob a designação de “Galerias do mundo rural”.

“O projecto antropológico de Benjamim Pereira e de toda a equipa de Jorge Dias”, escreve João Leal, “era um projecto que, inserido numa tendência mais vasta do seu tempo, antecipava em larga medida o renovado interesse contemporâneo pela cultura material, ou pela `vida social das coisas´, para citar uma formulação feliz de Appadurai (1986)” (Leal, 2010, p. 187). A expressão tomada de empréstimo a Appadurai salienta bem como, nos textos da equipa, por trás das descrições de tecnologias tradicionais ou de tradições antigas, há pessoas que vivem a sua vida quotidiana, e que são retratados nesses escritos, em que o modo de estar e de fazer surge a cada instante. O trabalho de Benjamim Pereira em prol da divulgação da etnografia e da antropologia cultural enquanto ciências sociais imprescindíveis e da valorização da cultura portuguesa continua mesmo após a sua saída do activo. A partir de 1989, e por mais de vinte anos, coopera com a Rede Portuguesa de Museus na avaliação e consultoria a várias instituições e museus locais e regionais, orientando jovens e colaborando com uma nova geração de antropólogos que trabalham em museus locais e regionais pelo país fora. A contribuição para o recém-criado Museu da Luz, na aldeia submergida pela construção da barragem de Alqueva, no Alentejo, é um dos seus últimos grandes trabalhos (Saraiva, Pereira e George, 2003).

Tal como João Leal afirma (Leal, 2010), Benjamim Pereira, falecido a 1 de Janeiro de 2020, no início de uma nova década do século XXI, viveu em dois países : o país rural a que pertencia e que ele tão bem cartografou e retratou, em escritos, recolhas etnográficas e exposições ; e o país em que morreu, que já não era um país de base rural, e em que a perspetiva da antropologia e as pesquisas dos antropólogos mudaram.

Esse país começou a mudar no final dos anos 60, e sobretudo nos anos 70. Efectivamente, na década de 60, surgem olhares de fora, de antropólogos estrangeiros que trazem novas perspectivas e destronam a articulação estruturante entre antropologia e identidade nacional (Leal, 2000).

O tema da perspectiva pastoral versus contrapastoral surge a propósito de três grandes figuras : Orlando Ribeiro, Jorge Dias e José Cutileiro. Embora haja diferenças entre eles – nomeadamente o facto de Orlando Ribeiro ser geógrafo humano e apaixonado pelo Sul e Jorge Dias ser antropólogo e encantado com o Norte –, João Leal equaciona as perspectivas destes dois autores que comungam uma visão pastoral do país e da vida das pessoas, um idealismo e romantismo quase cegos, em que as vertentes positivas são salientadas (Leal, 2001). Ao contrário, o trabalho de José Cutileiro é nomeado por apresentar uma visão contrapastoral, na medida em que se centra na luta de classes e poderes no Alentejo rural nos anos finais do regime salazarista e consegue uma aproximação realista a esta situação. Cutileiro (1971) contribuiu com a visão da antropologia social britânica para a renovação da disciplina, dando conta de uma situação social marcada pela desigualdade e pelo conflito (Leal, 2001) [31]. Cutileiro, que, apesar de português, tem uma formação no estrangeiro, é considerado por João Leal (2003) como fazendo parte dos “estrangeiros” que vieram fazer pesquisa para Portugal no final dos anos 60 e 70, e que trouxeram inovação e visões contra-pastorais da vida social. Estávamos na época em que se fazia “antropologia em casa”, e essa casa podia ser o próprio país ou outros contextos europeus. Portugal, país do sul, periférico e numa situação social e política anacrónica [32], atraiu antropólogos franceses, americanos, ingleses, que trouxeram uma lufada de ar fresco e um novo olhar sobre o país. Muitos deles escolheram o Norte do país, considerado na altura como um “contexto rico”, do ponto de vista etnográfico : era aí que se encontravam as reminiscências dos regimes comunitários, e era também a parte do país onde Jorge Dias tinha realizado o trabalho de campo que esteve na base das suas duas monografias clássicas. A francesa Collette Callier-Boisvert [33] escreveu sobre emigração e o estatuto das mulheres na serra minhota (Callier-Boisvert, 1966 ; 1981, entre outros ; Ferreira 2019). A norte-americana Joyce Riegelhaupt fez trabalho de campo na Estremadura, na região saloia perto da capital lisboeta, e investigou as revoltas camponesas, o anticlericalismo e as formas de religiosidade popular (Riegelhaupt 1973 ; 1982 ; Leal 2003). Caroline Bretell estudou a emigração e o papel das mulheres numa freguesia da ribeira minhota, publicando em 1991, na colecção Portugal de Perto, o seu trabalho : Homens que partem, mulheres que esperam : Consequências da emigração numa freguesia minhota (Bretell, 1991). Outra autora da mesma colecção, a norte-americana Sally Cole, trabalhou com mulheres pescadoras no litoral nortenho (Cole, 1994), e Jeffrey Bentley debruçou-se sobre as desigualdades no mundo agrícola. Mais tarde, Fabienne Wateau, já nos anos 90, dedicou-se à temática dos conflitos sobre água de rega [34].

