Sobre Curt Nimuendajú, nascido em 17 de abril de 1883 e falecido em 10 de dezembro de 1945, muito já foi escrito, ainda que recentes contribuições sobre sua vida e obra continuem a surgir na literatura antropológica e nos estudos da história da ciência [1]. Esse duradouro interesse atesta não apenas o valor dessa obra para a etnologia indígena brasileira e a importância de sua figura nas contínuas redefinições de um imaginário romântico e heroico que cercam a prática etnográfica no Brasil, como também a grande influência de sua atuação profissional para a antropologia de modo mais amplo. Em quarenta anos de pesquisa e trabalho de campo intensivo entre dezenas de populações indígenas no Brasil (Ticuna, Canela Ramkokamekrá, Xerente, apenas para citar algumas), contribuiu para o debate americanista que se fazia no país, em interlocução estreita com etnólogos alemães, franceses e norte-americanos voltados ao campo antropológico sul-americano (Amoroso 2001). [2]
O presente texto, menos do que uma recuperação exaustiva de eventos da biografia ou uma apreciação atualizada da obra de Nimuendajú [3], tem como preocupação repensar o lugar que lhe foi atribuído na história da antropologia no Brasil, de modo a contribuir para a produção de uma historiografia crítica, mais atenta às fragilidades, institucionais e outras, do antropólogo. Trata-se de identificar as maneiras como essas suas fragilidades, explicitadas na necessidade perene de negociar financiamentos e obter recursos para suas atividades científicas, está intimamente relacionada a uma ética de trabalho antropológico – destacada, aliás, pela literatura especializada. Para tanto, valho-me de uma etnografia de arquivos (Cunha 2004 e 2005 ; Stoler 2002 ; Dirks 2015) para analisar a documentação sobre Nimuendajú, de forma a contrapor a imagem idealizada que foi construída postumamente sobre sua figura. Tenho por objetivo pensar uma economia das informações disponíveis sobre o autor, o que auxiliou no trabalho de contrapor as narrativas constituídas sobre ele ao longo das décadas - por vezes bastante romantizadas – com dados menos analisados, de forma a tornar compreensível o fascínio exercido por Nimuendajú para os projetos de etnologia indígena no Brasil.
A reflexão crítica sobre a historiografia permite uma interessante ponderação sobre os motivos que definem o que é efetivamente contado a respeito do passado, mas também leva-nos a considerar os silêncios sobre o mesmo como áreas opacas da história que, não obstante, são significativas e que ajudam a compreender as razões para as consagrações. Ao discorrer sobre as possibilidades de investigação da ordem do tempo, através de uma postura de distanciamento heurístico em relação às categorias que organizam a experiência com o passado – “o esquecido ou demasiadamente lembrado” –, François Hartog propõe pensar em um regime de historicidade que “deveria permitir o desdobramento de um questionamento historiador sobre nossas relações com o tempo” (Hartog 2015 : 37). Dessa forma, o historiador francês chama atenção para a relevância de perguntar por que lembramos - ou esquecemos - certos personagens e suas trajetórias. Michel-Rolph Trouillot (1995), de maneira semelhante, ao considerar o processo de constituição de conjuntos documentais que se transformam em fontes que atualizam e criam o passado no presente, também nos auxilia a compreender a importância da renovação dos estudos sobre Nimuendajú - uma renovação que acompanha a própria história da disciplina no Brasil, que continua a olhar, por uma certa perspectiva, para um de seus principais autores.
Um etnógrafo de prestígio
Natural de Jena, Alemanha, Curt Nimuendajú (nascido Unkel) – como as narrativas de sua trajetória indicariam (Pereira 1946 ; Welper 2013) – imigrou para o Brasil em 1903, quando tinha vinte anos de idade, fascinado com as histórias de indígenas americanos que lia na biblioteca da fábrica de lentes Zeiss em que trabalhava. Poucos anos depois de sua chegada em terras brasileiras, ele realizava suas primeiras incursões em campo junto aos Apopocúva-Guarani, entre os quais recebeu seu nome indígena, posteriormente adotado oficialmente (Viveiros de Castro 1987 ; Schaden 1968). Sua primeira e principal obra desse período é o estudo sobre religião e cosmologia guarani, ’Die Sagen von der Erschaffung und Vernichtung der Welt als Grundlagen der Religion der Apapovúva-Guarani’, publicada em 1914 no periódico editado em Berlim, Zeitschrift für Ethnologie, e apenas traduzida para o português em 1987 [4]. A publicação, que versa sobre a escatologia guarani, influenciou algumas das principais interpretações sobre o messianismo indígena sob uma abordagem histórica e política, que buscava dar conta das movimentações das populações ameríndias desde uma perspectiva cultural e histórica, o que também permite refletir sobre as relações com o Estado, ou com a sociedade não-indígena. [5]
Se até meados da década de 1910 Nimuendajú residiu em São Paulo, onde se instalara após a chegada ao Brasil, logo tomou como sua casa, e até o final da vida, a cidade de Belém, também estendendo a área de suas pesquisas etnográficas. É nessa etapa de sua carreira, entre os anos de 1920 e 1930, que intensifica a realização de pesquisas entre sociedades indígenas de língua Jê, cujos resultados materializaram-se na produção de artigos e livros de maior alcance internacional. Sobretudo com o apoio de Robert Lowie (1883-1957), que o auxiliou a obter financiamento da Universidade da Califórnia para esses trabalhos de campo (que foram, em parte, também custeados pela Fundação Rockefeller e pela Academia Americana de Artes e Ciências), algumas de suas principais monografias foram publicadas em inglês no final da vida ou postumamente, com destaque para The Tukuna (Nimuendajú 1952), produzida com material de pesquisa junto aos seus interlocutores desse povo indígena, entre os quais veio a falecer. Na realidade, Robert Lowie editou, ajudou a publicar, ou mesmo traduziu alguns desses trabalhos, The Apinayé (Nimuendajú 1939), The Šerente (Nimuendajú 1942) e The Eastern Timbira (Nimuendajú 1946) entre os principais. O antropólogo austro-americano demonstrou, na correspondência com seu colega, ou em suas próprias publicações – como em sua autobiografia (Lowie 1959) –, a enorme admiração que nutria por Nimuendajú, o que explica em parte a parceria intelectual.
Alfred Métraux, com quem Nimuendajú também se correspondeu, em mais de uma ocasião confirmou o prestígio que esse último tinha junto a Lowie, bem como entre outros antropólogos na Europa e nos Estados Unidos nas primeiras décadas do século XX. O antropólogo suíço havia lecionado por um curto período de tempo na Universidade da Califórnia em Berkeley, onde conheceu Lowie e ouviu histórias sobre Nimuendajú, mas cuja obra já conhecia desde quando residia no continente europeu [6]. Por exemplo, em carta de 1938, quando Métraux já era um intelectual reconhecido, ele relatou a Nimuendajú que ouviu de Lowie grandes elogios sobre seu trabalho. Na missiva, começava por afirmar estar confiante de que seu colega da Universidade da Califórnia conseguiria os fundos que Nimuendajú requisitara para suas pesquisas etnográficas (uma vez que esse último havia aproveitado o contato com Métraux para mencionar a necessidade de obter financiamentos e aumentar suas chances de obtê-los da instituição norte-americana). Em seguida, tratou de dar exemplos da consideração que nutria por seu trabalho. Métraux considerava este “infinitamente superior” ao de Theodor Koch-Grünberg (1872-1924), contradizendo a modéstia que Nimuendajú muitas vezes expressava publicamente sobre sua própria formação - modéstia geralmente traduzida na forma lacônica com que se referia, quando interpelado, ao próprio percurso biográfico. Uma longa citação dessa correspondência é importante, pois explicita o reconhecimento que Nimuendajú gozava entre alguns dos principais intelectuais americanistas daquele período, bem como exemplifica algumas das questões que serão desenvolvidas adiante sobre sua trajetória, sobretudo sobre o conhecimento etnográfico desenvolvido em trabalho de campo :
Eu contei-lhe uma vez sobre a grande admiração que Nordenskiöld nutria por você. Quando ainda era estudante na Suécia, estava acostumado a ouvir seu nome mencionado todos os dias e em qualquer ocasião. O Dr. Lowie, que é conhecido por seu julgamento crítico e por sua severidade de avaliação, menciona-o como um típico antropólogo, que por prolongado contato [com as populações indígenas] conseguiu nos dar a imagem mais fiel da vida nativa. Você é, talvez, o único homem por quem o Dr. Lowie expressou admiração incondicional. Não foi por puro entusiasmo e parcialidade que eu disse ser o seu trabalho entre os Jê uma virada na antropologia americana. Lembre-se que você é o primeiro que a descobrir essa complicada e extremada organização social na América do Sul. Seus resultados nesse aspecto podem ser comparados àqueles de Spencer e Gillen na Austrália. Se eu sempre tive um grande respeito por seu trabalho não é apenas por em razão dos seus feitos, mas especialmente por conta da vida que você viveu. Muitos anos atrás eu ouvi o Dr. Speiser, que é um homem irônico e crítico, dizer que ele conhecia apenas um antropólogo que ele considerava um idealista - e era você. Eu não acho que alguém fez mais pela ciência nesses dez últimos anos, e você tornou-se um exemplo que tem sido de ajuda para mim e que eu proponho aos meus alunos [7].
Para melhor situar o alcance das contribuições de Nimuendajú é preciso destacar também seus esforços para a produção de uma cartografia cuidadosa e exaustiva das sociedades indígenas no Brasil, desde uma perspectiva histórica, possibilitada pela consulta da produção etnográfica disponível, que ele conseguia a duras penas, e constantemente através de pedidos de envio de artigos científicos a seus principais interlocutores. O antropólogo realizou três versões conhecidas do Mapa Etno-histórico (Nimuendajú 1981) que atestava a localização e a dispersão dessas populações, um dos seus mais celebrados trabalhos : a primeira versão, encomendada pela Smithsonian Institution (instituição com a qual colaborou em algumas ocasiões) em 1942, sofreu acréscimos em novas versões, em 1943 e em 1944 (produzidas para o Museu Paraense Emílio Goeldi e para o Museu Nacional no Rio de Janeiro, respectivamente). É por esse aspecto cartográfico, resultado de muita horas de trabalho, que os mapas desenvolvidos por Nimuendajú contribuem de forma decisiva para o estudo histórico das populações ameríndias [8]. O antropólogo tinha grande cuidado com o registro preciso das pesquisas então existentes. Esse esmero também fica evidente na coleta de mitos e vocábulos indígenas, bem como no trabalho de classificação das coleções etnográficas que formou. Trata-se de um esforço bastante abrangente e exaustivo de pesquisa etnológica indígena. Igualmente um linguista competente, Nimuendajú conjugou diversas facetas do trabalho antropológico na produção de um universo de dados que foram imprescindíveis para inúmeros outros profissionais da área.
