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International Encyclopaedia
of the Histories of Anthropology

Raça, cultura e religião: os Congressos Afro‑Brasileiros e a antropologia feita no Brasil nos anos 1930

Mariana Ramos de Morais

CéSor, EHESS

2020
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Morais, Mariana Ramos de, 2020. “Raça, cultura e religião: os Congressos Afro‑Brasileiros e a antropologia feita no Brasil nos anos 1930”, in BEROSE International Encyclopaedia of the Histories of Anthropology, Paris.

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Published as part of the research theme «Histories of Anthropology in Brazil», directed by Stefania Capone (CNRS, CéSor) and Fernanda Arêas Peixoto (Universidade de São Paulo).

Nos anos 1930, dois encontros marcaram o debate sobre as relações raciais no Brasil: os Congressos Afro-Brasileiros, ambos ocorridos em estados do Nordeste do Brasil, o primeiro na cidade de Recife, capital de Pernambuco, em 1934, e o segundo em Salvador, capital da Bahia, em 1937 [1]. A localização dos congressos reveste-se, por si só, de grande significado, considerando o lugar singular da região Nordeste na história do Brasil. Essa região deteve relevância política e econômica no período colonial (1500-1822) e mesmo no Império (1822-1889). A produção de açúcar foi um dos pilares que sustentou o poder de parte da elite nordestina. A partir das últimas décadas do século XIX, no entanto, com o declínio do açúcar no mercado internacional, essa região perdeu destaque frente a estados do Sudeste do Brasil, em especial, o Rio de Janeiro, então sede do governo federal, e São Paulo, que passava a despontar como polo industrial mantendo ainda uma importante produção cafeeira [2]. No início do século XX, convergiram, para esses dois últimos estados, forças políticas e econômicas que contribuíram para a criação de novas instituições acadêmicas capazes de abrigar o ensino e a pesquisa em antropologia [3]. O surgimento desses espaços estava atrelado não somente a interesses políticos e econômicos como também a um movimento cultural que influenciou a área educacional, a literatura, as artes e a produção editorial [4]. Estava em efervescência um novo modo de se pensar o Brasil, país constituído por distintas expressões regionais em busca de um caminho que o fizesse uno. Esse espírito foi incorporado e, ao mesmo tempo, impulsionado pelo governo do presidente Getúlio Vargas (1882-1954), que assumiu o cargo em 1930, na esteira de um movimento revolucionário e, sete anos mais tarde, liderou um golpe que deu início ao autoritário período do Estado Novo (1937-1945). O governo Vargas encampava um projeto modernizador para o Brasil que visava superar o passado agrário sob domínio oligárquico. Ainda que esse governo intentasse forjar uma unidade nacional, forças regionais buscavam se sobressair [5].

Em suma, não foi por acaso que os Congressos Afro-Brasileiros dos anos 1930 ocorreram em estados do Nordeste, onde intelectuais e artistas enalteciam as especificidades locais em sua produção. Teria sido lá, inclusive, onde se iniciaram os estudos sobre o negro no Brasil, como defendiam os principais animadores desses certames: Gilberto Freyre (1900-1987), em Recife, e Édison Carneiro (1912-1972), em Salvador. Com caminhos pessoais e profissionais distintos, eles se cruzaram nos anos 1930, devido à relevância que o estudo sobre a presença dos negros na sociedade brasileira passou a ter em suas carreiras. Esse encontro, portanto, não ocorreu sem conflitos e divergências, expressos, em parte, nos eventos que organizaram.

Os Congressos Afro-Brasileiros de Recife e de Salvador, ressalvadas suas diferenças, reuniram pesquisadores que, por distintas vias, tomavam o negro como objeto de estudo. Parte desses pesquisadores estavam vinculados a órgãos estatais de desenvolvimento e de implementação de políticas públicas higienistas. Para além do aporte da medicina, incluindo a psiquiatria, eles se apoiavam na antropologia da época para desenvolverem suas pesquisas sobre o negro, dedicando especial atenção às suas práticas religiosas [6]. Durante os referidos congressos, o debate não ficou restrito aos acadêmicos. Religiosos afro-brasileiros também estiveram presentes nesses fóruns como congressistas, um fato inédito até então. Além disso, eles abriram seus locais de culto, os terreiros, para a visitação dos participantes. Esses religiosos viam na aliança com os pesquisadores uma possibilidade de garantir proteção às suas práticas, diante do preconceito e da violência policial dos quais eram vítimas.

A modernidade que se almejava alcançar com as políticas do governo Vargas não se conjugava com as práticas religiosas vinculadas aos negros, ainda consideradas indícios de uma sociedade arcaica. Nesse período, órgãos públicos responsáveis pela moralidade e segurança públicas adotavam normativas no intento de proibir as práticas afro-religiosas [7]. A prisão de praticantes das religiões afro-brasileiras, bem como a apreensão de seus objetos rituais, foi acompanhada da abertura de inquéritos e de processos em que eles eram enquadrados como réus. Um intenso combate contra essas religiões foi instaurado, contribuindo para uma organização de seus adeptos para garantir a realização de seus cultos, não apenas nos estados da região Nordeste, já reconhecidos como fonte de práticas afro-religiosas, como em outros estados da federação [8].

Além de serem um ambiente de discussão sobre o negro e de defesa das práticas religiosas afro-brasileiras, esses congressos serviram também como espaços de demarcação de posições dentro do campo da antropologia, de maneira mais geral, e do estudo sobre o negro, de forma específica. Assim, neste texto, além de apresentar os referidos congressos, busca-se também registrar o que eles informam sobre a antropologia feita no Brasil nos anos 1930. Nesse sentido, coloca-se em evidência a construção de um campo transnacional afro-americano, apontando como a formação dessa disciplina em terras brasileiras se articulava a um contexto mais amplo, não apenas por ser o país um terreno fértil para pesquisadores estrangeiros, mas, sobretudo, pelas contribuições teóricas e empíricas dos pesquisadores brasileiros a partir de suas experiências no seu próprio país.

I Congresso Afro-Brasileiro, Recife, 1934

O primeiro Congresso Afro-Brasileiro ocorreu entre os dias 11 e 16 de novembro de 1934, em Recife (PE), no Teatro Santa Isabel, cujo nome homenageia a filha do imperador D. Pedro II que, em 1888, assinou a Lei Áurea, determinando o fim da escravidão. Abrigando espetáculos de dança, teatro e música desde 1850, o Santa Isabel – exemplar da arquitetura neoclássica com toda a sua pompa – também foi palco de debates políticos, como a campanha abolicionista, tendo um de seus líderes, Joaquim Nabuco (1849-1910), proferido ali discursos defendendo a causa. A escolha do local, ao que parece, não foi aleatória. Esse congresso seria, conforme seu principal organizador, Gilberto Freyre, o “início de um movimento considerável de cultura e de ação social”, com vistas “a reconhecer no negro, assim reabilitado, uma raça capaz e com contribuições já notáveis para o desenvolvimento nacional ao mesmo tempo que cheia de possibilidades e aptidões magníficas” (FREYRE, 1934, p. 3).

Gilberto Freyre nasceu em Recife, no seio de uma família que lhe deu condições para investir nos estudos [9]. Suas primeiras lições foram tomadas com um professor particular e, na sequência, foi matriculado no Colégio Batista Americano, de onde seguiu, como outros alunos dessa instituição de ensino, para uma universidade norte-americana de orientação protestante, a Universidade de Baylor, na cidade de Waco, no Texas, em 1918. Sua formação superior nos Estados Unidos teve duas etapas: depois de uma primeira temporada na Universidade de Baylor, onde graduou-se em Artes Liberais, com especialização em Ciências Políticas e Sociais, frequentou igualmente a Universidade de Columbia, em Nova Iorque, cursando pós-graduação em Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais.

Nessa segunda experiência, manteve contato com Franz Boas (1858-1942), de quem se declarava discípulo. Com esse mestre, ele afirmava ter tido suas lições de antropologia, com um novo aporte teórico para compreender, entre outras coisas, as diferenças entre os grupos sociais. Essas diferenças, seguindo os preceitos boasianos, não mais eram explicadas nos termos de raça, na sua chave biológica, mas pelo conceito de cultura. Esse viés culturalista teria sido, conforme o próprio Freyre, uma de suas referências para a elaboração de sua leitura sobre a sociedade brasileira [10], tal como expresso, especialmente, em Casa-Grande & Senzala (FREYRE, 1978), sua célebre obra publicada em 1933, que o fez conhecido mundo afora como o grande intérprete do Brasil [11].

Ao retornar para o Brasil, em 1923, Gilberto Freyre, ainda sem uma colocação, decide permanecer em sua terra natal, onde, no ano seguinte, participa ativamente da fundação do Centro Regionalista do Nordeste. Sua finalidade primeira, conforme o programa do Centro, era “desenvolver o sentimento de unidade do Nordeste, já tão claramente caracterizado na sua condição geográfica e exploração histórica e, ao mesmo tempo, trabalhar em prol dos interesses da região nos seus aspectos diversos: sociais, econômicos e culturais” (FREYRE, 1977, p 176). Em 1926, o grupo que se reunia nessa entidade organizou o Congresso Regionalista do Nordeste, que teve a participação de intelectuais da região e foi noticiado pela imprensa local, com a qual Freyre colaborava. Aliás, mesmo durante sua estada nos Estados Unidos, ele publicava artigos em jornal da sua cidade, mantendo, assim, uma relação com intelectuais, artistas, escritores e também políticos de Recife. Dessa forma, quando encampou a proposta de organizar o primeiro Congresso Afro-Brasileiro, Gilberto Freyre já contava com uma rede de relações locais que, somada à sua experiência de estudos no estrangeiro, lhe conferia prestígio.