Um outro país [35]

Com o “25 de Abril” a situação da antropologia mudou. Estávamos num tempo de ventos de mudança [36], renovação social, política e cultural. Nos campos do Alentejo vivia-se a reforma agrária. Portugal e a revolução de Abril atraem não só cientistas sociais, mas também fotógrafos e cineastas. Todos querem viver e documentar a “Revolução dos Cravos”. Intelectuais, artistas e críticos de arte como Ernesto de Sousa, etnomusicólogos como Michel Giacometti e Fernando Lopes Graça, cineastas como Manuel de Oliveira ou Álvaro Campos, que tinham concretizado um trabalho de base etnográfica “à contra-corrente” do Estado Novo (Leal, 2000) [37], podem a partir daqui fazê-lo livremente e juntar-se aos movimentos de dinamização social e cultural que então proliferavam. Além do processo da reforma agrária (mais consistente no Sul do país), dinamizou-se, em 1975, o Plano de Trabalho e Cultura, no âmbito do Serviço Cívico Estudantil. Coordenado por Michel Giacometti, este projecto levou estudantes e universitários a irem pelo país fora, ao encontro do povo, fazendo recolhas de literatura, música, medicina popular, instrumentos musicais e cultura material (Godinho 2019, p. 11). Estas pesquisas deixavam para trás a preocupação, que remontava a Oitocentos, de procurar no povo a identidade pristina e fundadora da nação, e orientavam-se por um forte sentido de classe, própria do momento revolucionário e do PREC [38] : “A antropologia desses anos não é de construção da nação, não a evoca na sua essência, antes busca o país numa indagação ora contemplativa, ora inconformada (ecos da revolução e da descolonização)” (Branco, 2014, p. 376).

É efectivamente um período de mudança e esperança num futuro democrático e melhor. A independência das antigas colónias efectiva-se em 1975. O antigo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Ultramarinas (ISCSPU) entra em falência, criticado como instituição de ensino do regime salazarista, cuja formação em antropologia se focava na formação de administradores coloniais ; e a grande maioria dos seus professores, pessoas afectas ao regime deposto, é saneado. Só é restruturado, com o novo nome de Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), alguns anos depois. Na recém-criada Universidade Nova de Lisboa, surge um curso de antropologia, fundado pela geógrafa Raquel Soeiro de Brito e por José Carlos Gomes da Silva, formado em antropologia/etnologia em França, com Luc de Heusch, e depois por Augusto Mesquitela Lima, que atrai para as suas fileiras de professores jovens formados no antigo ISCSPU, noutras instituições e fora do país, como João Leal, Rosa Perez, Jorge Crespo, Adolfo Yáñes Casal, José Gabriel Pereira Bastos, e outros, ainda mais jovens, que entretanto haviam optado por estudar antropologia.

À abertura do curso de antropologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, onde eu fui aluna entre 1979 e 1983, sucedeu o início de outro curso, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). Em ambos havia professores vindos de fora : vários portugueses que se tinham auto-exilado, outros oriundos de outros países. Todos eram então apelidados, significativamente, através da fórmula “o estrangeiro” [39]. A tradição da antropologia francesa e em particular o estruturalismo de Claude Lévi-Strauss fizeram furor sobretudo na FCSH, enquanto a tradição anglo-saxónica marcou a antropologia ensinada e desenvolvida no ISCTE (Almeida, 2014 ; Branco, 2014 ; O´Neill, 2014 ; Pignatelli, 2014 ; Godinho, 2019), provavelmente devido às formações académicas, na França e Bélgica para a FCSH, e no Reino Unido para o ISCTE, dos respectivos fundadores e professores nesses cursos. Outros antropólogos e cientistas sociais de outras instituições, ou com percursos variados, tinham feito as suas teses de doutoramento seguindo a lógica da “antropologia em casa” : João Pina Cabral e Alice Geraldes trabalham no noroeste minhoto ; Brian O’Neill e Joaquim Pais de Brito em Trás-os-Montes, na esteira dos estudos de Jorge Dias sobre o comunitarismo agro-pastoril ; José Sobral e Raúl Iturra na Beira Alta ; Armindo dos Santos na Beira Baixa ; Francisco Ramos no Alentejo ; Jorge Freitas Branco na Madeira ; João Leal nos Açores [40].

Nos anos 80, a licenciatura na FCSH compreendia, além dos quatro anos de componente lectiva, mais um semestre ou mesmo um ano de realização de trabalho de campo e escrita de uma tese de licenciatura. Este requisito levou jovens como eu ao terreno, seguindo alguns a esteira dos estudos rurais característicos da antropologia portuguesa até à data, fascinados com trabalhos anteriores da equipa do Museu de Etnologia – como a acima referida temática das festas e máscaras do Ciclo dos Doze Dias em Trás-os-Montes, estudada por Benjamim Pereira (1973) e Noémia Delgado (1976) ; o comunitarismo agro-pastoril do norte, o isolamento dos montes na serra algarvia, ou por temas fracturantes da actualidade, como a caça à baleia nos Açores [41], que estava, em 1982, em vias de ser proibida. Muitos dos recém-licenciados na FCSH foram depois contratados como professores no mesmo departamento, ou no recém-criado curso do ISCTE.