Peter Schröder (2019) explora o trabalho colecionista de Nimuendajú, sobretudo durante o período inicial de sua carreira, durante as décadas de 1920 e 1930, quando colaborou de forma estreita com museus etnológicos da Alemanha. Grupioni (1998), em sua tese sobre o Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil [9], já havia alertado para a necessidade de maiores estudos sobre o colecionismo praticado pelo antropólogo alemão : faceta conhecida de sua trajetória, mas até aquele momento pouco analisada. De fato, é no interior da rede de colaboração internacional europeia (que propiciava, entre outros projetos, a constituição de coleções etnográficas para instituições científicas no exterior, sobretudo na Alemanha), que é possível explorar o campo intelectual que foi fundamental para a formação de Nimuendajú nas primeiras décadas de sua trajetória intelectual. As encomendas que recebia dos diretores dos museus europeus [10] certamente propiciavam inestimáveis recursos para a condução dos seus trabalhos de campo (Schröder 2011). Entretanto, elas também eram parte importante de suas reflexões antropológicas : Nimuendajú dedicava especial atenção à organização das coleções, e aos usos e significados das peças. A penúria das instituições científicas alemãs na década de 1930, já presente no fim da Primeira Guerra Mundial, foi responsável pela interrupção dessa colaboração, que foi definitiva com a eclosão de mais uma guerra, em 1939. Mas o trabalho colecionista foi mantido mesmo no fim de sua vida, sobretudo em parceria com museus brasileiros, para os quais formou a maior parte das coleções nesse período.
Além de ressaltar a importância de seu trabalho intelectual, os comentadores da obra de Nimuendajú também costumam atestar sua postura crítica em relação às políticas indigenistas de seu tempo (Gonçalves 1993) [11]. Como lembra Souza Lima (1995), ele não estava alheio às vicissitudes da atuação antropológica no contexto de uma reconfiguração da política de terras no Brasil pós-Império. O problema da sobreposição dos interesses de expansão territorial e administração dessas novas fronteiras com a gestão das populações nativas materializa-se na atuação do SPI (Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, subordinado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio), órgão criado em 1910 e com o qual Nimuendajú colaborou de forma intermitente, por vezes de maneira crítica – sobretudo no final da vida. O célebre episódio da “pacificação dos Paratintim” da região do Rio Madeira no Amazonas, tal como por ele relatado (Nimuendajú 1982 [1924]), é um exemplo da complexa política indigenista, de contornos heroicos e também trágicos, que parece ter conformado a sua postura antropológica. Encarregado pelo SPI, em 1921, de implementar um posto indígena na região de maneira a “pacificar” esse grupo Kagwahiva Tupi-Guarani do rio Madeira – que, relata-se, teria realizado constantes ataques aos “civilizados” desde meados do século XIX, o que preocupava sobremaneira o governo federal –, Nimuendajú buscou durante meses resistir aos ataques feitos de surpresa com flechas, resoluto em impedir que seus companheiros revidassem. Assim descreve o clímax da estratégia adotada, quando o ataque finalmente tornou-se mais aberto e direto :
Como fuzilaria estavam as suas flechadas nas chapas das paredes, e debaixo de gritos furiosos eles avançaram ao longo da cerca em rumo da porteira. Era exatamente o que eu queria, e imediatamente gritei-lhes na Língua Geral, convidando-os para entrar. Pela sua experiência guerreira eles deviam ter esperado neste momento tudo menos um convite e, perplexos, pareciam prestar-me atenção por um momento (Nimuendajú 1982 : 62).
Ele termina o relato comentando os sucessos no estabelecimento de relações progressivamente menos belicosas, não obstante colocadas em risco pelo trabalho dos funcionários que o substituíram quando precisou se ausentar da região por motivos particulares. Seus substitutos não cuidaram para que se impusesse uma estrutura de autoridade, como era desejo de Nimuendajú, e os esforços foram ao final perdidos pela existência de uma rede de intrigas e pelo fim dos recursos alocados para a referida pacificação. Na realidade, a crítica à atuação dos “civilizados” tornou-se uma constante em artigos publicados nos anos seguintes e sobretudo na correspondência do antropólogo com seus mais próximos interlocutores. Nimuendajú afastar-se-ia do SPI, com o qual trabalhava de forma intermitente, no final da década de 1920, descontente com a política do órgão, muitas vezes denunciada como violenta. Entretanto, é fundamental perceber como nas primeiras décadas do século passado se configurou uma atitude, narrada em tons heroicos por alguns antropólogos (inclusive o próprio Nimuendajú), de crítica às formas de relação estabelecidas entre brancos e indígenas, muitas vezes mantida em contratos de trabalho injustos. No final da carreira, Nimuendajú empregou esse tom crítico de maneira mais contundente, e sua visão da política indigenista contribuiu de forma decisiva para a sua formação antropológica, literalmente feita no campo.
Uma ética de trabalho formada na solidão do campo
Com Harald Schultz (1909-1966), antropólogo brasileiro de ascendência germânica que realizou pesquisas etnográficas na região central do Brasil e também excelente fotógrafo, Nimuendajú confidenciou algumas das impressões que nutria pelo SPI – onde Schultz trabalhou –, bem como por outras instituições com as quais os dois colaboraram naquele período. A correspondência com Schultz revela de forma interessante como Nimuendajú encarava as dificuldades do trabalho de campo : no diálogo entre os dois, a etnografia é representada como uma atividade que demandava grandes sacrifícios. Entretanto, por essas mesmas razões também parecia engrandecer a empreitada científica e tornar as provações enfrentadas fundamento para uma carreira que é descrita quase como uma vocação – postura compartilhada por ambos. É importante ressaltar que as dificuldades, tal como enumeradas na correspondência, não pareciam restritas às agruras do trabalho de campo, mas estendiam-se para a política exercida no meio científico que consideravam mesquinha, mas ao mesmo tempo inevitável.
Na troca de mensagens entre os dois antropólogos, mais intensa no final da vida de Nimuendajú, este deu conselhos a Schultz sobre a importância do trabalho etnográfico e sobre a necessidade de conferir atenção redobrada às autoridades que controlavam as atividades científicas no Brasil. Em junho de 1945, Schultz alertou o colega para as perguntas “casualmente” [12] feitas a ele sobre as publicações que teria feito, resultantes de suas pesquisas. Mesmo sem entrar em detalhes na carta, preveniu Nimuendajú avisando-o que membros do Conselho de Fiscalização estariam produzindo suspeitas sobre a retidão de seu trabalho, colocando em dúvida o cumprimento das determinações do órgão sobre o provimento de cópias dos resultados das pesquisas etnográficas para as instituições científicas brasileiras. Schultz ficara horrorizado com a violência que as populações indígenas sofriam, como testemunhou em sua pesquisa de campo entre os Umutina, grupo Bororo Macro-Jê do Mato Grosso. Ao colega, comentou ainda os “sacrifícios físicos e morais” que devia suportar, não apenas em campo, uma vez que enfrentava obstáculos até mesmo nas instituições científicas, “pela vaidade e miopia mental de certos indivíduos a quem estou subordinado” [13]. Mostrava-se decepcionado até mesmo com aquele que era considerado o patrono dos etnógrafos do período, Cândido Rondon (1865-1958) [14], que, assinala, não nada fizera para impedir que sua posição de pesquisador no SPI fosse temporariamente extinta em um momento delicado de sua trajetória, quando estava convalescente e impossibilitado de defender-se de acusações feitas sobre seu trabalho no órgão – episódio que voltarei a mencionar adiante.
Pouco tempo depois de receber essa carta com denúncias sobre uma possível conspiração no interior do próprio órgão, e realizando os preparativos para a viagem de campo entre os Ticuna, Nimuendajú respondeu agradecendo “o aviso a respeito do C.F.E.A e C.” (Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas), afirmando que Heloísa Alberto Torres (1895-1977) já havia comunicado “que eventualmente tratariam de impedir o meu trabalho sob o pretexto de eu não ter apresentado as tais cópias de todos os meus estudos no campo” [15]. Nimuendajú lamentou o fato de esse não ser um episódio excepcional, pois segundo ele “já uma vez fizeram isto, APESAR de eu ter remetido o respectivo relatório que, disto estou convencido, foi escamoteado no próprio C.F.E.A. e C. para criar um pretexto” [16]. Terminou a missiva elogiando a “firmeza de vontade” de perseverar no caminho escolhido, fazendo “votos que nunca lhe falte o necessário apoio para vencer e prosseguir, para o bem do índio e da etnologia brasileira”, espécie de variação das exortações que ambos costumavam enviar de forma a encorajarem um ao outro para perseverarem com a atividade etnográfica.
O tom confessional que empregavam em suas cartas revela uma sólida, ainda que breve, amizade. A experiência do campo, na realidade, configurou-se como base de uma cumplicidade que nem Nimuendajú, nem Schultz, costumavam partilhar com outros colegas. Ainda que Nimuendajú relatasse para vários de seus interlocutores alguns problemas testemunhados em campo, geralmente associados à violência contra as populações indígenas ou então à difamação que ele próprio sofria, com Schultz permitia-se ser mais duro em suas críticas aos “civilizados” e àqueles que não possuíam conhecimento direto das dificuldades enfrentadas, relatando também impressões mais subjetivas sobre o assunto.
À diretora do Museu Nacional, ou ao diretor do Museu Paraense, duas das principais instituições brasileiras para as quais Nimuendajú prestava serviços, ele relatava em tom menos pessoal algum acontecimento grave, esperançoso de que pudessem intervir em seu favor, de modo que seu trabalho etnográfico não fosse perdido. O mesmo pode ser dito em relação a vários dos interlocutores estrangeiros, com os quais mantinha relações profissionais, que envolviam também possibilidades de financiamento e divulgação de seus trabalhos. Com Schultz, entretanto, podia fazer considerações mais contundentes sobre o que significava realizar etnografia em um país como o Brasil. A correspondência entre ambos exemplifica a relação de confiança que estabeleceram, que se expressava, por exemplo, na troca de impressões sobre as maneiras como enfrentavam a doença contraída no campo, e o sofrimento psíquico e físico, assim como no sentimento compartilhado de que assuntos como estes não podiam ser compreendidos por seus empregadores ou mesmo por outro colega que não realizasse trabalho de campo entre populações indígenas no país. Pareciam dividir, assim, uma cumplicidade constituída na convicção de que tinham experiências similares em suas viagens, que os fazia acreditar que o trabalho etnográfico envolvia grande sofrimento e que o cientista que se propusesse a empreendê-lo deveria ser provido de uma ética incorruptível.