No congresso que organizou, Gilberto Freyre apresentou um trabalho intitulado “Deformações de corpo dos negros fugidos” (FREYRE, 1937a). Baseando-se em um levantamento realizado em anúncios de “negros fugidos” em jornais do tempo do Império, Freyre elencou diferentes marcas que eles apresentavam em seus corpos. Sua conclusão contrariava a tendência de imputar aos africanos e a seus descendentes os males que poderiam acometer a população brasileira devido à mistura étnica que se operava no país. Para Freyre, as causas das “deformações” eram sociais; estavam diretamente relacionadas às más condições de vida a que os negros eram submetidos no Brasil e à “crueldade dos senhores brancos” (FREYRE, 1937a, p. 245).

Freyre finalizava seu texto afirmando: “(...) já é tempo de não lhe atribuirmos [ao negro] males e doenças que se desenvolveriam nele, como se teriam provavelmente desenvolvido noutra raça importada e sujeita ao mesmo regime de escravidão em um país monocultor” (FREYRE, 1937a, p. 248). O fato de ele considerar que tais “deformações” tivessem causas sociais apontava para uma mudança de perspectiva que, embora encontrasse eco em outras exposições que compuseram o Congresso de Recife, não era uma unanimidade.

Pensado, primeiramente, para ser um evento com foco nas religiões afro-brasileiras [12], o Congresso de Recife teve seu escopo temático ampliado, mas mantendo o interesse inicial, tal como observa-se nos trabalhos apresentados por acadêmicos e também na contribuição de um grupo seleto de religiosos afro-brasileiros. O envolvimento desses religiosos não se deu apenas durante os dias do evento. Eles participaram de reuniões preparatórias do congresso, que teve atividades em três terreiros. Os templos afro-brasileiros, que eram chefiados por Pai Anselmo, Pai Oscar Almeida e Pai Artur Rosendo acolheram os congressistas com a realização de cerimônias. Além disso, houve a apresentação de uma comunicação no congresso assinada pela ialorixá Santa e pelos babalorixás Oscar Almeida e Apolinário Gomes. Trata-se do trabalho “Receitas e quitutes afro-brasileiros”, incluído nos anais do encontro (SANTA, ALMEIDA, GOMES, 1935), em que os autores listam pratos típicos da culinária afro-brasileira, presentes também nos rituais afro-religiosos, e indicam o seu modo de fazer. A aproximação entre “doutores, com grande erudição de gabinete e laboratório” e “analfabetos e semianalfabetos inteligentes, com um conhecimento direto de assuntos afro-brasileiros” (FREYRE, 1937b, p. 348), dentre eles, segundo Freyre, os religiosos afro-brasileiros, se deveu, especialmente, às atividades que já vinham sendo desempenhadas naquela cidade por Ulysses Pernambucano (1892-1943), presidente de honra do certame.

Primo paterno de Gilberto Freyre, Pernambucano formou-se em medicina, no Rio de Janeiro, em 1912. Após a temporada na capital federal, retornou, em 1918, a sua cidade natal, Recife, onde assumiu, em 1920, a cadeira de psiquiatria na Faculdade de Medicina. Quando da realização do congresso recifense, ele orientava, junto ao Serviço de Higiene Mental da Assistência aos Psicopatas de Recife, uma série de estudos sobre as religiões afro-brasileiras, bem como de formas de espiritismo popular, em que eram comuns práticas de transe e de possessão. Juntaram-se a Pernambucano nesse intuito alguns futuros antropólogos e folcloristas, tais como Waldemar Valente (1908-1992), Gonçalves Fernandes (1909-1986) e René Ribeiro (1914-1990).

As práticas de transe e de possessão eram consideradas por Ulysses Pernambucano como uma síndrome patológica associada a fatores biológicos e raciais [13]. Esse posicionamento foi externado, em certa medida, na sua comunicação constante dos anais do congresso, “As doenças mentais entre os negros de Pernambuco”. Nesse trabalho, ele expunha os resultados de exames clínicos, aplicados em brancos, negros e mestiços, que indicavam a “fragilidade manifesta dos negros, em nosso meio, em relação às doenças mentais” (PERNAMBUCANO, 1935, p. 94). No Serviço de Higiene Mental, Pernambucano submetia os adeptos das religiões afro-brasileiras a observações e a exames clínicos, com a pretensão de estabelecer um “controle científico” sobre elas, com vistas a substituir, ao menos em tese, o controle feito pelas forças policiais. Naquela época, os terreiros necessitavam de uma autorização da polícia para poderem realizar suas cerimônias.

O trabalho de Ulysses Pernambucano não foi o único a focalizar o negro a partir de um viés biologizante no Congresso de Recife. Outros também apresentaram esse mesmo enfoque, como o “Ensaio etnopsiquiátrico sobre negros e mestiços”, de Cunha Lopes [14] e J. Candido de Assis [15] (LOPES; ASSIS, 1935), e “Grupos sanguíneos da raça negra”, de Abelardo Duarte [16] (DUARTE, 1935). No entanto, não foi essa a única tônica do debate. Constavam também do congresso comunicações de base histórica sobre a presença do negro no Brasil, a exemplo de “Os negros na história de Alagoas”, de Alfredo Brandão [17] (BRANDÃO, 1935). Destacavam-se ainda os trabalhos sobre as práticas religiosas dos negros. Alguns deles meramente descritivos; outros, uma espécie de compilação de informações, como “Vocabulário nagô”, de Rodolfo Garcia (GARCIA, 1935); além daqueles que propunham uma análise dessas práticas, a exemplo de “Xangô” (CARNEIRO, 1937), breve texto assinado por Édison Carneiro sobre as mudanças ocorridas no culto a Xangô – divindade de origem iorubá – da África ao Brasil.

No evento de Recife, Édison Carneiro participou com mais um trabalho: “Situação do negro no Brasil” (CARNEIRO, 1935). Neste texto, Carneiro expunha a situação “deplorável” (CARNEIRO, 1935, p. 239) – nos seus termos – em que o negro se encontrava em consequência da continuada exploração a que era sujeitado, desde a escravidão, pela elite branca do país. Em tom de denúncia, logo na introdução, ele indicava a quem servira o fim da escravidão: “A abolição da escravatura veio resolver o problema do branco, não do negro. Era o branco o senhor, o capitalista, e o desenvolvimento econômico do país tornara prejudicial ao desenvolvimento das forças produtivas a existência do escravo” (CARNEIRO, 1935, p. 237). Ele ressaltava, dessa forma, as disparidades sociais e econômicas entre brancos e negros, seguindo com Freyre a crítica ao uso da ideia de raça, no sentido biológico, para distingui-los. É curioso notar, contudo, que faz referência a um clássico, não do culturalismo, mas do evolucionismo:

A situação deplorável em que se acham os negros no Brasil não depõe, absolutamente, contra a raça negra. Sabemos hoje que raça não tem a importância que se lhe quer dar no desenvolvimento social. Nem há raças superiores, nem inferiores. As raças se formaram nos primeiros estágios da Civilização, sob a influência do meio natural, e a sua marcha ascensional se faz, como quer Morgan, por caminhos uniformes, devido à similaridade de inteligência humana e dos obstáculos que têm que vencer para chegar à dominação da natureza. O que há, portanto, não é inferioridade ou superioridade racial fixa, o que equivaleria à negação do movimento permanente da matéria, mas desigualdade no desenvolvimento econômico, condicionada em primeiro lugar pelo meio geográfico e em segundo lugar pelas possibilidades técnicas da raça no momento histórico, condicionando, por sua vez, a libertação gradual, mas progressiva também, do homem em face da natureza. (CARNEIRO, 1935, p. 239)

Apoiando-se no evolucionismo do antropólogo norte-americano Lewis Henry Morgan (1818-1881), nomeadamente em Ancient society (1877), Édison Carneiro desenvolveu argumentos para explicar a desigualdade latente entre brancos e negros na sociedade brasileira. Essa obra de Morgan já havia impactado, como sabido, Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). No entendimento desses autores, Morgan fornecia na referida obra uma base histórica e etnológica a uma concepção materialista de história, que é fundamental na teoria que propunham para a compreensão da sociedade capitalista. Carneiro também recorre a esses dois autores para dar densidade à sua argumentação, que não se encerrava em seus escritos, uma vez que reverberava em suas ações [18]. Filiado ao Partido Comunista Brasileiro, ele buscou entender o problema do negro no Brasil a partir das categorias de raça e de classe social. Tal articulação pode ser fruto de uma reflexão sobre essas leituras, com base em sua própria história de vida.

A família de Édison Carneiro, que nasceu em Salvador, tinha uma situação financeira inconstante [19]. No entanto, mantinha boas relações com integrantes de setores de mais prestígio da sociedade local. E, assim, ele pôde prosseguir seus estudos, formando-se na Faculdade de Direito da Bahia, em 1936, apesar de carregar na pele um marcador social que, ainda hoje, é motivo de exclusão: ser negro. Não foi como advogado, porém, que investiu no estudo sobre o negro. Sua atuação como jornalista foi a porta de entrada para esse universo.