De raves a corpos refeitos, as antropologias portuguesas no mundo de hoje

Num texto de 2019, Paula Godinho salienta as continuidades presentes na antropologia feita pelos antropólogos que trabalham nos anos 80, influenciados pelos estudos rurais de Jorge Dias, a par da influência de Robert Redfield. A primeira linha de continuidade, a do interesse pelo mundo rural em profundas transformações, manifesta-se em trabalhos como o de Brian O´Neill, nomeadamente o seu estudo sobre proprietários, lavradores e jornaleiros em Trás-os-Montes, o de João Pina Cabral sobre a visão camponesa do mundo no Minho, ou o de Pais de Brito sobre Rio de Onor. (Godinho, 2019, pp. 12-15). A segunda linha de continuidade do enfoque no mundo rural centra-se na temática da festa, na esteira da investigação e publicação de Benjamim Pereira sobre as máscaras do Ciclo dos Doze Dias (1973), e o filme de Noémia Delgado (1976) que a complementa. Além da compilação de textos de Ernesto Veiga de Oliveira sobre a temática das festividades cíclicas (Oliveira,1984) [42], Pierre Sanchis (1983) trabalha sobre as romarias, e, ainda nos anos 80, João Leal e Rosa Perez incentivam os alunos finalistas do curso de Antropologia da FCSH a realizarem trabalho de campo revisitando as festas do Ciclo dos Doze Dias [43]. A terceira linha de continuidade centrada no mundo rural baseia-se nos estudos sobre a organização, estrutura e destruturação familiar (devido a fenómenos como a emigração), na sequência dos referidos trabalhos dos anos 60 e 70 de Callier-Boisvert, Joyce Riegelhaupt, José Cutileiro e Caroline Bretell.

Aos poucos, os temas de pesquisa foram-se diversificando. Ainda na década de 80, e depois na de 90, surgem teses de licenciatura, mestrado e doutoramento sobre temáticas inovadoras, por exemplo, bairros urbanos (Graça Cordeiro), psicotrópicos e raves (Luís Vasconcelos), Hip-hop (Teresa Fradique), elites lisboetas (Antónia Lima), antropologia médica (Cristiana Bastos), identidade de género (Miguel Vale de Almeida), mas também muitas vezes cruzando essas novas temáticas com pesquisa em contextos geográficos que tinham recebido menos atenção anteriormente (Cristiana Bastos e Clara Saraiva no nordeste algarvio) ou fora do país, como Marrocos (Maria Cardeira da Silva), Guiné-Bissau (Clara Carvalho ; Clara Saraiva), Moçambique (Rui Pereira), Brasil (Cristiana Bastos, Miguel Vale de Almeida, Susana Matos Viegas), Angola (Nuno Porto), Cabo Verde (João Vasconcelos).

Dois marcos importantes que fornecem a visão do país e da antropologia portuguesa dessa altura são a publicação do livro colectivo Lugares de Aqui (O´Neill e Brito, 1991), e a realização, no Museu Nacional de Etnologia, da exposição O Voo do Arado, acompanhada do volume com o mesmo título, que dá conta da alteração profunda que tinha ocorrido no país ao longo dos anteriores cinquenta anos, com decadência da ruralidade – o que Fernando Oliveira Baptista chama “o declínio do tempo longo” (Baptista, 1996).

Se os cursos de antropologia em Portugal tinham crescido, a investigação acompanhou esse ritmo. Pela mão dos primeiros professores pós “25 de Abril”, em conjunto com os jovens que ocupavam já cargos nas universidades e trabalhavam nas suas teses de doutoramento, constituíram-se vários centros de investigação. No ISCTE, o Centro de Estudos de Antropologia Social (CEAS) permaneceu activo entre 1986 e 2007. O Centro de Estudos Africanos (CEA), também no ISCTE, criado em 1981, deu especial ênfase a países africanos em que se fala português ; em 2013, mudou a designação para Centro de Estudos Internacionais (CEI-ISCTE-IUL). Na FCSH, foi criado o Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa (CEEP, 1994-2007), e, mais tarde, o Centro de Estudos das Migrações e Minorias Étnicas (CEMME, 2000-2007). Em Coimbra, a antropologia física e biológica continuou com ampla representação, com o Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS, desde 1994), herdeiro da tradição da paleontologia, antropologia física e forense nessa universidade. Além destes, em Lisboa, tinha sido fundado, ainda durante o regime salazarista, em 1962, o Instituto de Ciências Socias (ICS), em que a antropologia está presente não só na investigação, mas também no ensino, com programas de pós-graduação e doutoramento. Em Coimbra, o Centro de Estudos Sociais (CES), é o congénere do ICS em Lisboa, dedicando-se às ciências sociais e englobando a antropologia. [44]