Em uma longa carta, escrita em maio de 1945, após desculpar-se pela demora da resposta, Schultz conta que estava se recuperando de um “acidente” em uma aldeia Umutina que quase lhe custou a vida, ficando “assim impossibilitado a escrever durante algum tempo, devido à fratura do antebraço esquerdo e outros ferimentos de bala recebidos do meu guia” [17]. Quando finalmente conseguiu viajar, teve outra decepção, considerada tão mais grave porque injusta :
Quando em fins de março finalmente voltei para o Rio, fui vítima de tantas calúnias, intrigas e traições, que fiquei durante algumas semanas moralmente tão abatido, que não me animava a escrever a quem quer que fosse. Assim, a luta que tive de travar afim de salvar apenas as simples possibilidades de minha existência, tomaram-me de corpo e alma. Graças ao bom Deus tudo agora está mudando e estou reconquistando grande parte do prestígio perdido, quando na verdade minhas ações deveriam ter-me angariado não só o reconhecimento irrestrito dos meus chefes como ainda um lugar de destaque ! [18]
As dificuldades pessoais eram, na realidade, o capítulo final de uma grave situação que testemunhou no ano anterior, no campo. Schultz conta que encontrou a população da aldeia Umutina em que realizava sua pesquisa sofrendo de uma epidemia de coqueluche e de bronco-pneumonia, bem como de grave desnutrição. Relatou também que seus apelos à Inspetoria local do SPI por ajuda foram praticamente ignorados : esperou por semanas, em um clima de angústia e de seca, com a caça afugentada por queimadas constantes, pelo envio de remédios. Na carta, escreveu emocionado : “Tudo era preto, triste, imensamente triste... E os índios passavam fome ! Tanta fome que os cães, de que muito gostavam, morreram todos !” [19]. Schultz ainda relatou que, tendo comunicado o SPI da situação, recebeu como resposta uma censura, sob alegação de que não era sua incumbência tratar da saúde dos indígenas – e que deveria dedicar-se às suas pesquisas etnográficas.
Schultz escreveu que, percebendo que quase assistiu ao extermínio da aldeia, havia se lembrado de um alerta feito pelo próprio Nimuendajú, de que bastaria uma epidemia de gripe para uma aldeia ser reduzida a um pequeno grupo de indivíduos, “sem vida tribal” e, então, sem que houvesse possibilidades para “documentar sua vida”. Schultz ainda apresentou alguns resultados de pesquisa ao amigo, mas concluiu, sobre o episódio, que Nimuendajú certamente compreenderia tudo aquilo que ele contava e que a história não causaria surpresa, “pois não é em nada diferente do que o amigo tem experimentado quando era funcionário desta instituição, cujos ideais são tão elevados, mas cuja máquina administrativa é das mais imperfeitas que cheguei a conhecer !”, terminando a confissão dizendo que não acreditava que iria trabalhar para o SPI por muito mais tempo, sentindo-se traído e difamado [20].
Nimuendajú respondeu no dia 26 de junho, dizendo que estava de fato ansioso por notícias, pois sabia por Herbert Baldus (1899-1970), com quem ele também se correspondeu extensamente, que Schultz tinha sido “vítima de um atentado e que tinha havido ‘encrencas’ com o SPI”. Entretanto, o relato, segundo Nimuendajú, mostrou-se “uma verdadeira odisseia que só não estranha quem, como eu, sabe de própria experiência o que é SPI” [21]. Sobre tragédia vivida pelo colega, comentou, ironicamente e com a experiência de quem acreditava ter lidado com uma estrutura política e científica que tinha na intriga um dos mecanismos de trabalho, e no suposto da neutralidade a justificativa acadêmica para monitorar seus subordinados :
O senhor cometeu o pior que um funcionário pode cometer : Identificou-se com o assunto a que se dedicou e agiu de acordo com os interesses dele. Assim, a sua mera atuação, quer o quisesse quer não, constituiu uma denúncia contra a piolheira inepta e preguiçosa para a qual a vida e a morte do índio enfim nada significam. É lógico que trabalhassem para eliminar tão desagradável contraste, cavando a sua expulsão do SPI. E não cessarão de intrigar e de caluniar enquanto não tenham convencido o General Rondon também de que o senhor é um “indesejável” (é o termo técnico deles !). [22]
Junto à crítica, Nimuendajú também faz questão de exaltar o trabalho feito em meio a condições tão adversas, algo que também acreditava poder dizer alguma coisa a respeito. Assim ele continua a comunicação :
O seu material dos Umutina deve ser muito extenso e precioso ! É lamentável que esse seu estudo, feito com tanta dedicação e tanto sacrifício, tivesse sido feito por conta de quem foi. Receio muito que a absoluta falta de compreensão de que seja realmente um trabalho etnológico de um lado, e as calúnias de seus detratores do outro, façam com que ele fique sepultado em alguma gaveta. [23]
Nimuendajú continua a carta encorajando Schultz a não sucumbir às intrigas e a publicar a pesquisa na forma de uma monografia, bem como a transcrever as várias gravações realizadas. Diz também esperar que continuasse a realizar trabalhos de campo, terminando, em tom de cumplicidade, com elogios quanto às escolhas profissionais de Schultz, estendidos ao amigo que tinham em comum : “O mal de nós ambos é que, tirando Baldus, não existe no Brasil um único etnólogo – ou o senhor pode citar-me algum ? Temos de trabalhar e de depender de gente que só se lembra da etnologia para justificar verbas”. Lembra com nostalgia quando lidava com Nordenskiöld e Lowie, “que eram etnólogos de verdade e compreendiam o que eu queria e estava fazendo”. Conta ainda que tinha dificuldades com a diretora do Museu Nacional, Heloísa Alberto Torres, mas quando estava prestes a romper com a instituição “ela de repente se lembrou de mim, aumentou-me as mensalidades e remeteu-me, em conjunto com o Serviço do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional, o dinheiro para uma nova estada de seis meses entre os índios Tukuna” [24]. Nimuendajú realizou essa viagem no fim do ano.
Ao dar esses conselhos ao amigo, Nimuendajú comentava sua própria trajetória como etnógrafo. E mesmo que em sua correspondência ele e Schultz estivessem se referindo, em grande medida, às particularidades do fazer científico no Brasil, adotavam uma postura partilhada por outros antropólogos do período quanto à defesa da atividade etnográfica, que era indissociável da defesa dos povos indígenas e, inferindo pela opinião de ambos, tão mais valorizada quando empreendida com sacrifício. A íntima associação entre o trabalho de campo e a postura ética na reflexão científica fica evidente na obra de Nimuendajú, bem como na correspondência que manteve com outros antropólogos no mesmo período. Essa é uma relação, que se manifesta na defesa dos povos indígenas com os quais trabalhava, na base do reconhecimento que possuía como o maior dos etnógrafos americanistas de seu tempo, configurando-se esse estatuto como um de seus principais trunfos no campo acadêmico.
Em carta de 1938, às vésperas de uma viagem para a região do Chaco paraguaio Métraux convidou Nimuendajú para realizar essa pesquisa de campo com ele, oferecendo também financiamento para a sua realização. Atestando o prestígio que o antropólogo alemão gozava em vários círculos antropológicos no exterior, além de afirmar ter sincera admiração e respeito pela personalidade e pelo trabalho do colega, Métraux encorajava a possibilidade de uma cooperação e ressaltava a importância do comprometimento com os sujeitos entre os quais faziam suas pesquisas. Assim defendeu a possibilidade de uma etnografia feita em conjunto : “Ambos têm amor pelos índios. Há todo o motivo para que nossa colaboração tenha sucesso. Desde o tempo em que eu era um estudante eu sonho em ir ao campo em sua companhia” [25].
Nimuendajú terminou por recusar a oferta, mas não sem antes lamentar as possibilidades pouco promissoras que pareciam delineadas na escolha, em decorrência do comprometimento com seus estudos etnológicos daquele período, que não podia abandonar e que acreditava o condenavam a um futuro de dificuldades. Mas não deixou de indagar sobre as possibilidades de formar uma coleção entográfica de artefatos de povos Jê para o museu universitário em Berkeley, aproveitando a experiência museológica de Métraux e sua posição institucional. Mesmo que o antropólogo suíço tenha prometido, mais de uma vez, tentar ajudá-lo no que fosse possível, uma colaboração mais sólida como a sugerida acabou não se concretizando – ainda que Métraux tenha continuado a apoiar Nimuendajú à distância, como na ajuda com a publicação de trabalhos do colega no Handbook of South American Indians, projeto coordenado por Julian Steward (1902-1972) com a chancela da Smithsonian Institution.
É evidente que o prestígio de Nimuendajú no exterior, segundo Métraux, advinha do reconhecimento da qualidade de sua etnografia, medida não apenas pelo trabalho de campo empenhado, mas também pela empatia com os povos indígenas. Na correspondência mantida, Métraux deixa transparecer outro motivo pelo qual Nimuendajú era apreciado ainda em vida : não foram poucas as pessoas que escreviam-lhe pedindo informações etnográficas, opiniões sobre dados empíricos, ou ainda conselhos ou mesmo algum apoio na condução de suas pesquisas de campo. Nesse sentido é que o antropólogo suíço sugeriu a um jovem antropólogo norte-americano, que havia conseguido uma bolsa da Universidade de Colúmbia para realizar uma etnografia no Brasil, que escrevesse a Nimuendajú. No final de 1938, às vésperas de sua viagem, Charles Wagley (1913-1991) enviou uma carta ao antropólogo radicado no Brasil pedindo sugestões sobre grupos indígenas recém-contatados com os quais poderia fazer uma pesquisa sobre os efeitos da catequese – mas em um contexto, fez questão de ressaltar, em que “os índios ainda mantenham a maior parte de sua tradição” [26]. Wagley termina a carta dizendo que não poderia deixar de pedir conselhos a alguém que conhecia os povos da Amazônia tão bem, também inquirindo sobre a seriedade da malária na região, uma vez que ouvira falar que havia uma forma particularmente mortal da doença onde pretendia fazer pesquisa. A pesquisa etnográfica pressupunha também um cuidado com as demandas físicas implicadas – isso era reconhecido por aqueles que preparavam suas viagens e o conselho de alguém experiente era bastante valorizado e procurado.
Claude Lévi-Strauss (1908-2009), contratado pela Universidade de São Paulo em 1935 e esboçando seus primeiros trabalhos como etnógrafo, também entrou em contato com Nimuendajú, quando planejava sua célebre expedição à Serra do Norte, que ocorreu em 1938. Quando escreveu ao etnógrafo mais velho e experiente, Lévi-Strauss já havia realizado uma pesquisa entre os Bororo e os Kadiwéu na região do Mato Grosso, ocorrida entre 1935 e 1936 – e inclusive publicado um importante artigo sobre a organização social bororo (Lévi-Strauss 1936), que impressionou Nimuendajú, sobretudo porque acreditava que o jovem pesquisador francês realizava análises promissoras do complexo sistema dualista Jê que ele próprio estudara por muitos anos [27]. Lévi-Strauss pretendia realizar agora um trabalho de campo mais prolongado, entre os Nambikwara, em região mais ao norte, e propôs a Nimuendajú que fizesse parte da nova expedição. O seu nome fora sugerido por Paul Rivet (1876-1958), então diretor do Museu do Homem na França e para o qual Lévi-Strauss já havia colaborado com o envio de uma coleção etnográfica, constituída em seu primeiro trabalho de campo. Em carta a Nimuendajú, de 1937, Lévi-Strauss dizia estar animado com a possibilidade de realizarem uma pesquisa juntos, pois era conhecedor de “sua grande competência e experiência séria” [28].