II Congresso Afro-Brasileiro, Salvador, 1937

Apenas um ano após receber seu diploma de advogado, Édison Carneiro já estava à frente do II Congresso Afro-Brasileiro, em Salvador, com status de especialista nos estudos sobre o negro, conferido a ele não apenas por seus artigos publicados na imprensa local sobre o tema, como também por sua participação no certame ocorrido em Recife, em 1934. Essa experiência, no entanto, não se comparava à consagração que já tinha Gilberto Freyre, quando da organização do primeiro congresso. Sem um nome de projeção nacional para levar adiante a proposta do encontro, Carneiro teve que adiá-lo por duas vezes até a sua realização entre os dias 11 e 20 de janeiro de 1937 [20]. Para tanto, teve o apoio de antigos colegas da Academia dos Rebeldes, como se denominava a reunião de jovens interessados no debate sobre modernidade e modernismo literário na capital baiana, no fim dos anos 1920. Um debate que não se encerrava nas letras, pois era também animado por questões de cunho político [21].

O Instituto Histórico e Geográfico da Bahia abrigou os congressistas. Fundado em 1894, esse instituto foi um dos vários que se instalaram no Brasil, sob esse mesmo título, com o intuito de reunir interessados no estudo de aspectos culturais e científicos entendidos como relevantes para uma parcela da elite intelectual brasileira, em um período em que ainda eram raros os ambientes acadêmicos institucionalizados, como as universidades [22]. Mas as atividades do congresso não ficaram restritas às cercanias desse instituto.

Como no evento de Recife, os congressistas também se dirigiram aos templos afro-brasileiros, no caso de Salvador, aos terreiros de candomblé. Estiveram eles na Casa Branca, no Ilê Axé Opô Afonjá, no Gantois, no Bate Folha, no Ilê Ogunjá, além do Parque São Bartolomeu, onde o pai de santo Joãozinho da Goméia organizou uma festa. A visita a essas casas de culto foi possível devido a uma articulação anterior ao evento feita por Édison Carneiro junto aos sacerdotes e às sacerdotisas, com vistas a incentivar a participação deles no certame. Em tempos de perseguição às práticas religiosas afro-brasileiras, Carneiro defendia que a visibilidade dada a elas pelo congresso poderia contribuir para arrefecer as ações policiais contra os terreiros. Dessa forma, ele fez do congresso também um espaço para a defesa dessas práticas. Dentre os religiosos que colaboraram com o debate, estavam Eugênia Anna dos Santos (Mãe Aninha), Manoel Bernardino da Paixão (Bernardino Bate Folha), João Alves de Torres Filho (Joãozinho da Goméia) e Manuel Vitorino dos Santos (Manuel Falefá da Formiga). Um deles, além de compor a comissão executiva do certame [23], foi eleito seu presidente honorário: Martiniano Eliseu do Bomfim (1859-1943).

Martiniano era um famoso babalaô – sacerdote do culto de Ifá, um dos oráculos iorubanos [24]. Filho de africanos libertos de origem iorubá, nasceu em Salvador. Seu pai era comerciante e importava produtos africanos, fazendo também viagens à África. Em uma delas levou Martiniano para realizar seus estudos em Lagos, na Nigéria, onde ficou por 11 anos (1875-1886). Ele dominava o inglês e também o iorubá. Nos anos 1930, já na casa dos 70 anos, tornou-se uma referência para o povo de santo e era contatado por pesquisadores que se interessavam pelas práticas religiosas dos negros na Bahia.

Martiniano esteve no Congresso Afro-Brasileiro de Recife, cidade já conhecida por ele, que a frequentava a convite de outros religiosos afro-brasileiros, como Pai Adão. Nascido Felipe Sabino da Costa, no estado da Paraíba, também no Nordeste brasileiro, faleceu em Recife, onde ocupou o cargo de sacerdote principal do terreiro de xangô, Ilê Obá Ogunté, que, após a sua regência, passou a ser conhecido como Sítio do Pai Adão. Embora tenha tido relações próximas com Gilberto Freyre, que o convidou para o congresso recifense, Pai Adão preferiu não participar dele. Uma declaração de Martiniano no jornal O Estado da Bahia, publicada em 14 de maio de 1936, pode ajudar a esclarecer o motivo de sua ausência:

Acompanhei, quando houve no Recife o 1º Congresso Afro-Brasileiro, a atitude do meu amigo Pai Adão, há pouco falecido. Francamente, não atinei logo com a seriedade do Congresso. Preferi ficar na sombra, aguardando os acontecimentos. O negro tem sofrido muito e o povo diz: ‘pobre quando vê muita esmola desconfia’. Eu desconfiei. Depois uns moços falaram e explicaram o que queriam e senti que eram sinceros. Já é tempo de se olhar a raça negra com simpatia e de nos fazer justiça. (citado por CASTILLO, 2010, p. 118)

Para o babalaô, passada a desconfiança, os estudiosos poderiam ser aliados importantes na luta contra a repressão às religiões afro-brasileiras. E Martiniano se empenhou nisso. Como integrante da comissão executiva do Congresso da Bahia e seu presidente honorário, ele não assumia, assim, o papel de um simples informante dos pesquisadores ávidos por detalhes sobre as práticas dos africanos e seus descendentes. Martiniano sabia da importância conferida aos seus conhecimentos:

Eu sou altamente valorizado no Congresso [Afro-Brasileiro de Salvador], eu sou a pessoa que traduz os textos em nagô para eles. Eu sou o único descendente anagô que pode traduzir textos de nagô neste país, bem como na terra iorubá. Não há ninguém que pode ser igual a mim no ato de traduzir de e para a língua iorubá. (citado por Ayoh’Omidire; Amos, 2012, p. 250-251) [25]

Foi Martiniano, inclusive, quem traduziu um dos textos publicados nos anais do segundo congresso, de autoria do nigeriano Ladipo Solanke (1886-1958), “A concepção de Deus entre os negros iorubás” (SOLANKE, 1940) [26]. Solanke foi um ativista político, envolvido na causa antirracista e defensor do pan-africanismo. Essa tradução, a um só tempo, reforçava os laços do Brasil, no caso a Bahia, com a África, como também demonstrava que a formação do campo transnacional afro-americano não envolvia apenas os acadêmicos e seus espaços institucionais. Esse campo tinha também uma base nos terreiros que, efetivamente, animavam as, por vezes áridas, concepções teóricas.

O texto de Solanke complementava algumas lacunas apontadas por Édison Carneiro em um dos trabalhos que apresentou ao congresso baiano, “Uma revisão na etnografia religiosa afro-brasileira” (CARNEIRO, 1940). Nele, Carneiro indicava um certo desconhecimento entre alguns religiosos afro-brasileiros, na Bahia, sobre a existência de um deus supremo de origem africana. O texto de Solanke prestava esse esclarecimento, a partir da concepção iorubana. Não por acaso essa era a mesma tradição de Martiniano, descendente direto dos iorubás. Isso pode ser interpretado como parte de um movimento mais amplo, no qual Martiniano esteve diretamente envolvido: a construção de um modelo de ortodoxia afro-religiosa em que a base primeira eram as práticas advindas dos iorubás, traduzidas na concepção do candomblé em sua modalidade nagô [27].

A construção desse modelo teve a participação de pesquisadores – Nina Rodrigues, Arthur Ramos e Édison Carneiro – e também de outros sacerdotes, como Mãe Aninha. Nascida em Salvador, também filha de africanos, ela teve o auxílio de Martiniano ao estruturar o seu terreiro, o Ilê Axé Opô Afonjá, no início do século XX. Mãe Aninha abria seu terreiro aos pesquisadores e, com a participação de Martiniano, criou o Corpo dos Obás de Xangô, em 1936, formado por personalidades da época. Aqueles que ocupavam o cargo de Obá de Xangô tinham a função de dar sustentação ao terreiro, do ponto de vista material e de status [28]. No congresso que ajudou a organizar, Martiniano apresentou um trabalho justamente sobre os Obás de Xangô (BOMFIM, 1940). Estava ele fazendo um uso estratégico do discurso etnográfico, como também edificando seu discurso religioso nos moldes preconizados pelos acadêmicos.

Em decorrência das resoluções do evento, foi criada a União das Seitas Afro-Brasileiras, tendo em sua presidência Martiniano Eliseu do Bomfim, Édison Carneiro como seu secretário-geral e, como sócio benemérito, Arthur Ramos [29]. Sua diretoria tomou posse após o congresso, em 27 de setembro de 1937. Buscando reduzir a repressão policial às práticas afro-religiosas, essa entidade seria uma espécie de órgão fiscalizador, no sentido de atestar que essas práticas não atentavam contra a moralidade e a segurança públicas. Isso se assemelhava, em certa medida, ao proposto por Ulysses Pernambucano, em Recife. No entanto, a entidade propunha legar o protagonismo a um representante afro-religioso. Diferentemente do movimento articulado na capital pernambucana, na União das Seitas Afro-Brasileiras o negro não estava sendo alvo de um estudo sistemático, que ainda compreendia a raça pela chave biológica. Sobre esse ponto, é interessante notar que os trabalhos que compuseram os anais do segundo congresso privilegiavam mais os estudos de aspectos sociais e culturais relativos aos negros do que a análise do negro pela ótica da medicina, associada a uma antropologia física, como foi ocorreu em Recife. Para além disso, o segundo congresso teve também uma pauta política, haja vista a importância dada ao debate concernente à liberdade religiosa. Afora essas distinções, em ambos os eventos pesquisadores e seus pesquisados estavam, pela primeira vez, reunidos em uma mesma cena.