As revistas ligadas aos departamentos e centros de investigação trazem a lume os resultados das pesquisas dos antropólogos portugueses, e têm contribuído para a divulgação e internacionalização da antropologia portuguesa : a Ethnologia, revista do Departamento de Antropologia da FCSH, existiu de 1983 até 2003 [45]. Um dos seus números temáticos, editado no final da década de 1990 por Maria Cardeira da Silva (Cardeira da Silva, 1997), retratou o trabalho de campo dos (então) jovens antropólogos, documentando a vitalidade do departamento, então dirigido por Jill Dias, que tinha trazido uma nova lufada de ar fresco a essa unidade. De origem britânica, especialista em etno-história, Jill Dias [46] combinava um profundo conhecimento do arquivo com uma sensibilidade etnográfica, e além de inúmeras publicações, sobretudo sobre história e etno-história de África, foi comissária de uma das mais notáveis exposições do Museu Nacional de Etnologia, Nas Vésperas do Mundo Moderno (Dias, 1992). Em duas grandes salas do museu, surgiam textos e objectos que retratavam o que tinham sido os contactos dos europeus com o mundo ameríndio e africano, de uma forma crítica e complementada com dois volumes de catálogo, em que a escrita de Jill Dias nos transporta ao Brasil e à África da época, aos confrontos entre mentalidades e maneiras de estar no mundo completamente díspares.

A revista Etnográfica [47] destaca-se como a principal revista internacional de antropologia, editada pelo Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA). Publica em quatro idiomas : Português, Castelhano, Francês e Inglês. Outras revistas de antropologia, ou que publicam trabalhos de antropólogos, proliferam. Antropologia Portuguesa, da Universidade de Coimbra, foi iniciada em 1983 ; desde 1918, os Trabalhos de Antropologia e Etnologia são editados pela Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia (SPAE) : Arquivos da Memória foi a revista do Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa (CEEP) fundado em 1994 (e integrado mais tarde no CRIA), na qual foi publicada nomeadamente uma extensa entrevista com Benjamim Pereira (Godinho e Lavado, 1996) ; Análise Social, Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, dirigida à variedade das ciências sociais, existe desde 1963 e publica trabalhos de antropologia.

A criação da FCT em 1997 conduz a restruturações. Em 2007 o CEAS une-se ao CEMME e outros núcleos de pesquisa para formar o Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA), que reúne antropólogos e universidades de todo o país : Trás-os-Montes, Minho, Coimbra, Lisboa, Algarve.

Entre os finais da década de 90 do século XX e a primeira década do século XXI, a diversidade da produção antropológica atesta as mudanças operadas, como testemunha o texto de Cristiana Bastos e José Sobral, publicado na International Encyclopedia of Anthropology (2018).

Sob o impulso da FCT, iniciou-se um período, nos finais do anos 90 e inicio do século XX, em que a abundância de bolsas para doutoramento e pós-doutoramento abertas a todas as nacionalidades atraiu jovens estudantes ou pós-doutorados de países como a Itália, França, Bélgica e Alemanha. Esta vinda de mais antropólogos de fora do país alargou os âmbitos da pesquisa realizada com base em Portugal, quer do ponto de vista temático, quer geográfico. O desenvolvimento da relação com o Brasil aconteceu sobretudo a partir dos anos 1990, com trabalho de investigação de portugueses no Brasil, como Cristiana Bastos, Miguel Vale de Almeida, Susana Matos Viegas, João Pina Cabral e, mais tarde, João Leal, e de brasileiros em Portugal, bem como projectos de pesquisa e reflexões partilhadas [48].

Em 1989, é fundada a Associação Portuguesa de Antropologia (APA), na sequência da expansão da disciplina que teve lugar após o regime democrático. Em 2005, a APA é membro fundador do World Council of Anthropological Associations. A associação tem procurado congregar, de uma forma pluralista, os praticantes dos diversos domínios da antropologia, e tem como objectivos principais a promoção do saber antropológico e a defesa do valor das competências científicas e profissionais ligadas à formação em antropologia. Organiza periodicamente congressos que extrapolam o âmbito nacional, e contam com a presença crescente de antropólogos de outros países, sobretudo brasileiros e espanhóis, países com os quais a APA tem criado laços especiais. O Congresso da APA de 1999 integrou um simpósio sobre antropologia brasileira e confirmou o cimentar das relações entre antropólogos dos dois lados do oceano. A partir daí, as relações entre a APA e a congénere ABA, Associação Brasileira de Antropologia, estreitaram-se e mantêm-se fortes, sendo que parte dos interesses comuns se ligam igualmente a trabalhos desenvolvidos nos países africanos de língua oficial portuguesa, sobretudo Guiné-Bissau e Cabo Verde [49].

Fig. 5
Cartaz do VIII Congresso APA, Universidade de Évora, 2022.
APA, Universidade de Évora.

No seu texto sobre a evolução da antropologia em Portugal no “quase meio século” desde a revolução de Abril, Paula Godinho (2019) debruça-se sobretudo sobre a contemporaneidade e define dois ciclos neste período, olhados como “vagas” oscilantes entre momentos de expansão e de contracção da disciplina, ao sabor das oscilações sociais, políticas e económicas do país, da Europa e do mundo em geral : uma dinâmica de expansão e dinamismo no seguimento da revolução de 1974 e da entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia em 1986, que dura até aos inícios do século XXI ; um segundo momento, a partir de 2012, em que a antropologia portuguesa entra em retracção, como consequência da crise mundial de 2008, que se efectiva sobretudo a partir de 2012, em que as verbas disponíveis para o ensino e investigação diminuem drasticamente, com consequências muito negativas para estudantes, investigadores, universidades e centros de investigação – bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, projectos de investigação e possibilidades de emprego a descerem para níveis exíguos (Godinho, 2019).