Tal parceria tampouco se concretizaria. Em sua resposta à carta do antropólogo francês, Nimuendajú alegava não ter tempo para outra viagem de campo, precisando cumprir obrigações já assumidas com Robert Lowie e terminar os manuscritos de suas pesquisas entre os Xerente e Canela [29]. Na realidade, ele confidenciou a Carlos Estevão de Oliveira, em carta de 21 de novembro daquele ano, que recusara a proposta por dois outros motivos não partilhados com Lévi-Strauss : relatou que, além de estar ocupado com suas análises de material etnográfico Jê, não aceitara a parceria porque preferia trabalhar sozinho e também porque ouvira dizer que Jehan Vellard (1901-1996), etnógrafo e naturalista francês que havia realizado pesquisas no Paraguai no começo da década de 1930, coordenaria a viagem de trabalho de campo. Lévi-Strauss tivera diversas dificuldades em conseguir permissão do Conselho de Fiscalização para a realização da expedição. Grupioni (1998) recupera em detalhes o contexto do convite e explica os motivos dessas dificuldades, que podem ser atribuídas, entre outras razões, ao mal-estar que algumas publicações de Vellard produziram naquela época, sobre pesquisas que realizara no Paraguai alguns anos antes [30]. Nimuendajú elabora com mais clareza algumas das objeções a Vellard :
(...) a direção pertencerá, ao que parece, ao dr. Vellard, de cujos métodos de trabalho não posso co-participar absolutamente : segundo os seus próprios relatórios publicados no Journal de la Société des Américanistes de Paris, nas suas expedições aos Guayakí ele assaltou os acampamentos destes índios à mão armada e debaixo de tiros, saqueou-os e roubou uma criança que ele agora está criando (Nimuendajú 2000 : 272).
Lévi-Strauss acabou por realizar o trabalho etnográfico almejado, na viagem que também ficou conhecida como expedição Lévi-Strauss-Vellard, acompanhado ainda por Dina Dreyfus (1911-1999), à época, Dina Lévi-Strauss, e por Luiz de Castro Faria (1913-2004), ainda mais jovem que ele, mas cuja presença na expedição, como cientista brasileiro, era imposta pelo Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas [31]. Mesmo que, mais uma vez, a solicitação de uma parceria não fosse atendida, esse seria mais um exemplo do reconhecimento da experiência de Nimuendajú como etnógrafo. As explicações dadas para a recusa do convite também contribuem para melhor compreender a maneira como julgava que a pesquisa etnográfica deveria ser conduzida.
Harald Schultz, desde que fora aluno de Nimuendajú em um curso no Rio de Janeiro em 1943, durante uma breve passagem desse pela cidade, também nutria esperanças de que pudessem trabalhar juntos. Schultz chegou inclusive a sugerir em uma carta – de forma jocosa, segundo tentou explicar depois – que poderia ser seu “secretário geral” [32], no que foi prontamente censurado [33]. Ambos pareciam conceder às atividades acadêmicas nos centros urbanos apenas uma importância relativa, necessária para a realização de trabalhos mais importantes, feitos na floresta, em meio às populações indígenas. Schultz, ao saber dos planos de Nimuendajú para uma nova viagem ao território Ticuna expressou claramente o desejo de trabalhar com ele. Atribuiu ao estilo de trabalho do colega, aos problemas de saúde decorrentes de sua própria pesquisa de campo e às dificuldades de consolidar uma posição institucional, as únicas razões pelas quais não acreditava que isso fosse possível naquele momento :
A comunicação de sua ida para os Tucuna muito me interessou, de tal forma que quase mandei-lhe um telegrama pedindo para que me levasse consigo. Entretanto, considero que em primeiro lugar o senhor não queira levar ninguém consigo e segundo, acho realmente melhor que eu fique este ano na cidade, refazendo-me de três anos de doenças graves e ininterruptas e tentando tomar melhor pé, para que minha posição não fique sistematicamente inutilizada e aniquilada em cada ausência daqui [34].
Schultz lhe confidenciava angústias pessoais, detalhes de sua vida sentimental, que acreditava seriam curadas pela entrega à pesquisa etnográfica, o que suscitava longas conversas entre os dois, inclusive sobre o caráter quase sacramental que as escolhas profissionais pareciam adquirir. Em sua correspondência, ambos condenavam a ignorância etnológica de seus supervisores, seja no SPI, no Museu Nacional, ou em outras instituições, mas também desdenhavam da superficialidade dos intelectuais puramente teóricos, que pouco conheciam da vida no sertão.
As narrativas sobre as razões do comprometimento de Nimuendajú com as populações estudadas (Baldus 1945 ; Oliveira 1999), espécie de reedição de uma vocação romântica da qual era devedor, começaram a ser produzidas logo após sua morte. Elas constituem uma peça fundamental para compreender o lugar destinado a Nimuendajú na história da antropologia brasileira, bem como o modelo de etnologia indígena reivindicada junto ao seu nome : séria e, ao mesmo tempo, comprometida com as populações indígenas (Viveiros de Castro 1987). A produção antropológica decorrente do trabalho de campo não pode ser compreendida sem fazer menção à rede de interlocução que ele desenvolveu e às relações institucionais que buscava manter – produzidas na experiência etnográfica feita em meio às dificuldades.
Alguns comentadores da obra atribuem a Nimuendajú alguns contornos que remetem a certo fazer antropológico : como o do autodidata (Métraux 1950 ; Schaden 1968 ; Corrêa Filho 1981 ; Melatti 1985), a quem teria faltado a formação para ser um bom teórico. A generalização teórica que seria feita a partir dos dados etnográficos que “recolhia”, convencionou-se afirmar, não era de sua autoria. A análise de seus dados de campo seria realizada por outros, como Robert Lowie, por exemplo, que por anos auxiliou Nimuendajú a obter recursos de pesquisa e a publicar nos Estados Unidos suas monografias sobre os povos de língua Jê, com o apoio da Universidade da Califórnia, como afirmei anteriormente. Alfred Métraux conjuga tais facetas de sua trajetória em um necrológio publicado alguns anos após sua morte em 1945. A condição de desterro voluntário, motivado pelo “amor” às florestas e às populações indígenas com quem passou uma vida de sertanista, somada à “coragem” e “paciência” que lhe seriam característicos, lhe permitiram produzir uma obra cujo alcance ainda seria difícil de avaliar, afirma Métraux. Na realidade, o antropólogo suíço sugere, na esperança de que os diários de campo de Nimuendajú um dia fossem publicados e fazendo eco ao que havia confessado ao mesmo por carta, que é a sua experiência que o tornaria singular na história da disciplina, a despeito de não ter tido uma formação acadêmica convencional :
Sob o nome guarani de Nimuendajú, que ele havia tomado por amor dos índios que o haviam iniciado em seus mistérios, escondia-se a personalidade singular de um alemão que veio muito jovem, como emigrante, ao Brasil, sem formação acadêmica, mas com talentos variados e um gosto muito profundo pela vida na floresta (Métraux 1950 : 250) [35].
Herbert Baldus lamenta do mesmo modo a morte “do grande etnólogo”, que considerava, ao lado de Theodor Koch-Grumberg, um dos cientistas cujas obras são fundamentais para a antropologia. Para tanto, evoca uma imagem de coragem e estoicidade que teria sido a marca de seu trabalho e que fica evidente nos esforços feitos para o cumprimento “de seu dever”, a despeito da fragilidade de sua saúde e de uma vida de provações (Baldus 1945 : 91). Tratava-se, segundo Baldus, de uma personalidade contrária à bajulação, orientada por um espírito metódico que lhe garantia enormes vantagens na prática etnográfica, bem como pela paciência e precisão que demonstrara em suas atividades arqueológicas e cartográficas. Um cientista escrupuloso e impermeável a qualquer tipo de corrupção quanto aos seus ideais, que aplicava “em defesa dos índios contra os representantes de nossa civilização que a poder das armas mais perfeitas invadem o sertão” (Baldus 1945 : 93).
O colecionismo praticado em meio à fragilidade institucional
Uma das faces da trajetória de Nimuendajú, também recentemente destacada, coincidindo com a retomada das reflexões em antropologia sobre museologia e cultura material nas últimas décadas (Pomian 1990 ; Sherman e Rogoff 1994), refere-se ao trabalho de colecionismo que realizou durante suas pesquisas de campo, em parceria com museus e instituições nacionais e estrangeiras (Grupioni 1998 ; Schröder 2011 ; Schröder 2019 ; Faulhaber 2013). O antropólogo formou diversas coleções etnográficas que dão pistas para pensar não apenas as possibilidades de interlocução e inserção institucional (ou a falta desta), como também a importância da cultura material em sua obra. Diante da reabilitação dessa dimensão, parte considerável dos estudos contemporâneos sobre Nimuendajú tende a relativizar certas afirmações sobre sua trajetória, feitas sobretudo após seu falecimento, como por exemplo : de que teria sido um competente etnógrafo com realizações teóricas modestas, orientado por uma postura pragmática em relação às atividades colecionistas (entendida como mera forma de financiar suas viagens de campo). Uma investigação cuidadosa dos relatórios que Nimuendajú enviava aos museus com os quais colaborou, em conjunto com as coleções formadas, porém, mostra como o registro da cultura material dos povos indígenas revelou-se uma interessante tentativa para que ele tivesse acesso, por outros caminhos, à cosmologia dessas sociedades [36].
O colecionismo de Nimuendajú não pode ser compreendido sem uma análise dos constrangimentos que sofreu durante a realização de suas pesquisas etnológicas, sobretudo durante o período ditatorial instaurado pelo Estado Novo (1937-1945). A declaração de guerra à Alemanha pelo Brasil, em 1941, exacerbou as dificuldades enfrentadas, quando sua nacionalidade tornou-se categoria de acusação e motivo de suspeitas sobre suas atividades etnográficas.
Como busquei demonstrar antes, o material epistolar de Nimuendajú é revelador da forma como o antropólogo relatava a seus interlocutores, e muitas vezes de forma apaixonada, as dificuldades da pesquisa, dotando a prática antropológica de um tom que tendia a ser heroico, mas nunca indiferente ou distanciado ; tais dificuldades pareciam justificar as tribulações enfrentadas para formar coleções e escrever artigos ou monografias que lhe eram frequentemente encomendados (Nimuendajú 2000) [37]. Em carta a Robert Lowie, de 26 de outubro de 1942, em período de guerra, em que estava impedido de se corresponder em alemão com o antropólogo austríaco-americano, como costumava fazer até ao ano de 1941 [38], ele comenta as agruras que enfrentava nas pesquisas entre os Ticuna no Alto Solimões :
O trabalho meu ainda não tinha bem chegado a um fim satisfatório, mas temos de dá-lo por concluído, porque a odiosidade da população civilizada, tomando por pretexto o estado de guerra, não permite a continuação. Além de que faltariam os meios monetários para isto. Durante todo o tempo em que estive entre os Tukuna fui hostilizado e caluniado pela maneira mais infame e absurda. Fui denunciado às autoridades militares e civis, e finalmente conseguiram a minha prisão [39].