Primazia em disputa: “Escola Nina Rodrigues” versus “Nova Escola do Recife”

Os Congressos Afro-Brasileiros são uma retomada, no Brasil, dos estudos sobre o negro que remontam ao século XIX. Estudos esses que, como defendiam os envolvidos na organização do segundo encontro, haviam sido iniciados por Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), considerado por eles o fundador dessa tradição no campo da antropologia [30]. Ele ganhou notoriedade enquanto antropólogo, embora sua produção acadêmica advenha primeiramente do campo da medicina. Nascido no Maranhão, outro estado do Nordeste brasileiro, ele fez carreira na capital baiana. Em 1887, Nina Rodrigues doutorou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Sua formação contou também com uma passagem pela Faculdade de Medicina da Bahia, onde, em 1889, passou a atuar como professor e pesquisador. Aliou a medicina às doutrinas jurídicas para se especializar no ramo da medicina legal, que tinha como um de seus suportes científicos a antropologia física. Foi por esse caminho que enveredou, assim, pela antropologia [31].

Em 1900, Nina Rodrigues, que se fez conhecido não apenas nas cercanias brasileiras, como ailleurs, teve o seu O animismo fetichista dos negros baianos publicado em francês (RODRIGUES, 1900) [32], tendo recebido, inclusive, elogios de Marcel Mauss em uma resenha em L’Année Sociologique (MAUSS, 1900-1901) [33]. Nesse livro, Nina Rodrigues apresenta um trabalho de cunho etnográfico sobre práticas religiosas dos negros na Bahia, tendo como base sua pesquisa em terreiros de candomblé da capital Salvador [34]. Periódicos científicos europeus e norte-americanos também abrigaram seus escritos. Para além das publicações estrangeiras, mantinha correspondência com especialistas de outras nacionalidades e era membro de associações científicas internacionais. Fato que demonstra como suas ideias eram reconhecidas em uma esfera intelectual mais ampla. Nesse caso, sua expertise em medicina legal ganhava relevo [35].

Em 1906, Nina Rodrigues representaria a Faculdade de Medicina da Bahia no IV Congresso Internacional de Assistência Pública e Privada, em Milão, na Itália. Ele não chegou, porém, a ir ao congresso. Antes da viagem, ainda no Brasil, Nina Rodrigues já apresentava a saúde debilitada, vindo a falecer no dia 17 de julho daquele mesmo ano, em Paris, na França. Nos anos que se seguiram à sua morte, seus escritos sobre o negro ficaram um pouco esquecidos. A crítica às teorias evolucionistas no começo do século XX tiveram impacto na forma como sua obra era recebida. No entanto, seu legado passou a ser reivindicado na década de 1930 por um grupo de profissionais da medicina que se afirmavam integrantes da “Escola Nina Rodrigues”, também referenciada como “Escola Baiana”. Nesse grupo, destaca-se Arthur Ramos (1903-1949) [36], que, como o mestre, seguiu da medicina para a antropologia investindo no estudo sobre o negro, acrescentando nessa trajetória o aporte da psicanálise.

Estudioso e atento às mudanças de paradigma decorrentes das críticas ao evolucionismo, Arthur Ramos recuperou trabalhos deixados por Nina Rodrigues buscando atualizar o mestre com um arcabouço conceitual que passou a ser difundido no início do século XX. Ele, assim, relativizou o determinismo biológico de Nina Rodrigues, apontando a potencialidade de seu material para se pensar as “sobrevivências” africanas no Brasil. No trecho a seguir, fica explícita a reinterpretação que Ramos intenta dar à obra de seu mestre:

Uma única ressalva podemos fazer aqui, ao trabalho do mestre baiano. É quando faz intervir o slogan da época: a degenerescência da mestiçagem como causa precípua dos desajustamentos sociais. Essas ideias vão especialmente definidas no trabalho “Os mestiços brasileiros”, que incluí, embora incompleto, no presente volume [37], para que os leitores apreendessem bem o pensamento de Nina Rodrigues neste particular. Essas ideias são inaceitáveis para os nossos dias. O pretenso mal da mestiçagem é um mal de condições higiênicas deficitárias, em geral. Mais social do que orgânico. Se, nos trabalhos de Nina Rodrigues, substituirmos os termos raça por cultura, e mestiçagem por aculturação, por exemplo, as suas concepções adquirem completa e perfeita atualidade. (RAMOS, 2006, p. 16-17)

Em 1934, ano em que foi realizado o primeiro Congresso Afro-Brasileiro, Arthur Ramos publicava O negro brasileiro: etnografia religiosa e psicanálise (RAMOS, 2001). Seguindo os passos de Nina Rodrigues, ele também focalizou as práticas religiosas dos negros, tendo como fonte sua pesquisa de campo e também análise de arquivos documentais e da imprensa. Apontava, no entanto, para uma nova orientação teórica: a mudança do modelo de “raça” para “cultura”.

Esta era, assim, uma tendência na abordagem das relações raciais, embora ainda fosse devedora de entendimentos precedentes, especialmente a continuidade da classificação dos africanos e de seus descendentes no Brasil conforme suas regiões de origem na África, bem como a religião que praticavam. Os estudos de Nina Rodrigues foram fonte não somente para Arthur Ramos, como para Édison Carneiro e Gilberto Freyre, que buscaram, cada qual à sua maneira, apontar a superioridade de grupos de africanos transladados para o Brasil, conforme indicado em obras que eles publicaram ainda na década de 1930.

Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala, destacava como os grupos que aportaram em terras brasileiras se distinguiam por diferentes traços e habilidades, que, ao invés de degenerar a sociedade e o povo brasileiros, contribuíam para o seu desenvolvimento singular, conferindo à miscigenação uma dimensão positiva. Arthur Ramos, em O negro brasileiro, e Édison Carneiro, em Religiões negras (CARNEIRO, 1936), deram especial atenção à diferenciação entre dois grupos: iorubás e bantos, seguindo o que já estava posto por Nina Rodrigues. Dessa forma, atestavam a superioridade dos iorubás, ressaltando sua capacidade de manter no novo continente suas práticas religiosas e, consequentemente, preservar uma suposta pureza africana. Ramos e Carneiro não apenas adotavam perspectivas semelhantes em seus escritos, mas seguiam juntos no intento de afirmar a Bahia como o berço dos estudos sobre o negro no Brasil.

Na década de 1930, o nome de Arthur Ramos já imprimia destaque nesse campo de estudos. Apesar de não ter figurado entre os organizadores dos Congressos Afro-Brasileiros, ele contribuiu para os debates [38]. Nos anais do congresso recifense, Ramos consta como autor de “Os mythos de Xangô e sua degradação no Brasil” (RAMOS, 1937a), além de assinar o prefácio do segundo volume dos anais (RAMOS, 1937b). No evento de Salvador, mesmo ausente, ele foi um constante interlocutor de Édison Carneiro durante seus preparativos. Além disso, enviou dois trabalhos para o encontro: “Culturas negras: problemas de aculturação no Brasil” (RAMOS, 1940a) e “Nina Rodrigues e os estudos negro-brasileiros” (RAMOS, 1940b).

Esse último texto foi lido em uma sessão do congresso baiano em homenagem a Nina Rodrigues [39]. Nele, Arthur Ramos enaltece o mestre, evocando sua memória logo de princípio: “A grande sombra de Nina Rodrigues desce sobre o Congresso Afro-Brasileiro da Bahia” (RAMOS, 1940b, p. 337). E conclama os congressistas a reverenciá-lo, buscando não apenas ressaltar sua proeminência nos estudos sobre o negro no Brasil como, especialmente, afirmar a importância da Escola Nina Rodrigues nesse campo: “Que o Congresso Afro-Brasileiro da Bahia estabeleça um marco de Escola e proclame Nina Rodrigues o grande, o famoso mestre de todos nós, que, à sua sombra, estamos agora debruçados sobre um grande contingente de nossa história, empenhados em levantar uma ponta do véu” (RAMOS, 1940b, p. 339). Nina Rodrigues se fazia presente, assim, no encontro baiano, decorridos 31 anos de seu falecimento.

Gilberto Freyre, por seu turno, mitigava o pioneirismo de Nina Rodrigues. A fim de traçar novas linhagens dos estudos sobre o negro na nascente antropologia no Brasil, Freyre reivindicava destaque à “Nova Escola do Recife”. Esta foi a forma escolhida por Edgard Roquette-Pinto (1884-1954) – antropólogo atuante no Museu Nacional do Rio de Janeiro, um dos primeiros centros de estudos de antropologia no Brasil, mas que também tivera formação inicial na medicina legal – para nomear o grupo, liderado por Freyre na capital pernambucana [40]. Freyre seria, assim, o principal representante dessa linhagem. Para afirmar sua posição nesse campo, ele não media esforços e se valia dos artifícios de que dispunha. Às vésperas do Congresso Afro-Brasileiro da Bahia, por exemplo, concedeu uma entrevista ao jornal Diário de Pernambuco, em que afirmava:

Receio muito que [o Congresso Afro-Brasileiro da Bahia] vá ter todos os defeitos das coisas improvisadas. Deveria ser muito maior o prazo para os estudos, para as contribuições dos verdadeiros estudiosos. Os verdadeiros estudiosos trabalham devagar. A não ser que os organizadores do atual Congresso só estejam preocupados com o lado mais pitoresco e mais artístico do assunto: as “rodas” de capoeira e de samba, os toques de “candomblé”, etc. (OLIVEIRA; COSTA LIMA, 1987, p. 128) [41].