A antropologia em Portugal atravessou os problemas decorrentes da crise mundial de 2007-2008 ; diminuiu a verba atribuída pela FCT para projectos de investigação e bolsas de doutoramento ou pós-doutoramento. Isto implicou (mais uma vez) a saída de pessoas do país, à procura de empregos no exterior [50]. Em 2015, a APA lançou um inquérito aos antropólogos, denominado Perfil do Antropólogo Português (PAP), com o objectivo de saber o que faziam os licenciados em antropologia – se tinham emprego, se o emprego era na área da antropologia, se era na academia ou não, se a licenciatura em antropologia lhes era útil na sua vida de trabalho e quotidiana, entre outras questões. A APA obteve cerca de mil respostas (Pignatelli, 2018 ; Bastos e Sobral, 2018). O PAP continua a ser aplicado, usando uma lógica de estudo longitudinal, e seguindo os antropólogos que começaram a sua formação académica em 2017. Veremos onde eles/elas estão e o que fazem com “as suas antropologias” daqui a uma década.

A APA tem também em mãos dossiês de trabalho que pretendem aumentar as possibilidades de emprego para os licenciados, mestres e doutorados em antropologia : impor a presença do ensino da antropologia ao nível do secundário, e também em organismos oficiais ou ONGs que trabalham sobre património e actividades culturais. Uma outra luta prende-se com a visibilidade da antropologia no país, enquadrada na área das ciências sociais, mas como disciplina autónoma [51]. A antropologia em Portugal data do final do século XIX, e queremos que se desenvolva e dê frutos por muito mais tempo. Em abril de 2012, realizou-se o Congresso Evocativo do Cinquentenário da Criação do Centro de Estudos de Antropologia Cultural (CACS : 1962-2012). Este evento teve lugar no ISCSP – onde Jorge Dias, fundador do centro, foi professor, tendo Ernesto Veiga de Oliveira preenchido esse lugar após a sua morte – e foi organizado por Marina Pignatelli com o intuito de celebrar a génese do CACS e fazer o balanço da produção antropológica portuguesa desses cinquenta anos (Pignatelli, 2014).

Os elementos da equipa de Jorge Dias, considerados como os pais da moderna antropologia portuguesa, foram relembrados em sucessivos colóquios e livros de homenagem. Em 1974, o Instituto de Alta Cultura (IAC) publicou, numa iniciativa de Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Enes Pereira, o livro In Memoriam António Jorge Dias, um ano após a sua morte. Em 1989, o Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC), editou a obra Estudos em homenagem a Ernesto Veiga de Oliveira, coordenado por Benjamim Pereira, também imediatamente após o desaparecimento do etnólogo. Fernando Galhano foi homenageado com um colóquio que teve lugar no Porto, sua cidade natal, em 2004, acompanhado por um livro de homenagem (Lemos et al., 2004). Em 2007, teve lugar na Sociedade de Geografia de Lisboa um colóquio a relembrar os 100 anos do nascimento de António Jorge Dias. Em 2010, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, Clara Saraiva e Jean-Yves Durand organizaram o colóquio Caminhos e Diálogos da Antropologia Portuguesa. Homenagem a Benjamim Pereira ; o respectivo catálogo veio a lume em 2014, ainda em vida do homenageado, com a colaboração da Câmara Municipal de Viana do Castelo (Saraiva, Durand e Alpuím, 2014). Em 2017, o Museu Nacional de Etnologia organizou igualmente uma homenagem a Victor Bandeira, colaborador e colector de muitos objectos das suas coleções brasileiras, africanas e asiáticas.

Num dos textos de João Pina Cabral acima referido (Pina Cabral, 1989), o autor sublinha o modo como a antropologia portuguesa é herdeira de circunstâncias que sempre relacionaram a história do país com a história do desenvolvimento da disciplina : o período romântico do século XIX ; o que os primeiros etnógrafos construíram nos tempos da gestação da República ; o trabalho de Jorge Dias e sua equipa, nos anos 1950 e 1960 ; e a altura em que escreve, nos finais dos anos 1980, que considera como um período de desenvolvimento da antropologia em Portugal. Referindo que houve sempre diálogo com as correntes internacionais que dominavam o mundo científico – diálogo mais ou menos intenso consoante os momentos históricos e a conjuntura política, social e cultural nacional –, Pina Cabral salienta como esses momentos de vitalidade foram quase sempre seguidos “por longos períodos de paralesia, isolamento em relação ao diálogo internacional e incapacidade de produção interna de jovens cientificamente inovadores” (Pina Cabral, 1989, pp. 34-35). Escrevendo no final do século XX, com a democracia plenamente instalada no país, o antropólogo explicita que, apesar de não termos mais que lutar contra o isolamento ideológico, cultural e social do período da ditadura salazarista, a situação periférica de Portugal não mudou e continua a apelar ao incremento das relações internacionais. Os anos 1990 e o início do século XXI mostraram que esse seu desejo se concretizou, que se alargou o ensino da antropologia, que se fundaram e remodelaram centros de investigação, que se abriram portas às pessoas de fora e às redes de cooperação científica ao nível europeu e mundial. Os antropólogos portugueses participam em associações e eventos internacionais, alguns dos quais, como os congressos do SIEF e da EASA, as duas maiores associações de antropólogos europeus, são realizados em Portugal [52] ; estudantes portugueses vão para outros países e Portugal recebe alunos da chamada “bolsa-sanduíche” de doutoramento (ou doutorado) do Brasil, bem como de outros países. A crise de 2012 em diante desacelerou este ritmo, e provocou a saída de antropólogos do país. As lutas entretanto continuam, em várias frentes.