Chocado com os problemas relatados, Lowie respondeu estar preocupado com o futuro do colega. Sugeriu, de novo, que uma vez resolvidas as pendências dos trabalhos encomendados pelos museus brasileiros, que agora mereciam prioridade devido ao progressivo controle exercido pelo Conselho de Fiscalização, ele talvez pudesse se dedicar a escrever o artigo encomendado por Julian Steward para o Handbook of South American Indians. Na opinião de Lowie, o ambicioso projeto coordenado por Steward durante a década de 1940 permitir-lhe-ia estabelecer boas relações com uma instituição governamental que ainda gozava de certas vantagens financeiras durante a guerra [40].
Em carta a Herbert Baldus, Nimuendajú comentou com mais detalhes o incidente ocorrido quando se encontrava entre os Ticuna, resultado da forma crítica com que tratava a relação com os “patrões seringalistas” [41]. Ao colega relatou que havia decidido encurtar o tempo da estada em campo, uma vez que :
O ambiente tornou-se de uma tal forma envenenado por uma xenofobia ignóbil e canalha que comecei a recear pelos resultados já obtidos dos meus trabalhos. As mais incríveis e absurdas mentiras e acusações caluniosas foram levantadas contra a minha pessoa e levadas aos ouvidos das autoridades militares e civis. Trataram debalde de convencer os Tukuna de que deviam assassinar-me ; estes, porém, se conservaram amigos leais até o último momento. Por fim, já de descida para Manaus, fui preso ao passar por Santo Antônio do Içá por um capitão do exército que já antes me tinha dado provas da sua odiosidade. Fui posto incomunicável e conduzido para Manaus por um sargento [42].
Na realidade, logo foi liberado pelo comandante do quartel, que havia recebido ordens de soltar o antropólogo. Em mais de uma ocasião, Heloísa Alberto Torres e Carlos Estevão de Oliveira (1880-1946), diretores, respectivamente, do Museu Nacional no Rio de Janeiro e do Museu Emílio Goeldi em Belém, intercederam por ele junto a figuras importantes no exército. De qualquer forma, reforça o sentimento de que sua origem germânica era lembrada para as acusações, concluindo :
O ambiente está de uma tal forma saturado de xenofobia que me é praticamente impossível fazer seja lá que trabalho for. Não existe nenhuma proibição contra mim, pelo contrario, fui formalmente exepcionado da proibição de trabalhar no campo, mas se eu agora fosse novamente para qualquer ponto do interior toda a minha energia se consumaria em prevenir, aparar e desfazer traições e ataques da natureza acima descrita, além de que não haver uma verdadeira garantia, nem cá na Capital, quanto mais no sertão [43].
Nimuendajú continuou a lamentar a situação, que teve repercussões de ordem financeira. Assim retomou o tema do financiamento de suas pesquisas pelas vias às quais estava acostumado, através da interlocução com alguns colegas que ocupavam posições bem estabelecidas em instituições científicas :
A situação em que fiquei por esta forma é muito triste : Perdi, a bem dizer, a minha razão de ser, e não sei como hei de viver. Os meus últimos recursos tenho de gastar para pôr a limpo o material Tukuna que não é pouco e me dará uns 2 meses de trabalho ao menos. O que será depois não sei. Escrevi um artigo para o Handbook sobre as tribos do médio e baixo Xingu, mas mesmo se eu continuasse a colaborar com Steward, isto não dá para viver. Da Universidade da Califórnia nada mais posso esperar porque se acha praticamente fechada. (...) Wagley está agora aqui no Pará. Teve de abandonar a etnologia e foi arregimentado naquele serviço que se diz “Saneamento da Amazônia”. Caracteristicamente, este serviço é considerado pelo Governo Americano equivalente ao serviço militar [44].
Recupero com mais detalhes essa carta para Baldus porque ela é exemplar da forma como o próprio Nimuendajú não separava problemas científicos, financeiros e políticos, o que é feito em um tom negativo, por vezes fatalista, o que indica a maneira como a xenofobia experimentada em campo causava-lhe extrema angústia. Nimuendajú preocupava-se com a possibilidade de que pudesse ser impedido de realizar suas pesquisas, sendo-lhe dificultada a obtenção de verbas, cada vez mais escassas. Entretanto, ficava realmente horrorizado com a necessidade de se defender das acusações de que queria o mal das populações indígenas com as quais trabalhava [45]. A Baldus, confessou que achava difícil trabalhar após voltar do Alto Solimões : “durante mais de dois meses depois da minha volta dos índios a minha situação moral foi tal que com a melhor vontade me foi impossível concentrar-me para semelhante trabalho” [46].
Preocupado com a carreira e com a saúde do colega, Baldus tentou convencê-lo a aceitar a mudança para São Paulo, onde poderia obter um trabalho mais seguro e estável, e também porque no sul receberia um tratamento médico de melhor qualidade do que em Belém. Após as recomendações de Baldus sobre algumas formas de conseguir dinheiro com a escrita de artigos científicos, Nimuendajú afirmou que não teria tempo ou material disponível para escrever as duas publicações sugeridas : um volume sobre mitologia brasileira que renderia alguns “milhares de cruzeiros”, e um artigo para a revista Sociologia [47], que lhe faria ganhar mais algumas “centenas de cruzeiros”, com a vantagem de pagamento imediato, enfatizava Baldus, ao contrário do que ocorreria com a mencionada colaboração com o Handbook. Além disso, nada animado com a primeira solução apresentada pelo colega, mostrou-se também relutante com a ideia de uma mudança :
A segunda que implica uma mudança minha para São Paulo, me dá muito que pensar, porque aqui pelo menos tenho por hora ainda a minha casinha e conheço o meio. Mas o que será se eu me desfizer disto e, indo para o Sul, encontrar lá o mesmo nativismo xenófobo ? Com D. Heloísa creio que também não posso contar : Há muitos meses já ela deixa sem resposta todas as minhas cartas e consultas, e na ocasião de liquidação da compra do último material etnográfico ela evitou de tratar comigo pessoalmente. Depois disto não me dirigirei mais a ela [48].
A despeito do Museu Nacional ter sido, ao lado do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), financiador da última viagem de pesquisa entre os Ticuna, Nimuendajú relatava certa tensão em relação à figura de Heloísa Alberto Torres. Além disso, exprimia um certo desconforto com o Museu. Ele estava descontente com o que considerava uma indefinição com relação à proposta de publicação de sua monografia sobre os Ticuna, além de se dizer decepcionado por um problema de comunicação que resultou no cancelamento da alocação de recursos que haviam sido concedidos para outra viagem de campo. Confidencia, mais uma vez, a Baldus :
Com o Museu Nacional eu não vou lá muito bem, e já estou arrependido de ter feito um acordo tão amplo como fiz. É simplesmente impossível um entendimento à distância com essa gente. Tenho porém de aguentar por enquanto porque não vejo outro recurso para mim, mas na primeira oportunidade que tiver pularei fora [49].
Heloísa Alberto Torres faz referência à questão em correspondência datada de 16 de fevereiro de 1945, na qual responde a três cartas e a um telegrama enviados por Nimuendajú no final de 1944. Na resposta, fica evidente a irritação da diretora do Museu Nacional com as cobranças do antropólogo, sugerindo que a falta de conhecimento sobre o funcionamento prático de uma instituição pública teria sido a razão pela perda dos recursos prometidos :
Realmente, quando, a 19 de julho, eu lhe pedi que me fizesse um orçamento para a viagem aos Tikuna, era para reservar o dinheiro. Ou eu gasto a verba até ao fim do ano ou a perco, de forma que a previsão das despesas que sempre apresentam vulto maior que a verba tem que ser feita com antecedência nos meses de janeiro e fevereiro, sobretudo só o trabalho previsto antecipadamente poderá ter realização. São meses financeiramente mortos e eu já lhe disse isso mais de uma vez. Como, porém, não recebesse resposta sua à minha consulta, feita em julho, julguei que o projeto houvesse sido abandonado e apliquei a verba em outro trabalho de campo [50].
A diretora do Museu Nacional supunha que, não tendo notícias sobre os recursos, o problema financeiro estaria resolvido. No mínimo considerou que ela própria pudesse cobrir os gastos no futuro (o que, dado a margem estreita com que Nimuendajú tratava de suas reservas, mostrava-se um inconveniente significativo). Depois de confirmar o recebimento de material etnográfico “Canela” (especificamente os Timbira Ramkokamekrá, grupo de língua Jê do Maranhão), bem como o mapa etno-histórico, que achou magnífico, continuou censurando o antropólogo, por exemplo a sua decisão de apenas continuar o trabalho em outros artigos após a publicação do “texto Canela”, dado que, se quisesse receber pelos mesmos, deveria considerar o grande tempo de editoração. Por fim, criticou a sugestão de que Nimuendajú pudesse tratar o problema com outro funcionário do Museu, quando deveria passar apenas por ela, “do contrário, teríamos anarquia”. Afinal, “hoje, por exemplo, estou podendo escrever-lhe com calma porque é segunda-feira de Carnaval. Lastimo, portanto, que o seu entendimento tenha que ser diretamente comigo”. Conclui duramente :
Assim como o senhor não é um mero tradutor de certas condições de trabalho, para manter o seu entusiasmo é preciso poder produzir em forma adequada, também eu não sou um mero aplicador de dispositivos administrativos e precisaria de muita ajuda e compreensão para poder realizar uma reforma tão radical quanto vasta, em situação verdadeiramente favorável. Seria muito querer, nesse mundo moderno em que vivemos e no qual talvez possamos ser apontados, o Sr. e eu, dentre os seres mais felizes que vivem neste planeta [51].
Com Robert Lowie, Nimuendajú desabafou problemas de outra ordem : sua saúde. Em 1943, apenas dois anos antes de seu falecimento, escrevia resignado dizendo ter que abandonar a pesquisa de campo por recomendação médica, devido ao tratamento de um glaucoma que descobriu em passagem pelo Rio de Janeiro, e que o levou a realizar uma série de outros exames cujos resultados obrigavam a cuidados que só poderia tê-los nos “centros de civilização” [52]. Lamentava o fim da “vida de sertão e de convivência com os índios” (ainda que tivesse retomado as atividades de campo pouco tempo depois) :
A mim semelhante resolução causou uma grande tristeza. O Snr bem sabe como eu amava esta vida e como estava identificado com os índios ! Parece-me impossível que eu não veja mais os campos dos Canellas, banhados pelo sol, nem as matas sombrias dos Tukuna. Mas terei de conformar-me, tratando de começar uma nova vida [53].