No entanto, com a projeção que os estudos de Nina Rodrigues ganharam na década de 1930, Freyre teve que reconhecer a importância desse médico-legista para a antropologia do Brasil no que tange às relações raciais e, em especial, às religiões afro-brasileiras. No segundo tomo dos anais do congresso recifense, não por acaso, foi publicado, logo nas primeiras páginas, um retrato de Nina Rodrigues. E, no artigo “O que foi o 1º Congresso Afro-Brasileiro do Recife”, com o qual Gilberto Freyre encerrou o volume, ele se referiu a Nina Rodrigues com as seguintes palavras: “professor da Faculdade de Medicina da Bahia que deu tão grande impulso aos estudos afro-brasileiros, impondo-se ao respeito dos africanologistas de toda parte” (FREYRE, 1937b, p. 352). Esse volume foi prefaciado por Arthur Ramos, que reafirmou em seu texto o protagonismo do seu mestre [42].

Não bastassem esses reparos, a apresentação dos anais do congresso baiano, assinada por Édison Carneiro e Aydano do Couto Ferraz, reforçava a relevância que o evento obteve, malgrado a crítica de Gilberto Freyre, citado nominalmente. Uma das evidências do sucesso desse segundo congresso, conforme Carneiro e Ferraz, teria sido a sua repercussão junto a pesquisadores estrangeiros, destacando-se a contribuição do antropólogo norte-americano Melville J. Herskovits (1895-1963), que já despontava à época como uma referência nos estudos afro-americanos. Mereceu menção também outro pesquisador norte-americano, Donald Pierson (1900-1995), que desenvolveu sua pesquisa de doutorado sobre as relações raciais na Bahia e, para esse fim, esteve em Salvador de 1935 a 1937 [43]. O interesse dos dois norte-americanos em manter contato com pesquisadores brasileiros advinha de um ponto comum: o fato de o Brasil ser apresentado no exterior – e também para o seu público interno – como o país em que vigorava a harmonia racial. Algo que chamava atenção de pesquisadores norte-americanos, cuja realidade era marcada pela forte segregação racial.

Campo afro-americano em formação

Além da importância que os Congressos Afro-Brasileiros de Recife e de Salvador tiveram para os estudos sobre o negro no Brasil nos anos 1930, eles integraram o desenho de um campo de pesquisa mais amplo, em formação naquele momento, qual seja: o campo afro-americano, que tem Melville Herskovits como um de seus elementos principais. Seu nome não apareceu apenas entre aqueles que contribuíram para o debate em Salvador. Ele já havia colaborado antes com o evento de Recife. Discípulo de Franz Boas, Herskovits focalizava seus estudos nas transformações ocorridas nas culturas africanas transpostas para o continente americano. A partir das ideias de Boas, ele desenvolveu, juntamente com Ralph Linton (1893-1953) e Robert Redfield (1897-1958), o conceito de aculturação, com o qual buscou compreender o contato entre culturas até então sem relação histórica e a influência de uma cultura na outra. Herskovits não esteve presente em Recife nem em Salvador, apenas enviou trabalhos, o que já indica uma aproximação com seus organizadores. Quando do evento baiano, Arthur Ramos já mantinha correspondência com o colega norte-americano, ao que tudo indica, por intermédio de Gilberto Freyre, demonstrando como, mesmo em disputa pela hegemonia no campo de estudos sobre o negro, algumas alianças também se faziam necessárias [44].

Donald Pierson, de fato, participou do congresso baiano. Ele estava em Salvador desenvolvendo sua pesquisa de doutorado, sob a orientação de Robert E. Park (1864-1944), representante da Escola de Chicago, outro importante polo de pesquisadores nos Estados Unidos. Park também estava vinculado à Universidade de Fisk, na cidade de Nashville, no Tennessee, historicamente uma instituição que acolhia alunos negros [45]. Nos anos 1930, ele voltava suas pesquisas para a questão racial, com seus colegas da Universidade de Chicago, Robert Redfield e Louis Wirth (1894-1952), e com um grupo de pesquisadores que se reunia em Fisk. Herskovits, inclusive, teve uma participação nessa empreitada. A proposta era observar diferentes formas de arranjos inter-étnicos no âmbito da colonização europeia pelo mundo para que, por meio de uma sociologia comparada, pudessem lançar luz no caso norte-americano [46].

A atuação de Donald Pierson, no entanto, não estava restrita às atividades de pesquisa. Durante a sua estada brasileira, ele deveria averiguar as possibilidades de pesquisas em ciências sociais no Brasil, além de fazer contatos com pesquisadores locais com vistas ao estabelecimento de colaborações para um estudo sobre relações raciais em escala transnacional. Esteve, assim, logo na sua chegada ao país, em contato com os especialistas da temática, como Gilberto Freyre e Arthur Ramos. Foi esse último quem introduziu Pierson no terreno baiano, mediando seu acesso à elite política local e aos candomblés, nos quais teve como um de seus interlocutores, Martiniano Eliseu do Bomfim. À época, Ramos residia no Rio de Janeiro, então capital federal; a cidade era uma porta de entrada para parte dos pesquisadores estrangeiros que aportavam no Brasil naquele período com interesse em pesquisar as relações raciais. Lá, eles mantinham contato também com antropólogos do Museu Nacional.

É importante observar que os Congressos Afro-Brasileiros de Recife e de Salvador foram acompanhados pela imprensa da época. A inserção de seus principais organizadores na mídia – tanto Gilberto Freyre quanto Édison Carneiro publicavam com frequência nos jornais de suas cidades – pode ter influenciado a divulgação, que está relacionada também à importância que o debate proposto tinha para além dos círculos acadêmicos. Artistas e escritores, por exemplo, participaram dos congressos, e sua presença nesses encontros também é um indicativo de como, apesar dos esforços, desde Nina Rodrigues, em tratar das questões sobre o negro por um viés científico, as reflexões sobre o tema não advinham apenas daqueles vinculados a instituições acadêmicas. Em certa medida, isso se deve ao fato de, naquele período, as fronteiras entre as diferentes áreas de atividade intelectual ainda não estarem bem delimitadas. Os primeiros pesquisadores brasileiros a desenvolver estudos de cunho antropológico sobre o negro, inclusive, não tinham uma formação específica na área das ciências sociais, muito menos em antropologia, disciplina que se institucionalizava naquele momento.

A participação de artistas e escritores nos congressos mostra como as ideias circulavam e eram difundidas por diferentes meios. Entre os escritores que participaram dos congressos estava, por exemplo, Jorge Amado (1912-2001), que narrava uma Bahia africana em seus romances traduzidos para diversas línguas, desde os anos 1930 quando tem início a publicação de seus livros [47]. Seu reconhecimento internacional contribuiu para que ele se tornasse uma espécie de cicerone de pesquisadores estrangeiros nos candomblés de Salvador. Em Recife, por sua vez, ele participou com o trabalho “‘Biblioteca do Povo’ e ‘Coleção Moderna’”, em que reproduz histórias (na forma de literatura de cordel) publicadas nessas duas coleções consideradas por ele como “literatura popular dos negros baianos”, um “material admirável de beleza e poesia” (AMADO, 1937, p. 264). O Congresso de Salvador também contou com a contribuição do escritor, que era amigo de Édison Carneiro desde os tempos da Academia dos Rebeldes e com ele frequentava os terreiros soteropolitanos. Jorge Amado assinou o trabalho “Elogio a um chefe de seita”, em que enaltece Martiniano Eliseu do Bomfim por sua contribuição “aos estudos afro-brasileiros, seja por seus próprios estudos, seja pelo apoio moral dado aos estudiosos desses assuntos”, que são elencados no texto, demonstrando ser ele um conhecedor da produção acadêmica sobre o negro no Brasil (AMADO, 1940, p. 326).

Outro escritor a participar dos debates foi Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), que também atuou como etnógrafo, com reconhecida contribuição para o campo do folclore no Brasil. Em Recife, ele assinou o trabalho “Notas sobre o catimbó” (CASCUDO, 1937), em que aborda as práticas religiosas afro-brasileiras do Rio Grande do Norte, seu estado de origem, e também do Pará. Vale também mencionar a participação do poeta paulista Mário de Andrade (1893-1941). No congresso recifense, ele contribuiu com o trabalho “A calunga dos maracatus” (ANDRADE, 1935), que discorre sobre a calunga, um objeto ritual de grande importância nos maracatus, que pertencem ao conjunto das práticas afro-brasileiras em Pernambuco [48]. Além de atuar como escritor, Mário de Andrade etnografou diferentes práticas vinculadas aos negros em viagens que empreendeu pelo Brasil nos anos 1920 e 1930. Ele não estava preocupado apenas em descrever essas práticas, mas também com a maneira como esses registros deveriam ser feitos.

Estando à frente do Departamento de Cultura de São Paulo, ele criou a Sociedade de Etnografia e Folclore, que funcionou de 1936 a 1939. Durante esse breve período, esse foi um canal de aproximação entre o ambiente universitário, em formação, e o sistema cultural mais amplo [49]. Participaram das atividades professores vindos do exterior para formar as primeiras gerações de cientistas sociais da Universidade de São Paulo (USP), recém-criada à época. Dentre eles, estavam o casal de antropólogos Claude Lévi-Strauss (1909-2009) e Dina Dreyfus (1911-1999), e Roger Bastide (1898-1974), que viera da França para o Brasil, em 1938, para substituir seu conterrâneo Lévi-Strauss na cadeira de sociologia da USP.