Em 2023, passarão 50 anos sobre a morte de Jorge Dias. E continuamos e continuaremos a celebrar os antepassados fundadores da antropologia portuguesa, e a lutar para que ela contribua cada vez mais para uma sociedade justa, democrática e culturalmente diversificada.

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Filmografia

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TRÉFAUT, Sérgio, 1999, Outro Pais. 70’, documentário | prod. SP FILMES | distribuição FAUX.




[1João de Pina Cabral, ligado ao Departamento de Antropologia da Universidade de Coimbra foi o grande impulsionador deste primeiro Congresso e tinha sido um dos membros fundadores presentes na primeira assembleia geral inaugural da EASA, em Castelgandolfo, Itália, a 14 de Janeiro de 1989. Foi, entre 2003 e 2005, Presidente da mesma associação.

[2Como o texto original do presente artigo foi escrito em 2021, esclareço aqui que obras posteriormente publicadas sobre a temática (como, por exemplo, Patrícia Ferraz de Matos 2023, Carla Teixeira 2021, João Leal, 2023), não são aqui tratadas, por não existirem à data da escrita deste texto.

[3Dois colegas de licenciatura na FCSH que fizeram, na mesma altura, um percurso idêntico nos EUA, foram Miguel Vale de Almeida (bolsa Fulbright de mestrado na então State University of New York-SUNY), e Cristiana Bastos (bolsa Fulbright de doutoramento na City University of New York- CUNY).

[4Bem como da responsável pela biblioteca do ME, Helena Prista Monteiro.

[5O texto de João Pina Cabral e Susana Matos Viegas faz parte de um leque mais alargado de reflexões – algumas enquanto relatos de experiências vividas, outras mais históricas e analíticas – de cerca de 30 antropólogos que participaram em 2012 no Congresso Evocativo do Cinquentenário da Criação do Centro de Estudos de Antropologia Cultural (CACS), organizado por Marina Pignatelli, e que subsequentemente as publicaram no dossiê por ela organizado na revista Etnográfica (Pignatelli, 2014).

[6Colecção dirigida por Joaquim Pais de Brito que, entre 1983 e 2006, reeditou uma grande parte dos clássicos da etnografia portuguesa dos finais do século XIX e inicio do século XX, mas também muitas das pesquisas dos jovens antropólogos das décadas de 90 e do início do século XXI.

[7Expressão que Leal adapta de Anthony Smith, 1991.

[8Vários capítulos do livro correspondem a textos anteriormente publicados como artigos em revistas.

[9Como Max Müller, Fustel de Coulanges, Spencer, Renan, Mommsem, Benfey, James Frazer e E.B. Tylor (Leal 2000, pp. 31-33).

[10Refiro aqui algumas delas, tanto de abrangência nacional – Portugália  ; Revista Lusitana – , como as que davam um retrato mais local e regional, como A Tradição  ; A Ilustração Transmontana  ; A Tradição (Serpa)  ; Revista do Minho  ; Lusa (Leal, 2000, p. 32-35).

[11Na impossibilidade de citar todos os trabalhos destes autores, veja-se, como exemplos, Vasconcelos, 1909  ; Correia, 1915a, 1915b, 1915c  ; Sousa, 1973.

[12Objecto de uma exposição e catálogo no Museu Nacional de Etnologia, Onde Mora o Franklin  ? Um escultor do Acaso (Brito, 1995).

[13Esta noção é debatida e contestada por Viegas e Cabral (2014), que defendem que as duas facetas da antropologia em Portugal se desenvolveram em simultâneo.

[14Um militar do regime, mas que mais tarde se torna um contestatário do mesmo e organiza, em 1961, o famoso “assalto ao Santa Maria”, jóia da coroa da marinha portuguesa, numa tentativa de derrubar o regime salazarista.

[15O organismo manteve o nome até ao fim da II Guerra Mundial, quando passou a designar-se Secretariado Nacional de Informação (SNI), em que Ferro se manteve como director.

[16Matemático que foi presidente da república entre 1915 e 1917 e entre 1925 e 1926.

[17Coimbra e Lisboa disputaram a supremacia universitária durante séculos, e até ao fim da monarquia, apesar de Lisboa e Porto terem Escolas Superiores, a universidade era em Coimbra (Bastos e Sobral, 2018, p. 3).

[18Que subiste até hoje e publica regularmente a revista Trabalhos de Etnologia e Etnologia.