É interessante notar que, com pequenas mudanças, especialmente a inclusão de uma fatídica frase – “Eu já estou definitivamente fora do combate...” –, Nimuendajú enviara uma carta com um texto muito semelhante a Baldus. Essa carta, de 10 de novembro de 1943, evoca as mesmas imagens poéticas transmitidas a Lowie alguns dias antes, e parte da mensagem foi transcrita por Baldus no necrológio que escreveu sobre Nimuendajú (Baldus 1945). Paralelos com uma mensagem a Métraux na mesma época foram notados por Chaudon (1991), que destaca as provações enfrentadas e o autodidatismo constantemente lembrados para homenagear a grandeza do trabalho de Nimuendajú. É significativo que Nimuendajú tenha destacado a tantos colegas, em um dos raros períodos em que ficou por mais tempo longe do campo, esse perigo de forma tão dramática – um perigo causado tanto pela doença, como pelas ameaças dos “civilizados”. Sobretudo porque voltou a realizar viagens de campo pouco tempo depois, a despeito das adversidades. Tais dificuldades eram certamente bastante reais em sua vida, mas Nimuendajú não hesitava em recordá-las com frequência aos seus colaboradores próximos, em cartas nas quais também pedia auxílios de toda sorte. Seus interlocutores, como vimos, não hesitaram em destacar esses exemplos de coragem e compromisso após sua morte. Lowie respondeu a carta de Nimuendajú em dezembro, lamentando a impossibilidade da continuidade do trabalho de campo, “do qual você gosta tanto e no qual você alcançou resultados absolutamente inigualáveis” [54].
A angústia transmitida na correspondência com Lowie só pode ser completamente entendida se considerarmos que parte considerável de seus provimentos advinham de contratos pontuais firmados para formar coleções etnográficas, produzir análises etnológicas e os seus conhecidos mapas etno-históricos (Castro Faria 1981). As cartas que enviou a Lowie revelam a importância, bem como a fragilidade, da colaboração intermitente com as instituições científicas do período, crucial para compreender a trajetória de sua formação : errática e realizada em constante deslocamento. Na realidade, ao final de sua vida não faltaram convites para que assumisse alguma posição em uma instituição em uma cidade ao sul do país, tanto por parte de Baldus [55] como do marechal Cândido Rondon, com quem também colaborou em alguns momentos, e também por Heloísa Alberto Torres : mudança que recusava peremptoriamente a fazer, preferindo se sentir confortável em seu “próprio ambiente”. Talvez as possibilidades de trabalho pudessem ser melhores no sul do país, mas, enquanto não estava em campo, ele não imaginava outro lugar para morar que não em sua casa em Belém : “daqui não me arredo”, respondeu a Baldus certa vez. Esse era um exemplo de obstinação que às vezes parecia transformar-se em teimosia, mas que também é bastante significativa da forma como concebia sua ética e prática antropológicas. [56]
Com exceção da colaboração mais estreita com o Museu Goeldi – que inclusive ajudou financeiramente a viúva de Nimuendajú, Jovelina do Nascimento Nimuendajú, mulher indígena Tembé com quem se casou em 1922 e que faleceu em 1972 –, as relações com as instituições nacionais não pareciam oferecer a segurança necessária ao trabalho. É o que mostra, por exemplo, certas atitudes de Heloisa Alberto Torres, que mesmo colocando-se em sua defesa em algumas ocasiões, também cobrava-lhe com vigor as contrapartidas acordadas, exigindo ainda prioridade no envio de peças de coleções etnográficas, seja o envio de artefatos etnográficos aos museus estrangeiros, que só poderiam ter coleções consideradas duplicatas de outras mantidas em museus brasileiros, seja a outras instituições nacionais, que também almejavam formar seus acervos. Em sua correspondência, fica evidente : Nimuendajú frequentemente anunciava sua preocupação com as relações com o Museu Nacional que, sobretudo no final de sua vida, considerava frágeis.
Após o estabelecimento do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil e com o decreto 22.698 de 1933, que estabelecia sua competência, a relação com museus europeus com os quais trabalhava com frequência, e que era até o momento pouco controlada pelas autoridades brasileiras, mudou radicalmente. O artigo 18 assim determinava :
À expedição da guia de exportação deverá preceder o arrolamento de todo o material destinado à exportação e dos espécimes em duplicata que obrigatoriamente devem ficar no país e ser incorporados ao patrimônio nacional, isso quando se tratar de expedições.
Já o artigo 20 definia que : “Nenhum espécime botânico, zoológico, mineralógico, paleontológico, arqueológico, histórico, legendário ou artístico poderá ser exportado para fora do país, sem que o interessado apresente na Alfândega ou estação de embarque o certificado respectivo” [57].
As dificuldades financeiras que as instituições estrangeiras progressivamente passaram igualmente a enfrentar no período contribuíram para que Nimuendajú tivesse que repensar a sua relação com os museus brasileiros. Em 2 de dezembro de 1944, depois de tratar de uma publicação de uma série de mitos Xerente, povo indígena de língua Jê, no Journal of American Folklore (Nimuendajú e Lowie 1944), traduzidos para o inglês por Lowie, Nimuendajú confessou a esse, fazendo menção ao problema de financiamento para a expedição :
Eu vou-me aguentando com o Museu Nacional, mas estou achando tão difícil um entendimento : As mentalidades são, no fundo, por demais diferentes. Tencionava fazer ainda uma visita aos Tukuna, mas até eu conseguir um entendimento a respeito com o Museu Nacional, a época própria já terá passado. Me lembro com saudade do tempo quando isto dependia apenas de auxilio do senhor e da iniciativa minha. Às vezes os recursos eram escassos, mas fazíamos tudo que queríamos, mesmo com dificuldade [58].
Ele faz referência também à diminuição dos recursos para pesquisa por parte das instituições norte-americanas, como os que obteve da Smithsonian Institution (para a qual enviou um mapa etno-histórico, encomendado por Julian Steward), mas sobretudo os que recebia da Universidade da Califórnia. Lowie, em mais de uma carta ao colega, lamentava a falta de financiamento acadêmico, bem como a perda de parte considerável do corpo discente e do jovem corpo docente, enviados para a guerra. Em 10 de outubro de 1942, escreveu encorajando a manutenção de boas relações com a Smithsonian, que por ser uma agência governamental ainda recebia recursos que poderiam ser alocados a Nimuendajú, sobretudo para fortalecer as relações “culturais panamericanas” – algo que Lowie já não conseguia justificar junto à Universidade da Califórnia. Assim resumiu a questão :
O constante crescimento do nosso exército naturalmente afasta cada vez mais nossos estudantes, bem como instrutores mais jovens ; e ao todo a atmosfera não é favorável para qualquer pesquisa que não possa ser coordenada com o esforço de guerra [59].
Em 31 de maio de 1943, após informar o envio de cópias do artigo escrito por ambos sobre os Xerente, comentar o projeto do Handbook of South American Indians, para o qual ambos contribuíram, e ainda a publicação da monografia sobre os Ticuna pela Universidade da Califórnia (Nimuendajú 1952), Lowie finalizou a carta lamentando não ter novidades sobre novos recursos, ainda que continuasse tentando obtê-los. Assim justifica a situação, reiterando o que já havia informado anteriormente :
Talvez quando estiver no leste eu possa arranjar alguns fundos apropriados para o seu trabalho. Mas esses são tempos extremamente difíceis para quaisquer atividades que não estejam diretamente conectadas com o esforço de guerra [60].
A diminuição dos recursos financeiros que obtinha de instituições europeias e norte-americanas, fundamentais para as aspirações intelectuais e as pesquisas de campo de Nimuendajú – mas também para formar coleções etnográficas, conseguir material bibliográfico e mesmo publicar seus textos – parece ter tensionado as relações com as instituições brasileiras, com as quais nem sempre manteve relações tranquilas. Em 16 de abril de 1945, respondeu, lacônico, a Lowie sobre a relação com uma das mais importantes dessas instituições : “com o Museu Nacional vou de mal a pior, e creio que o rompimento não se dará esperar mais muito. O que eu farei depois não sei” [61]. Além dos problemas em relação à verba para a viagem ao Alto Solimões, Nimuendajú provavelmente se referia também aos acordos feitos à época para a produção de uma última e mais completa versão do mapa etno-histórico para o Museu Nacional, pelo qual recebeu uma quantia de 20.000 réis (somados os honorários de uma série de aulas que ministrou por um breve período), além da publicação de outros de seus textos, que traduzia para o português.
É evidente que nem sempre as afinidades institucionais intermitentes eram abaladas por motivos financeiros. Além de se ver como uma autoridade na obtenção de coleções etnográficas e informações etnológicas cuja atuação era disputada pelos museus brasileiros, Nimuendajú também se indispôs com alguns órgãos, privados ou públicos, em função de sua visão crítica quanto à maneira como eles lidavam com as populações indígenas. A despeito da amizade que nutria por Rondon, é importante relembrar que sua indisposição com o Serviço de Proteção aos Índios, chefiada pelo marechal, ficou bem conhecida. No final da vida foi convidado pelo presidente da Fundação Brasil Central, então ministro da Coordenação de Mobilização Econômica do governo Vargas [62], por intermédio do Museu Nacional, para colaborar com os projetos de desenvolvimento da região do Araguaia. Tendo inicialmente aceitado o convite em agosto de 1945, recusou-se a trabalhar com a Fundação após saber que um funcionário havia enviado munição para o Tocantins para “combater os índios Paracanã da região” [63].
Nimuendajú certamente sabia que o projeto não deveria ser benéfico para as populações indígenas da região central do Brasil – a despeito de sua expectativa de que poderia significar a construção de estruturas básicas de saúde em regiões carentes desses serviços –, mas deve ter aceitado o trabalho, ao menos antes de saber desses exemplos de violência extrema, com a esperança de poder atuar em prol dessas populações desde o interior da instituição. Não foi a primeira vez em que Nimuendajú acata um trabalho dessa natureza, mesmo que tenha depois recusado participar. A já referida pacificação dos Parintintin (Nimuendajú 1982) é um exemplo desse trabalho prático que por vezes realizou, e é um caso frequentemente evocado pelos comentadores de Nimuendajú para atestar sua coragem, mas que também contribuiu para que passasse a olhar criticamente para a política do principal órgão indigenista do período [64].
Esses exemplos, somados aos já mencionados em relação à correspondência de Nimuendajú com Schultz, parecem suficientes para explicitar a postura crítica do primeiro em relação à política indigenista brasileira. É preciso destacar ainda que, seja para o desenvolvimento de seus trabalhos antropológicos, seja para seu posicionamento em relação à violência cometida contra os povos indígenas, a falta de uma posição institucional assegurada obrigava-o a negociar formas de trabalho intermitentes, mas sempre guiadas por uma ética bastante rigorosa. É possível afirmar que as dificuldades financeiras, quando associadas a um desejo incansável de continuar as pesquisas de campo, tornava indissociável a relação entre o trabalho científico e a atuação política. Não é de se estranhar que sua trajetória, tal como se delineou nesses termos, tenha servido de exemplo para a prática antropológica desenvolvida no Brasil sobretudo após a morte do etnógrafo.