Diferentemente de Claude Lévi-Strauss e Dina Dreyfus, que durante sua estada no Brasil desenvolveram pesquisas sobre populações indígenas, Roger Bastide enveredou pelos estudos sobre o negro. Para tanto, se valeu de muito do que havia sido produzido pelos envolvidos nos dois congressos, fonte fundamental para dar corpo às suas interpretações sobre o Brasil, em especial sobre as religiões afro-brasileiras [50]. A Bahia, nesse caso, havia de ser um destino certo desse francês, assim como de outros pesquisadores, já com formação no campo das ciências sociais, com interesses semelhantes. Na sequência do Congresso Afro-Brasileiro da Bahia, vieram dos Estados Unidos: Robert E. Park, em 1937; Ruth Landes (1908-1991), de 1938 a 1939; Lorenzo Turner (1890-1972), de 1940 a 1941; Melville Herskovits, de 1941 a 1942; e E. Franklin Frazier (1894-1962), de 1940 a 1941 [51]. Em 1946, chegava o francês Pierre Verger (1902-1996).

Nesse mesmo período, dois nomes que já se destacavam no campo de estudos sobre o negro no Brasil foram recebidos por instituições acadêmicas no exterior: Arthur Ramos e Gilberto Freyre. Contemplado com uma bolsa de estudos concedida pela Fundação Guggenheim, Arthur Ramos viajou aos Estados Unidos em 1940, retornando ao Brasil em 1941. Lá, ele participou de mesas redondas e proferiu palestras em universidades como Harvard, Louisiana, Columbia, Califórnia, Minnesota e Yale. Na ocasião, seu livro O negro no Brasil já havia recebido uma versão em inglês (RAMOS, 1939). Gilberto Freyre também viajou aos Estados Unidos entre os anos 1930 e 1940 para apresentar conferências. Em 1931, ele esteve na Universidade de Stanford; em 1938, na Universidade de Columbia; em 1939, na Universidade de Michigan; e em 1944, na Universidade de Indiana. Nesta última instituição foram seis conferências, reunidas no ano seguinte na publicação Brazil: an interpretation (FREYRE, 1945) [52]. Ele também teve participações em universidades europeias, com destaque para a viagem que realizou em 1937, como representante do governo brasileiro, para Portugal, onde esteve nas universidades de Coimbra, Lisboa e Porto, e Inglaterra, com uma apresentação no King’s College, em Londres [53].

Notas finais

Vitrines de parte da antropologia feita no Brasil nos anos 1930, os Congressos Afro-Brasileiros ocorridos em Recife e em Salvador expuseram a forma como se pensava a questão racial à época: apesar das influências do culturalismo norte-americano, ainda se deixava transparecer a herança das teorias evolucionistas, com seu viés biológico. Os dois congressos não marcaram, assim, uma brusca ruptura com pensamentos que fundamentavam o estudo sobre o negro no Brasil até então, haja vista a exaltação a Nina Rodrigues no segundo certame em Salvador. Esses encontros demonstraram, contudo, como as mudanças conceituais e teóricas operam gradualmente, na medida em que outras concepções começam a transitar entre aqueles que intentam refletir sobre uma determinada realidade social – como no caso da transição do conceito de raça para o de cultura. Mudanças que também são impulsionadas pela entrada em cena de outros agentes. E o destaque que os religiosos afro-brasileiros têm nos dois encontros, em especial, no baiano, evidenciam como a agenda de pesquisa é influenciada também pela atuação de grupos, antes à margem das esferas que se afirmam como detentoras de saberes que se pretendem científicos.

No Brasil dos anos 1930, o acesso à educação era reservado a poucos. Os principais personagens que ilustram esse texto - por exemplo Nina Rodrigues, Martiniano Eliseu do Bomfim, Gilberto Freyre, Arthur Ramos e Édison Carneiro – apresentam trajetórias excepcionais, se comparadas às condições sociais e econômicas da maioria da população brasileira à época. No entanto, esses poucos que se destacavam no meio acadêmico circulavam e faziam suas ideias circularem, extrapolando os limites do tempo, uma vez que ainda hoje são revisitadas pelos interessados na questão racial, e do espaço, pois integram arranjos transnacionais [54].

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[1Mariana Ramos de Morais é ’chercheure associée’ (pesquisadora associada) do CéSor, EHESS, Paris.

[2Após a proclamação da República, em 1889, grupos hegemônicos de estados ao norte do Brasil e outros de estados ao sul, que não se restringiam ao Rio de Janeiro e São Paulo, tendo destaque também para Minas Gerais e para Rio Grande do Sul, buscam garantir sua influência na política nacional. O desenvolvimento econômico observado no estado de São Paulo, especialmente, a partir da década de 1870, possibilitou a ascensão política da elite local no plano nacional. No entanto, outros grupos também estavam em disputa. O período denominado de Primeira República (1889-1930) foi um momento conturbado em que as oligarquias agrárias tentavam se manter no poder, enquanto movimentos sociais contestavam essa estrutura. Alguns desses movimentos associavam sua luta a conteúdos religiosos, como Canudos e o Contestado, ou às forças militares, como o Tenentismo. Esse último movimento refletiu de forma mais direta na Revolução de 1930, com a qual Getúlio Vargas chega à presidência da República. Para uma história desse período, ver Fausto (2018).

[3Até os anos 1930, estudos de cunho antropológico no Brasil eram desenvolvidos por pesquisadores vinculados aos museus, aos institutos históricos e geográficos e também às faculdades de medicina e direito. Nessa década, a antropologia começou a se destacar enquanto disciplina acadêmica dentro do campo das ciências sociais, com a criação de universidades no Rio de Janeiro, a Universidade do Distrito Federal, em 1935, posteriormente transformada na Universidade do Brasil (1937), e em São Paulo, com fundação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1933, e da Universidade de São Paulo, em 1934. Um outro ambiente de debate e pesquisa em antropologia na época foi o Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, surgido em 1935. Uma extensa bibliografia tem sido produzida sobre a história das ciências sociais no Brasil. Para um panorama dessa história, ver Miceli (1989, 1995). Especificamente sobre a história da antropologia brasileira, o trabalho de Mariza Corrêa é uma referência e parte dela se encontra em Corrêa (2013a).

[4Como afirma Antonio Candido (1984, p. 27), nos anos 1930, uma “atmosfera de fervor” caracterizou o plano da cultura, marcado pelo engajamento político, religioso e social de intelectuais e artistas. Essa década teria, na ótica do autor, catalisado aspirações de grupos do decênio anterior que ansiavam por reformas no ensino no Brasil, dentre as quais a criação de universidades com forte aporte da filosofia, ciências, letras e educação.

[5Os Congressos Afro-Brasileiros dos anos 1930 têm sido focalizados por diferentes autores. Algumas abordagens podem ser conferidas em: Dantas (1988, 2009); Capone ([1999] 2004, 2010); Bacelar (2001); Silva (2002); Romo (2007); Rossi (2015). Nos dois eventos, houve publicação de anais. No Congresso de Recife, foram dois volumes (ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS, 1935; FREYRE E OUTROS, 1937). O congresso baiano teve uma publicação (O Negro no Brasil, 1940). Nos trechos extraídos dos anais dos dois Congressos Afro-Brasileiros, citados ao longo deste texto, optou-se por adotar a grafia das palavras segundo as normas do português atual. Agradeço a leitura cuidadosa de Christine Laurière, Fernanda Arêas Peixoto, Frederico Delgado Rosa e Stefania Capone, bem como suas sugestões para este texto.

[6As práticas religiosas afro-brasileiras são alvo de perseguição desde o período colonial no Brasil. Consideradas feitiço, magia e curandeirismo, essas práticas passam por um processo de legitimação enquanto religião a partir do início do século XX. São várias as denominações afro-religiosas no Brasil. Dentre elas, duas são encontradas por todo território nacional: umbanda, surgida no início do século XX na região Sudeste, e candomblé, formado em meados do século XIX no estado da Bahia. Outras denominações ficam mais restritas a algumas regiões, como o xangô, em Pernambuco; o tambor de mina, no Maranhão; o batuque, no Rio Grande do Sul. As religiões afro-brasileiras, de uma maneira geral, estão passando por um processo de expansão fora do país, estando presentes em países como Argentina, Uruguai, Portugal, França, Itália, Alemanha e Inglaterra. Sobre o processo de legitimação dessas práticas ver: Montero (2006); Giumbelli (2008); Morais (2018).

[7O Código Penal de 1890 é um marco na repressão institucionalizada às práticas religiosas afro-brasileiras. Os artigos 156, 157 e 158 proibiam, respectivamente, o exercício ilegal da medicina, a “prática da magia, do espiritismo e seus sortilégios”, e o curandeirismo, que eram associados às práticas religiosas afro-brasileiras. Dessa forma, havia um instrumento legal que balizava a repressão dessas práticas, uma vez que as enquadrava legalmente como crime (NEGRÃO, 1996, p. 44).

[8A repressão às religiões afro-brasileiras e as estratégias encontradas por seus adeptos para garantir a prática de seus cultos, no século XX, são discutidas por Birman (1985), Maggie (1992) e Negrão (1996).

[9A vida e obra de Gilberto Freyre tem sido analisada por diferentes autores. Sigo, especialmente, a leitura proposta por Pallares-Burke (2005) que, ao percorrer a biografia do autor, aponta referências constituidoras do pensamento freyriano.