[19Mendes Correia (na Universidade do Porto) e Eusébio Tamagnini (na Universidade de Coimbra) faziam parte da elite política : o primeiro tornou-se presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, e da Escola Colonial que aí se iniciou  ; o segundo foi ministro da Instrução Pública (Bastos e Sobral, 2018, p. 4-5).

[20Uma técnica de luta tradicional em que a arma é um simples pau da altura aproximada de um homem, empunhado e manejado adequadamente por cada um dos contendores, que procuram por um lado atingir o ou os adversários, e por outro defender-se dos golpes contra si desferidos (Oliveira, 1984)

[21Pianista de profissão, Margot Dias vai usar os seus conhecimentos musicais para participar nas pesquisas do marido e colaborar nas secções sobre etnomusicologia, como é o caso do Cancioneiro na monografia de Rio de Onor, ou do seu trabalho sobre os instrumentos musicais dos Macondes, na obra monográfica sobre este grupo moçambicano.

[22Ernesto Veiga de Oliveira era licenciado em Direito  ; Fernando Galhano era pintor. A sua excepcional perícia em pintura e desenho permitiu-lhe a especialização em desenho etnográfico, e transformou-o no autor de praticamente todos os desenhos patentes nas monografias e artigos publicados pela equipa, que primam pela excelência na minúcia e exatidão etnográficas, com pormenores em que a fotografia (também demasiado dispendiosa na época) não conseguiria retratar todos os detalhes. Alguns dos textos publicados mais tarde têm a colaboração de Manuela Costa (por exemplo Pereira, 1997).

[23Mais tarde Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Ultramarinas (ISCSPU).

[24As MEMEUP passariam depois a MMEUP (Missões das Minorias Étnicas do Ultramar Português) e dariam origem, em 1962, ao CEAC (mais tarde CACS), como vimos anteriormente.

[25São da sua autoria a maioria das fotos que figuram no arquivo do CEEE, sito no actual Museu de Etnologia.

[26In Memoriam António Jorge Dias, 3 volumes, (Oliveira, 1974), em que a apresentação e resumo do percurso académico de J. Dias (capítulo inicial) é escrita por Ernesto Veiga de Oliveira.

[27Tive a honra de ser membro da direcção da SIEF de 2009 a 2017, fui organizadora, em 2011, do 10º Congresso da SIEF, em Lisboa  ; e ocupei o cargo de Vice-Presidente de 2013 a 2017.

[28O texto de 1953, Elementos fundamentais da cultura portuguesa, é, por um lado, uma ode ao carácter nacional português e, por outro, toca em vários lados negativos, e tem sido alvo de inúmeras reflexões (veja-se, como exemplo, os textos do historiador José Mattoso, 1998).

[29Como António Carreira para Cabo Verde, Fernando Rogado Quintino na Guiné, e Augusto Guilherme Mesquitela Lima em Angola.

[30Título de uma conferência proferida por João Leal na sessão de abertura do IV Congresso da Associação Portuguesa de Antropologia (APA), em Setembro de 2009, e publicada posteriormente na revista Etnográfica (Leal, 2010).

[31Segundo José Sobral, Jorge Dias não desenvolveu, nos seus trabalhos, aspectos relacionados com o funcionalismo britânico, que considerava demasiado preocupado com a dinâmica social do grupo, e não suficientemente com o indivíduo (Sobral, 2007).

[32A chamada “guerra do Ultramar”, com luta armada sobretudo em Angola e na Guiné-Bissau, iniciou-se em 1961, após a passagem das antigas possessões de Goa, Damão e Diu para a União Indiana, os massacres no Norte de Angola, e perante a insistência do regime em manter o chamado “império colonial”. A fuga de Portugal cerca de 60 estudantes oriundos das colónias – sobretudo Angola, Moçambique, e Cabo Verde –, que se vão juntar à luta de libertação foi também decisiva. Alguns destes nacionalistas viriam a ser presidentes, ministros, generais ou médicos e teriam um papel relevante na condução do destino dos seus países. Muitos deles viviam na Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa. Criada em 1944 para fortalecer o sentimento de ’portugalidade’ entre os alunos das então colónias, acaba por se tornar um autêntico ’viveiro’ de nacionalistas que se opõem ao Governo fascista português  ; entre eles estavam Agostinho Neto, o primeiro Presidente de Angola, Amílcar Cabral, o fundador do PAIGC, e o cabo-verdiano Pedro Pires, futuro chefe de Estado.

[33Collier-Boisvert funda o GAP- Groupe d’Anthropologie du Portugal, que subsiste até ao final da década de 90 e que reúne antropólogos franceses que trabalham sobre Portugal, como Virginie Laffon, Mouette Barboff, Anne Caufriez, Didier Lahon, Christine Ritiu e Fabienne Wateau, e portugueses que estudavam em França, como Armindo Santos e Aníbal Frias. O GAP publicava o volume Recherches en Anthropologie au Portugal.

[34Outros estrangeiros investigaram em Portugal, mas com um menor impacto e visibilidade (Branco 2014).

[35O título desta secção vem do excelente documentário de Sérgio Tréfaut Outro País (Tréfaut, 1999), que mostra a variedade de fotógrafos e cineastas que fotografaram ou filmaram em Portugal, com o intuito específico de documentar os acontecimentos sociais e políticos da altura.