A etnografia dos arquivos de Nimuendajú que busquei realizar demonstra como é fundamental compreender sua experiência social e a forma como ela foi narrada : por ele, por seus interlocutores e, posteriormente, pelos comentadores de sua obra – entre os quais se encontram seus colegas, os primeiros a tratar de seu trabalho. Tratava-se de uma constante luta por financiamentos, sobretudo no final da vida, e de muitas dificuldades decorrentes do feitio de sua pesquisa etnográfica. A fragilidade institucional está, dessa forma, relacionada à produção de uma ética de trabalho antropológico que é frequentemente evocada quando da recuperação de sua trajetória. E, talvez, uma das atividades etnográficas às quais Nimuendajú se dedicou que melhor exemplificam o complicado equilíbrio entre financiamento e produção científica, seja o seu trabalho de colecionista.
O modelo de trabalho antropológico defendido por Nimuendajú era possibilitado pela forma como considerava a prática etnográfica : era necessário conjugar a reflexão teórica com uma cuidadosa coleta de dados sociológicos e cosmológicos, mas também de cultura material. Se sua produção antropológica publicada – os artigos e livros – atestam a qualidade de seu trabalho etnográfico, o mesmo pode ser afirmado sobre as coleções etnográficas que constituiu. As fotografias que realizou em campo, além de alguns de seus desenhos e croquis - partes fundamentais dos relatórios que produziu, na esperança de documentar os usos de artefatos etnográficos em seus devidos contextos - são exemplos das maneiras pelas quais pensava o lugar do estudo da cultura material (Tambascia 2013 ; Tambascia 2015).
A formação de coleções etnográficas, que de início poderia ser tomada como concessão às vicissitudes de ordem pragmática, ou como forma de financiamento, não está reduzida a razões de ordem utilitária A análise documental mostra linhas de força transversais que parecem ganhar destaque, de forma a encontrar indícios de uma circulação de conhecimento e de objetos.
Nesse sentido, é importante contextualizar o trabalho de Nimuendajú quando da formação dessas coleções. Refiro-me, em particular, às negociações que foi obrigado a realizar com as diversas instituições com as quais trabalhou, especialmente a partir da década de 1930, em um momento em que sua reputação como um dos maiores conhecedor das populações indígenas no Brasil já estava consolidada. Os convites para colaboração com instituições científicas, tanto nos Estados Unidos (tendo o Handbook of South American Indians coordenado por Julian Steward como um exemplo maior), como na Europa (por exemplo, a colaboração com Paul Rivet no Journal de la Societé des Américanistes) e no Brasil, atestam a complexidade das cooperações na formação de coleções etnográficas.
De fato, boa parte da documentação sobre Nimuendajú mostra a história das dificuldades do antropólogo em conseguir as permissões para a realização de suas pesquisas e para a constituição de coleções etnográficas a serem remetidas para o exterior : com o Conselho, é bom lembrar, só seriam autorizadas remessas para o exterior das coleções que pudessem ser consideradas “de igual valor científico” ao daquelas que já tivessem sido garantidas para as instituições nacionais – o que, claro, não era tão simples de auferir, não só pela impossibilidade de um cálculo preciso sobre essas equivalências, como porque na prática é possível perceber uma disputa entre as próprias instituições nacionais pelas coleções formadas (geralmente Heloísa Alberto Torres conseguia assegurar a precedência do Museu Nacional na aquisição de uma coleção etnográfica).
O arquivo do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) no Rio de Janeiro contém a documentação do Conselho, preciosa para compreender essa relação de competição entre as instituições científicas no Brasil. Por exemplo, sobre as coleções Ramkokamekrá (“Canela”) sabemos que, no começo de 1935, Nimuendajú, “brasileiro naturalizado”, como fazia questão de lembrar, enviou pedido de autorização para realizar uma expedição de três ou quatro meses na Barra do Corda no Maranhão, de modo a “completar os estudos sociológicos” que vinha realizando desde 1929. Foi acordada a formação de uma coleção, “como já estabelecido” e combinado, para ser enviada ao Museu Nacional, conjunto de cerca de 700 “peças Canella”, por 10 a 12 contos de réis. Nimuendajú também previu a formação de uma coleção “idêntica” para o Museu Etnográfico de Berlim, por 100 libras, bem como a organização de outra, de 350 peças, para completar a já existente no Museu Goeldi, como combinado com seu diretor, Carlos Estevão de Oliveira. Também ficou estabelecido que seria criado um conjunto menor, para completar a coleção do Museu de Gotemburgo na Suécia. Nimuendajú informou, ainda, que não realizaria coleta arqueológica e que negociaria diretamente com os indígenas em troca de mercadorias ou dinheiro. O pedido recebeu parecer favorável, escrito à mão na própria carta enviada, de uma das mais influentes conselheiras do órgão, Heloísa Alberto Torres [65].
A demanda foi aprovada pelo presidente do Conselho no dia 18 de março de 1935. Mas é interessante notar que no documento emitido não havia menção a coleções de outras instituições que não o Museu Nacional e o Museu Goeldi [66]. De qualquer forma, Nimuendajú conseguiu de fato formar uma coleção de 631 peças para o Museu Nacional e outra de 225 peças destinada a Berlim. Em julho do mesmo ano pediu ao presidente do Conselho autorização para a remessa da coleção menor ao exterior, “tendo organizado entre os índios Canellas do Estado do Maranhão as duas coleções etnográficas”, restando então “a exportação da coleção que se destina ao Museu Etnográfico de Berlim” [67].
No final de 1935, Nimuendajú pediu nova autorização ao Conselho para complementar o trabalho que não conseguira finalizar na viagem anterior. Ainda que escrita em tom técnico, sobre quais etapas do trabalho de colecionismo e de pesquisa etnológica ainda eram necessárias, em sua carta fica também insinuada a questão indigenista, como um alerta velado sobre a situação testemunhada em campo. Dessa forma, Nimuendajú solicitou permissão para voltar à Barra do Corda,
para repetir a sua visita aos índios Canellas no Estado do Maranhão afim de tentar novamente a realização dos seus trabalhos que as circunstâncias precárias em que encontrou aqueles índios não lhe permitiram durante a sua ultima visita feita em Abril-Setembro do ano corrente [68].
Nessa mesma correspondência, propôs a formação de uma coleção de 350 peças para o Museu Goeldi e mais 200 para os museus de Berlim e de Gotemburgo. As coleções seriam enviadas primeiro para Belém, de onde sairiam para o exterior. Heloísa Alberto Torres, em parecer emitido em janeiro de 1936 sobre o pedido, se mostrou favorável ao acerto, mas fez questão de ponderar :
De acordo, uma vez que o Museu Nacional tenha opção da compra de alguma peça que, porventura, venha a ser colecionada entre os Canelas e que não conste entre os espécimes que já possui na sua coleção. Tal hipótese deverá ser verificada, por ocasião da exportação, pelo Delegado do Conselho de Fiscalização, em face das informações prestadas pelo Sr. Nimuendajú [69].
A licença, dessa forma, foi realmente concedida, com a opção de primeiro ser enviada uma coleção ao Museu Goeldi, observadas as opções garantidas ao Museu Nacional. É possível entrever, nas correspondências e determinações dos membros do Conselho de Fiscalização, um tipo de desconfiança que acompanharia o restante da trajetória de Nimuendajú. Tal desconfiança, é importante ressaltar, não era partilhada por Carlos Estevão de Oliveira, delegado do Conselho no Pará e diretor do Museu Goeldi, que em mais de uma ocasião manifestou crença no trabalho ético de Nimuendajú. Nos períodos mais tensos durante a guerra, Estevão de Oliveira chegou a enviar cartas para as autoridades locais nas regiões em que o antropólogo realizava trabalho de campo, solicitando que esse pudesse conduzir suas pesquisas e formar as coleções etnográficas, bem como intercedeu em defesa do amigo quando ele foi preso em Manaus em 1942, acusado de ser espião alemão (Tambascia 2015).
Quando Nimuendajú realizou outro pedido para conduzir pesquisa entre os Xerente, a ser realizada em 1937 por cerca de quatro ou cinco meses, com financiamento da Universidade da Califórnia, o cuidado com as negociações entrevistas no trabalho entre os Ramkokamekrá continuou a ser observado [70]. Para a formação desse novo conjunto de coleções ficou decidido que a prioridade de envio seria ao governo brasileiro, reservando ao Museu Nacional a opção pela compra “de exemplares únicos” [71]. Nessa ocasião, reuniu 242 peças, que propôs vender por “seis contos e quinhentos mil réis”, com algumas outras peças Apinajé, que completariam uma coleção já existente no Museu Nacional, em conjunto com mais algumas fotografias e outras peças “Chucurú” de Pernambuco. O presidente do Conselho conseguiu, com o Ministro da Agricultura, a que estava subordinado, o dinheiro para a compra dessa importante coleção, de forma que a mesma não saísse do país, evitando “a saída para o estrangeiro de um conjunto interessante como é o que oferece a venda o Senhor Curt Nimuendajú” [72].
Dessa viagem surgem novas situações tensas. Afinal, existiram vários outros processos em que Nimuendajú solicitava autorizações para realizar seu trabalho de campo – que resultou, em alguns casos, na formação de outras coleções etnográficas, muitas das quais adquiridas pelo Museu Nacional. Ainda em relação à coleção Ramkokamekrá, acabaram por ser enviadas, com anuência do Ministério Público do Pará, 168 peças, não consideradas originais, para o museu de Gotemburgo (o material é considerado “insignificante em confronto com o material que veio enriquecer o patrimônio científico nacional” [73]). O caso iria resultar, alguns anos depois, em uma situação difícil no interior do Conselho. Flexa Ribeiro (1884-1971), historiador e professor da Escola Nacional de Belas Artes, tornou-se o principal crítico dos acordos multi-institucionais que Nimuendajú se viu obrigado a fazer naquela época.