[10No prefácio à primeira edição de sua obra Casa-Grande & Senzala, Freyre afirma: “Foi o estudo de Antropologia sob a orientação do Professor Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor – separados dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural. Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura; a discriminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais, de herança cultural e de meio” (FREYRE, [1933] 1978, p. XXIV). Apesar dessa afirmativa e do intento em adotar os preceitos boasianos em sua análise, Pallares-Burke (2005) relativiza a influência de Franz Boas nas intepretações de Freyre. Recuperando o percurso de Freyre na Universidade de Columbia, ela demonstra que o autor pernambucano não manteve um contato extenso nem tão próximo com o “pai” da antropologia cultural norte-americana. Para além disso, ela destaca outras referências que irão incidir na forma como Freyre lê e analisa a formação da sociedade brasileira, especialmente na referida obra. Ao se deter de forma mais específica na análise de Casa-Grande & Senzala, Araújo (1994) propõe, que apesar da insistência de Freyre a associar sua análise ao conceito de cultura boasiano, “(...) ele trabalha com uma definição fundamentalmente neolamarckiana de raça, isto é, uma definição que, baseando-se na ilimitada aptidão dos seres humanos para se adaptar às mais diferentes condições ambientais, enfatiza acima de tudo a sua capacidade de incorporar, transmitir e herdar as características adquiridas na sua — variada, discreta e localizada — interação com o meio físico (...)” (ARAÚJO, 1994, p. 39). Independentemente dessas interpretações sobre a obra de Freyre, vale mencionar que o culturalismo teve influências nos estudos sobre o negro no Brasil nos anos 1930, ver Skidmore (1976); Cunha (1999); Oliveira (2004); Corrêa (2013a).

[11Consagrado e reconhecido internacionalmente, Gilberto Freyre foi um dos grandes pensadores do século XX. Casa-Grande & Senzala, sem dúvidas a sua obra maior, foi traduzida para várias línguas. Destacam-se aqui as versões em inglês (FREYRE, 1946) e em francês (FREYRE, 1952).

[12Gilberto Freyre, em conferência sobre Ulysses Pernambucano, proferida em 1944, em Maceió, afirmou que a proposta inicial era realizar um evento sobre as religiões de origem africana. Mas isso não foi possível, devido à resistência dos próprios religiosos (Capone ([1999] 2004, p. 234-235).

[13Sobre a atuação de Ulysses Pernambucano com relação as práticas religiosas afro-brasileiras, ver Dantas (1988).

[14Cunha Lopes (1915-1990) nasceu no Rio Grande do Norte e formou-se em medicina, em 1934, na Faculdade de Medicina de Recife. Trabalhou como residente no Hospital das Tamarineiras, sob a orientação de Ulysses Pernambucano (PAZ, 2007).

[15J. Candido de Assis (1909-1988) nasceu na Paraíba e formou-se em medicina, em 1934, na Faculdade de Medicina de Recife, na mesma turma de formandos de Cunha Lopes. Trabalhou como residente no Hospital das Tamarineiras, sob a orientação de Ulysses Pernambucano. Foi também jornalista e escritor (PAZ, 2007).

[16Abelardo Duarte (1914-1991) nasceu no Ceará. Bacharelou-se na Faculdade de Direito de Recife na década de 1940 e atuou como jornalista (PAZ, 2007).

[17Alfredo Brandão (1881-1956) nasceu em Alagoas. Formou-se na Faculdade de Medicina de Recife na década de 1920. Além de médico, também foi poeta, historiador e escritor (PAZ, 2007).

[18Seguindo a interpretação de Rossi (2015).

[19Para uma análise da obra de Édison Carneiro, ver Rossi (2015).

[20Como apontado nas correspondências trocadas entre Carneiro e Arthur Ramos, o evento deveria ter ocorrido em 1936. Mas foi necessário adiá-lo por duas vezes (OLIVEIRA; COSTA LIMA, 1987).

[21Rossi (2015) analisa com detalhe as atividades da Academia dos Rebeldes, com especial foco na atuação de Édison Carneiro.

[22Os Institutos Históricos e Geográficos ainda mantêm suas atividades. O da Bahia, por exemplo, celebrou, em 2018, os 81 anos do Congresso Afro-Brasileiro de Salvador com um simpósio que reuniu pesquisadores que revisitaram, em suas comunicações, parte dos trabalhos apresentados em 1937. A programação do evento está disponível em: https://www.ighb.org.br/single-post/2018/08/10/II-Congresso-Afrobrasileiro---uma-releitura-81-anos-depois.

[23Aydano do Couto Ferraz e Reginaldo Guimarães, além de Édison Carneiro, também compunham a comissão executiva. Aydano do Couto Ferraz formou-se em 1937, na Faculdade de Direito da Bahia. Tinha grande amizade por Édison Carneiro. Entre os anos de 1939 e 1941 publicou vários artigos sobre o negro na revista do Arquivo Municipal de São Paulo. No Congresso Afro-brasileiro da Bahia, apresentou uma comunicação intitulada “Castro Alves e a poesia negra da América” (FERRAZ, 1940). Reginaldo Guimarães também compôs a comissão executiva do II Congresso Afro-Brasileiro. Em 1937, ele se formou na Faculdade de Medicina da Bahia. No referido congresso, apresentou a comunicação “Contribuições Bantus para o sincretismo fetichista” (GUIMARÃES, 1940). Notas biográficas de Ferraz e de Guimarães constam em Oliveira; Costa Lima (1987).

[24Uma breve biografia de Martiniano Eliseu do Bomfim consta em Capone (2016). Sobre a sua relação com o meio afro-religioso, ver Costa Lima (1987), Capone ([1999] 2004, 2010), Castillo (2010). Vale aqui uma nota: a grafia de seu sobrenome é encontrada nas referências consultadas para este trabalho de duas formas: Bonfim e Bomfim. Como nos anais do II Congresso Afro-Brasileiro adota-se Bomfim, optou-se por seguir essa grafia nas menções ao babalaô.

[25Esse trecho foi extraído de uma entrevista concedida por Martiniano Eliseu do Bomfim a Lorenzo Dow Turner, em Salvador, em 1940. A versão consultada aqui consta em Ayoh’Omidire e Amos (2012).

[26Nos anais do segundo congresso, não há informações sobre o idioma original do texto.

[27Esse modelo de ortodoxia afro-religiosa de base iorubá é continuadamente reelaborado. Para um debate sobre como esses congressos contribuíram para a construção de uma ortodoxia religiosa no candomblé, fundamentalmente de base iorubá, ver Dantas (1988) e Capone ([1999] 2004, 2010).

[28O Corpo dos Obás de Xangô ainda faz parte da estrutura hierárquica do Axé Opô Afonjá. Para uma narrativa sobre Martiniano do Bomfim e Mãe Aninha, ver Costa Lima (2004).

[29Ramos não esteve presente na posse da diretoria, mas tomou conhecimento dos andamentos dos trabalhos por correspondência trocada com Édison Carneiro (OLIVEIRA; COSTA LIMA, 1987, p. 161).

[30No final do século XIX, Nina Rodrigues centrou parte de seus estudos no negro. Envolto de premissas racistas, típicas de sua época, distinguiu brancos, negros e indígenas. Os primeiros, representantes de uma raça superior. Os dois seguintes, de raças inferiores, sendo que aos negros reservava-se uma posição mais elevada. Entre os negros também havia uma distinção. Os iorubás, que se concentravam na Bahia, estariam entre os mais adiantados no quadro evolutivo traçado por Nina Rodrigues. E a religião que praticavam atestava sua superioridade frente a negros oriundos de outras regiões africanas, principalmente os bantos, que teriam presença marcante no Sudeste do Brasil. Os iorubás, conforme Nina Rodrigues, teriam sido capazes de preservar sua religião, mantendo sua organização e sua mitologia; resguardaram, assim, sua suposta pureza cultural.

[31Nina Rodrigues também foi referência nos estudos de criminologia de sua época, tendo desenvolvido análises médico-legais e psicossociais sobre o negro. Em 1894, ele publicou As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil (RODRIGUES, 1938 [1894]), que foi dedicado a consagrados médicos e juristas da área, como Lombroso, Ferri, Garófalo e Lacassagne. Para uma análise da obra de Nina Rodrigues, bem como da retomada de seus estudos pelos integrantes da “Escola Nina Rodrigues”, ver Corrêa (2013b).

[32Entre 1896 e 1897, a Revista Brazileira publicou quatro capítulos intitulados “O animismo fetichista dos negros baianos. Somente em 1935, os capítulos da Revista Brazileira foram organizados por Arthur Ramos e ganharam uma edição brasileira (MAGGIE, FRY, 2006).

[33Segundo Lisa Earl Castillo, a tradução dessa obra para o francês foi feita pelo próprio autor. Para ela, o fato de Nina Rodrigues buscar publicar o livro em língua estrangeira, somado ao fato de ele ter dedicado o trabalho a uma sociedade de médicos de Paris, da qual era sócio, era uma indicação clara de que o autor intentava inserir esse trabalho pioneiro num corpo internacional de discurso acadêmico sobre o negro (CASTILLO, 2010, p. 104).

[34Na ocasião, Nina Rodrigues teve Martiniano Eliseu do Bomfim como seu principal interlocutor, demonstrando como a relação do sacerdote com pesquisadores advinha do final do século XIX.

[35A descrição das homenagens a Nina Rodrigues por ocasião de sua morte demonstra sua importância tanto no Brasil quanto no exterior (RIBEIRO, 1995).

[36Arthur Ramos também nasceu no Nordeste. Sua cidade natal foi Pilar (atual Manguaba), situada no estado de Alagoas. Mas foi em Salvador que realizou seus estudos acadêmicos em medicina, especializando-se em psiquiatria e doutorando-se em Ciências Médicas Cirúrgicas, em 1926, na Faculdade de Medicina da Bahia. Também na capital baiana, atuou no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues e, em 1934, mudou-se para a então capital federal, Rio de Janeiro, onde, inicialmente, vinculou-se ao Serviço de Ortofrenia e Higiene Mental do Departamento de Educação e Cultura do Distrito Federal e tornou-se professor da Universidade do Distrito Federal, ocupando a cadeira de Psicologia Social em 1935. Em concomitância à sua carreira na área da medicina, Ramos desenvolveu estudos sobre folclore, tendo atenção às práticas relacionadas aos negros. Em 1946, ele ocupa a cadeira de Antropologia na Faculdade de Filosofia da recém fundada Universidade do Brasil. Para uma análise da obra de Arthur Ramos, ver Cunha (1999) e Campos (2004).