[36Expressão usada por Harold Macmillan, primeiro-ministro do Reino Unido entre 1957 e 1963, que pela primeira vez falou no “vento de mudança”, no sentimento independentista africano que não podia ser ignorado.

[37O terceiro grupo que Leal identifica durante o Estado Novo, além da equipa de Jorge Dias e dos etnógrafos do regime, é justamente este grupo, que actua “à contra-corrente da ditadura”. O mesmo sucede com os arquitectos que, tendo por base a divisão tripartida do país de Orlando Ribeiro, fizeram o levantamento da arquitectura popular no país no final dos anos 50 e início dos anos 60 (Associação de Arquitectos, 1961). A segunda parte de Etnografias Portuguesas trata o tema de forma aprofundada (Leal, 2000 : pp. 145-223).

[38Processo Revolucionário em Curso, designa o período decorrido entre a « Revolução dos Cravos », a 25 de Abril de 1974, que pôs termo à ditadura Salazarista, e a aprovação da Constituição Portuguesa, em Abril de 1976. 

[39Ir “para o estrangeiro” era sair de um país fechado ao mundo por uma ditadura de pendor fascizante, além dos muitos casos em que as pessoas se exilavam para fugir às perseguições da polícia política ou de ir lutar para a guerra colonial.

[40Pais de Brito segue uma tendência não invulgar na década de 90, de revisitação dos clássicos, e escreve Retrato de aldeia com espelho, um remake crítico do trabalho de Jorge Dias, quarenta anos antes : Rio de Onor de Dias é publicado em 1953 (Dias, 1953)  ; o de Brito em 1996 (Brito, 1996).

[41Miguel Vale de Almeida e João Costa foram para a ilha do Faial (Açores) fazer essa pesquisa, acompanhados por um grupo de quase dez colegas e amigos – entre as quais estava eu, Ana Paula Zacarias e Cristiana Bastos.

[42Saliento também um pequeno opúsculo de Veiga de Oliveira “Festa : um passeio pelo calendário” (s.d.), que fornece um excelente resumo do ciclo anual festivo do país.

[43Vários alunos optam por fazer desse tema o seu campo privilegiado e defender teses e publicar sobre elas (por exemplo, Paula Godinho, 2010 e Paulo Raposo, 2005).

[44Outros centros de investigação, mesmo se não directamente vocacionados para a antropologia, passaram a incluir antropólogos nas suas fileiras, num diálogo aberto entre as ciências sociais  ; na FCSH, o Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (IELT) e o Instituto de História Contemporânea (IHC)  ; no ISCTE-IUL, o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES).

[45Com a junção dos variados centros de investigação em antropologia no CRIA, em 2009, a publicação de uma revista de antropologia foi também unificada e concentrada na Etnográfica.

[46Foi também directora do Centro de Estudos Asiáticos e Africanos (CEAA), no IICT, um centro de investigação que aglomerava investigadores numa perspectiva pluridisciplinar—antropólogos, historiadores, sociólogos—e editava a Revista Internacional de Estudos Africanos (1984-1999). O IICT foi extinto em 2015, mas Jill Dias morreu prematuramente, em 2008. Em 2012, teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, um colóquio em sua homenagem  ; o respectivo livro veio a lume um ano depois, com as contribuições dos participantes no evento (Cardeira da Silva e Saraiva, 2013).

[47Revista de Estudos do Centro de Estudos de Antropologia Social (CEAS), depois Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA).

[48O texto publicado no dossier da Etnográfica por Viegas e Pina Cabral faz uma abordagem dos cursos, financiamentos, bolsas de educação e investigação de antropologia, e estatuto da disciplina, também na relação com as outras ciências sociais ( Viegas e Pina Cabral, 2014, pp. 324-329). Ver também Bela Feldman-Bianco 2001  ; Thomaz 2002  ; Pina Cabral 2004).

[49A colega brasileira Carla Teixeira, realizou em 2019 um trabalho de pesquisa que muito contribuiu para a compreensão da história da associação e da antropologia em Portugal, e que será publicado em breve.

[50Dois casos exemplificativos dessa sangria intelectual em tempos de crise são Ramon Sarró, que saíu para a Universidade de Oxford  ; e Ruy Blanes, que foi para a Universidade de Gothenburg, na Suécia. Ambos investigadores no Instituto de Ciências Sociais (ICS), em Lisboa, e ambos especializados na antropologia da religião.

[51Problema que infelizmente não é só português, e que se prende com políticas neo-liberais europeias e nacionais, que ditam o decréscimo do investimento nas Ciências Sociais em geral, e na Antropologia em particular.

[52O Congresso do SIEF em 2011 teve lugar em Lisboa  ; o da EASA em 1990 em Coimbra e o de 2020 em Lisboa, mas virtual (devido à pandemia de Covid-19). João Pina Cabral foi membro fundador da EASA e presidente entre 2003 e 2006  ; Manuela Ivone Cunha e Cristiana Bastos fizeram parte, em momentos diferentes, da direcção. Clara Saraiva foi membro da direcção do SIEF entre 2009 e 2016 e Vice-Presidente entre 2013 e 2016. Faz parte da direcção do World Council of Anthropological Associations.