Em parecer enviado aos membros do Conselho a respeito de novo pedido de licença de pesquisa, dessa vez entre os Kayapó no Xingu, Ribeiro criticou o posicionamento político de Nimuendajú, ainda que tenha destacado a importância do trabalho do etnólogo junto às populações “dos primitivos e dos semi-civilizados”. Entretanto, deixa claro seu posicionamento quanto a considerações, nos relatórios enviados por Nimuendajú, sobre assuntos que não são “estritamente acadêmicos” :
Quanto aos civilizados, propriamente, o sr. Kurt faz crítica acerba. E no tocante a certas autoridades brasileiras chega a parecer um libelo a acusação que lhes irroga, tanto às administrativas, como às políticas. Tudo isso fará parte das pesquisas sociológicas que o Conselho lhe pediu quando lhe renovou a licença, em setembro de 1939 ? [74]
Em carta enviada ao Conselho de Fiscalização, após lembrar que era “brasileiro naturalizado”, Nimuendajú pediu outra autorização de pesquisa no final de 1940, dessa vez para mais uma viagem de campo entre os Ticuna no Alto Solimões, financiada pela Universidade da Califórnia, como fez questão de assinalar. Entretanto, aproveitou para responder a uma crítica de Flexa Ribeiro, na qual tomou conhecimento do relatório sobre a expedição de pesquisa entre os “Gorótire do Alto Xingú”. Reproduzindo parte do parecer do conselheiro, que solicitava que se observasse o envio de coleções segundo as regras estabelecidas e que “a exportação PARA A ALEMANHA do referido material COMO COSTUMA FAZER, poderá atingir os exemplares comuns dos quais haja duplicata” [75], Nimuendajú passou a fornecer uma série de dados que provariam não ser verdade que priorizasse museus europeus, cuja percentagem de peças recebidas correspondiam apenas a quinze por cento do total coletado. E terminou a carta indignado com qualquer suspeita sobre a possibilidade de sair do país com coleções etnográficas, uma vez que “sendo eu cidadão brasileiro, estabelecido no país há 37 anos, não tenciono absolutamente deixá-lo”.
Flexa Ribeiro, em novo parecer sobre o pedido para pesquisa entre os Ticuna, escreveu um longo texto, colocando em suspeita, dessa vez, a competência intelectual de Nimuendajú. Sobre o próprio título do pedido, de realização de estudos sobre “a sociologia e religião”, indaga, não sem ironia :
Em se tratando de estudioso de dilatado renome, não vejo como se possa compreender o sentido [de] Sociologia e religião, como entidades cientificas diferentes. Sempre acreditei, provavelmente por ausência de luzes de experiência, que a religião era um facto social, fazendo assim parte integrante da sociologia, dela sendo inerente, ponto central de fenômenos sociogenéticos, pois pelo seu estudo muito se aclara a mentalidade primitiva dos habitantes deste triste planeta [76].
Ribeiro tampouco deixa de protestar em relação ao recurso de Nimuendajú de utilizar maiúsculas para se contrapor ao conselheiro. Mas retruca o argumento do antropólogo, ao afirmar que não se trataria, em termos de objetos artísticos, de decidir por justiça na partilha em termos quantitativos. Afinal, “o que mais se levanta como valor e preço, na estimativa da ciência e da arte, não se mostra na quantidade, e, antes, se esconde na qualidade” [77].
É importante observar que Ribeiro se valia de sua formação e atuação no campo artístico para deslegitimar o raciocínio feito por Nimuendajú. Ribeiro ainda cita um texto de Erland Nordenskiöld, em que o antropólogo sueco lembra da contribuição de Nimuendajú para a formação de coleções etnográficas preciosas para o Museu de Gotemburgo. Argumenta, assim, que suas precauções seriam acertadas e a cautela em relação a Nimuendajú necessária. Afinal, mesmo se tratando de poucos exemplares enviados à Suécia, a afirmação de Nordenskiöld indicaria se tratarem de artefatos preciosos. A alternativa seria que “a afirmativa do conservador do já citado museu é pura jactância”. Ainda lança uma suspeita : entre a publicação do texto de Nordenskiöld e o então tempo presente já teriam se passado muitos anos. Será, indaga Ribeiro, que “no interregno destes últimos dez anos houve completa negligência do pesquisador erudito no tocante a novas remessas ? Nada terá enviado ao seu comitente sueco ou fê-lo na mesma andadura ? Pois se há dez anos atrás, já o Museu de Goteborg era o mais rico, na seção arqueólogica, em espécimes amazônicos, como não se encontrará agora, decorrido um decénio ?” [78].
Nos arquivos consultados, é possível analisar diversos outros exemplos de situações de tensão e de suspeita em relação a Nimuendajú, por parte de autoridades que passaram a controlar a atuação de pesquisadores de origem estrangeira no Brasil em meados da década de 1930. Entretanto, basta destacar alguns pontos que encontram paralelos com as dificuldades enfrentadas por Nimuendajú quanto aos acordos institucionais que realizava para possibilitar a condução de suas pesquisas e a publicação de sua obra. As relações com os museus europeus parecem ter-se convertido, em certas situações, em indícios de situações que demandariam cuidado e controle, nas quais a origem alemã de Nimuendajú não seria nunca esquecida – a despeito de sua naturalização como brasileiro e da vida que levava no país. O papel do Conselho, nesse sentido, contribuía para tornar ainda mais críticos os esforços do etnólogo em obter recursos financeiros, bem como tensionava sobremaneira a sua posição entre as instituições nacionais com as quais colaborava, mas que também disputavam os frutos de seu trabalho científico.
A vida tornada exemplar
Curt Nimuendajú faleceu em um final da tarde do dia 10 de dezembro de 1945, no Igarapé da Rita, próximo da Vila de Santa Rita do Weil, no município de São Paulo de Olivença, pouco depois de ter chegado a campo para realizar mais uma pesquisa entre os Ticuna. Sobre a morte, considerada inconclusiva, ainda que cercada de muitas suspeitas (Welper 2016), interessa mencionar que ao longo dos anos foram produzidas histórias e hipóteses variadas sobre suas causas (Laraia 1988, Oliveira 1999). Entretanto, não parece banal que a notícia do falecimento na aldeia tenha sido lembrada por comentadores da obra de Nimuendajú junto a considerações sobre seu comprometimento ético e sua conhecida perseverança para a realização do trabalho antropológico em condições adversas. A morte no campo, depois de uma vida de provações e dificuldades de toda ordem, ganha contornos trágicos ao consideramos os reiterados pedidos dos colegas para cuidar mais da saúde. Não obstante, também confere um sentido heroico à sua trajetória, composta de constantes esforços para continuar empreendendo expedições etnográficas, estimuladas por um senso de urgência para o registro e o estudo científicos de sociedades e culturas sob o risco de desaparecimento, e que resultaram em inúmeras denúncias das injustiças que testemunhou.
Mesmo em relação ao seu trabalho como colecionista, que continua a ser explorado por novos estudos, ainda é possível tecer reflexões sobre como ele contribui para a formação de certas imagens sobre Nimuendajú. Ainda que herdeiro de um ideal do romantismo alemão de cunho naturalista, central na definição dos projetos dos viajantes alemães no Brasil nos séculos XIX e XX (Faulhaber 2013 ; Petschelies 2019), é interessante refletir sobre o modo como o próprio antropólogo considerava os artefatos etnográficos que coletava. A análise de algumas de suas anotações de campo preservadas, bem como dos relatórios entregues com as coleções etnográficas, além das descrições sobre os usos dos objetos fotografados e desenhados por ele, nos permite traçar algumas ponderações. Nesses documentos Nimuendajú buscava explicar como os objetos eram feitos e em que contextos eram utilizados, ao mesmo tempo que procurava denunciar os riscos de seu desaparecimento. Era guiado, como não poderia deixar de ser, por uma ética de cientificidade na coleta da cultura material que nos permite relativizar uma possível separação da materialidade do objeto da materialidade do contexto de sua existência – questão atualmente criticada nas exposições dos museus etnográficos (Fabian 1998 ; Price 2007). Entretanto, tal procedimento também significava que tais objetos eram tomados como evidências materiais dos interesses etnográficos que moviam as pesquisas antropológicas à época, e não como obras de arte singulares, o que nos levaria para reconsiderações radicais da importância da cultura material para Nimuendajú. Percebe-se, assim, como o antropólogo possuía uma grande preocupação com um quadro analítico que o ajudava a interpretar a importância dos artefatos etnográficos como expressão da sociabilidade indígena.
Para a presente reflexão sobre o lugar atribuído a Nimuendajú na história da antropologia, em virtude de sua contribuição à etnografia e de suas motivações para que tivesse valorizado sobremaneira a realização de trabalho de campo, inspiro-me em grande medida no argumento proposto por Pels (2000). Para Pels, a tecnologia de produção de um self antropológico, exemplificado no recurso confessional de produção pública de uma reflexão de si, está intimamente relacionada à defesa de uma ética específica de trabalho científico. Tal processo ficaria claro sobretudo na segunda metade do século XX, desenvolvido nos fóruns de debate antropológico sobre o comprometimento e respeito às sociedades estudadas. Entretanto, é interessante pensar em como a ética de compromisso, por parte de Nimuendajú – e de outros antropólogos de sua época –, parece de fato ter sido moldada pela valorização da etnografia realizada, a despeito das dificuldades – ou por causa delas. A tensão que parece constitutiva da antropologia, entre a defesa de uma ciência “pura” e outra comprometida, bem como a relação entre aquilo que é contado na história da disciplina e o que pode ser recuperado, parece exemplificar a trajetória de Nimuendajú, tanto a respeito das críticas que fez, como das parcerias que buscou estabelecer. Nimuendajú não se furtava a criticar, é relevante lembrar, aqueles intelectuais que não haviam feito trabalho de campo. Uma análise de sua correspondência ajuda a compreender como a sua experiência etnográfica contribuiu para a formação de uma ética de trabalho específica, bem como as razões pelas quais foram potencializados os sentimentos de suspeita sobre seus contemporâneos.
É possível sugerir, pela análise do trabalho etnográfico que Nimuendajú realizou ao longo da vida, que existe uma espécie de imaginação antropológica que confere à sua contribuição um lugar decisivo na história da disciplina no Brasil. Foram produzidas narrativas que, mesmo em vida, pareciam resultar em espaços de atuação que ora lhe abriam, ora lhe fechavam portas. A defesa incondicional dos povos indígenas, a denúncia das vilanias dos “civilizados”, mas sobretudo seu profundo conhecimento antropológico, nunca deixaram de ser evocados pelos comentadores de sua obra. Sua formação não se deu na universidade, mas no campo. Essa experiência singular rendeu-lhe reconhecimento e permitiu-lhe constituir uma profícua interlocução com figuras-chave da história da antropologia, com quem pôde obter recursos financeiros em alguns casos, mas também informações e orientações etnológicas, além de eventuais conselhos sobre o debate teórico de seu tempo. Ao lado disso, esses mesmos interlocutores receberam, em contrapartida, informações etnográficas precisas, além de análises instigantes sobre diversos problemas antropológicos que ajudaram a tornar mais complexos. Essa experiência parece ter-se convertido, em mais de um caso, em narrativas de consagração que ainda lhe são rendidas ; a mesma experiência que, em vida, propiciou-lhe uma vida atribulada e por vezes bastante difícil. Essa conversão, que parece central na definição da história da antropologia, merece atenção, uma vez que indica a importância de certos modelos de prática científica. O estudo da figura de Nimuendajú, tal como recuperada aqui, historiograficamente, parece ser uma boa maneira de realizar essa reflexão.
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