[37Arthur Ramos refere-se aqui ao livro As coletividades anormais (RODRIGUES, 2006b), uma coletânea de trabalhos de Nina Rodrigues organizada pelo “discípulo”, que assina o prefácio de onde foi extraído o trecho em destaque. A primeira edição da publicação é de 1939.

[38Conforme as fontes consultadas neste trabalho, presume-se que Arthur Ramos não tenha comparecido aos Congressos Afro-Brasileiros de Recife e de Salvador. No caso do primeiro congresso, o jornal Diário de Pernambuco – que estava noticiando a programação do certame – informa em sua edição do dia 11 de novembro de 1934 que a comunicação de Ramos estava entre as “memórias chegadas para o congresso” e, na edição do dia 14 de novembro de 1934, informa que a comunicação havia sido lida, sem informar quem teria feito a leitura do trabalho. Outra indicação de sua ausência está no prefácio do segundo volume dos anais do certame, assinado pelo próprio Ramos. Ao se referir às atividades do evento, ele afirma: “Não havendo feito parte da comissão organizadora do 1º Congresso Afro-Brasileiro (...) nem havendo sequer discutido diretamente as teses e as moções apresentadas, acompanhei, no entanto, de longe, com o maior interesse, a marcha dos trabalhos (...)” (RAMOS, 1940, p.11). Quanto ao segundo congresso, a ausência de Ramos é explicitada na carta que Édison Carneiro enviou para ele, em 10 de janeiro de 1937, bem como pelo noticiado no jornal Estado da Bahia, no dia 20 de janeiro: “O Sr. Reginaldo Guimarães leu um trabalho de Arthur Ramos sobre o grande africanista [Nina Rodrigues]” (OLIVEIRA; COSTA LIMA, 1987, p. 135-136).

[39Essa sessão ocorreu no Instituto Nina Rodrigues que integrava os quadros da Faculdade de Medicina.

[40Conforme informações de Silva (2002).

[41A entrevista de Freyre foi publicada em 13 de novembro de 1936. Nela, ele informa que havia tomado ciência do segundo congresso por carta enviada por Édison Carneiro e recebida por ele “só a dois ou três dias” (OLIVEIRA; COSTA LIMA, 1987, p. 128).

[42Nesse período, Arthur Ramos dirigia a coleção Biblioteca de Divulgação Científica, da Companhia Editora Nacional (posteriormente, Civilização Brasileira), que editou o segundo volume dos anais do Congresso de Recife. Por essa coleção, também foram publicados ensaios de Nina Rodrigues, bem como outros títulos sobre relações raciais, como Religiões Negras, de Édison Carneiro.

[43Em 1939, Donald Pierson retorna ao Brasil para servir como professor catedrático de sociologia e antropologia social na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, fundada em 1933 (CORREA, 2013a, p. 206).

[44Arthur Ramos e Melville Herskovits mantêm correspondência entre 1935 e 1949. Foi Ramos quem iniciou a correspondência, enviando três volumes da Coleção de Divulgação Científica Brasileira, dirigida por ele, para Herskovits, por recomendação de Gilberto Freyre, como presume Guimarães (2004, p.169), com base em correspondências trocadas por Ramos e Herskovits e também por Freyre e Herskovits.

[45Stefania Capone (2021, no prelo) analisa a formação do campo transnacional afro-americano, destacando a relação estabelecida entre os pesquisadores norte-americanos e brasileiros com Roger Bastide. Em sua análise, a autora aponta como a Universidade de Fisk foi um ponto de encontro de pesquisadores norte-americanos que partiram para o Brasil, nos anos 1930 e 1940, com o intuito de pesquisar as relações raciais. Além Park e Pierson, Ruth Landes e Lorenzo Turner estiveram em Fisk.

[46Sobre a passagem de Park pelo Brasil, ver Valadares (2010). Sobre a estada de Donald Pierson na Bahia nos anos 1930, ver Silva (2012) e Maio e Lopes (2017). A pesquisa de Pierson sobre as relações raciais na Bahia foi publicada primeiramente em inglês (PIERSON, 1942) e também em português (PIERSON, 1945).

[47O primeiro romance publicado de Jorge Amado foi O país do Carnaval, de 1931. Ainda na década de 1930, foram lançados Cacau (1933), Jubiabá (1934), Suor (1934), Mar Morto (1936), Capitães de Areia (1937), todos eles com traduções para diversas línguas.

[48Mário de Andrade foi convidado para o segundo Congresso Afro-Brasileiro. No entanto, esteve doente à época e não compareceu, conforme esclarece Édison Carneiro em carta à Arthur Ramos (OLIVEIRA; COSTA LIMA, 1987, p. 151).

[49Sobre a atuação de Mário de Andrade, ver Peixoto (2002). Sobre a Sociedade de Etnografia e Folclore, ver Valentini (2013).

[50Foi Roger Bastide, inclusive, quem traduziu para o francês a obra Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre (FREYRE, 1952).

[51Parte dos resultados das pesquisas desenvolvidas por esses norte-americanos no Brasil pode ser consultada nas seguintes referências: Landes (1940, [1947] 1994; 2002); Turner (1942); Frazier (1942), Herskovits (1943). Vale uma menção aqui ao trabalho de Carneiro, “The structure of African cults in Bahia”, publicado no mesmo número de The Journal of American Folklore em que Landes (1940) também tem um artigo sobre sua experiência no Brasil. Sobre a estada de Turner, Frazier e Herskovits no Brasil e a contribuição deles para a construção de um campo transnacional afro-americano, ver Sansone (2002, 2012).

[52A publicação dos trabalhos de Gilberto Freyre em língua estrangeira é anterior à de Brazil: an interpretation (1945), que posteriormente ganhou uma versão em português (FREYRE, 1947). Parte dos resultados de sua pesquisa de mestrado já havia sido publicada em 1922 (FREYRE, 1922). Após a sua consagração com Casa Grande & Senzala os textos em língua estrangeira vão se avolumando, a exemplo dos artigos “The negro in Brazilian culture” (FREYRE, 1939) e “Some aspects of the social development of Portuguese America” (FREYRE, 1940a), para ficar restrito aos anos 1930 e 1940. Além da própria tradução de sua obra maior para o inglês, em 1946 (FREYRE, 1946).

[53A viagem de Gilberto Freyre a Portugal, em 1937, ocorre no ano em que Getúlio Vargas, já na presidência desde 1930, lidera um golpe de Estado e dá-se início a um autoritário período que passou a ser denominado de Estado Novo (1937-1945). Esse era o termo que denominava igualmente o regime português liderado por António de Oliveira Salazar, desde 1933. A ida de Freyre a Portugal, bem como a Inglaterra, foi financiada pelo governo brasileiro. Em Portugal, além das conferências nas universidades, ele representou o Brasil no Congresso da Expansão Portuguesa no Mundo. Sua presença em terras portuguesas era, assim, parte da política brasileira de aproximação com o governo de Salazar. Afora esse intento do governo brasileiro, há de se ressaltar a forma como o regime português do Estado Novo utilizou ideologicamente as teses luso-tropicalistas de Freyre e a sua caracterização do “colonizador português” como propenso à miscigenação para promover a imagem de um império colonial não racista. As conferências que Freyre ministrou na Europa em 1937 foram publicadas no ano seguinte sob o título Conferência na Europa, em uma edição do Ministério da Educação e Saúde Pública (FREYRE, 1938). Em 1940, os textos, com modificações, foram reapresentados em O mundo que o português criou: aspectos das relações sociais e de cultura do Brasil com Portugal e as colônias portuguesas (FREYRE, 1940b).

[54Os Congressos Afro-Brasileiros da década de 1930 também foram alvo de posteriores críticas. O próprio Édison Carneiro afirma em um texto de 1953, “Os estudos brasileiros do negro”, que os eventos “inauguraram a estação de espetáculos do negro” (CARNEIRO, 1964, p. 115). A crítica também advém de militantes negros, como Alberto Guerreiro Ramos e Abdias do Nascimento que, juntamente com Carneiro, estiveram à frente do Congresso do Negro Brasileiro, em 1950. Para eles, nos congressos da década de 1930 o negro era tomado apenas como um objeto de estudo, sem considerar os problemas práticos ligados à sua condição psíquica e socioeconômica (MAIO, 2015, p. 623). Um terceiro congresso seria organizado em São Paulo, em 1939, por Mário de Andrade e Mário Pedrosa, conforme informa Édison Carneiro em carta enviada a Arthur Ramos após o certame de Salvador (OLIVEIRA; COSTA LIMA, 1987, p. 128). Esse encontro, porém, não aconteceu. Um evento em Recife, em 1982, com a presença de Gilberto Freyre (presidente de honra do certame), foi nomeado III Congresso Afro-Brasileiro, informando, em seus anais, ser a sequência dos eventos de 1934 e 1937 (MOTTA, 2017). Em 1994, em Recife, ocorreu o IV Congresso Afro-Brasileiro que, como o terceiro, foi realizado pela Fundação Joaquim Nabuco, idealizada por Gilberto Freyre e fundada em 1949.